Comunhão
por
Estevão Prestes*
O clima
estava agradável. Era final de julho, pleno inverno, mas a
temperatura estava amena e o céu absolutamente limpo. Maré estava
baixa e praia quase vazia, pois a temporada de verão estava longe
de começar. Naquele momento eu estava só, sobre as formações
rochosas que adornam o lado norte da Praia do Pinho, e dali podia
observá-la em toda a sua extensão: à minha esquerda uma praia
menor, seguida de outras rochas encimadas pela mata que esconde o
Paraíso da Tartaruga; à direita a praia seguia, adiante estava a
área dos casais, o camping e o restaurante. A divisão não estava
instalada, por ser baixa temporada. Aqui e ali outros poucos
naturistas caminhavam, conversavam ou tomavam sol em cadeiras sobre
a areia. Ocasionalmente alguém passava por mim e nos cumprimentávamos.
Era
meu primeiro dia numa área naturista. Chegara na noite anterior, já
havia conhecido e conversado com algumas pessoas, o pessoal do
restaurante e da pousada, além de um ou dois frequentadores. Já
havia superado o "susto" inicial de me ver despido, entre
outras pessoas igualmente despidas, como se isso fosse a coisa mais
natural do mundo...
...talvez
porque isso fosse a coisa mais natural!
Agora
eu estava ali, num momento de solitude. Precisava assimilar aquela
nova experiência e de tempo para organizar os pensamentos, entender
o que eu estava vivenciando.
Sou
evangélico desde criança, fui criado com uma série de repressões,
de pudores. Entretanto, agora eu estava ali, sem roupas e sem
culpas, plena Praia do Pinho, nu entre pessoas nuas. A Praia do
Pinho, meu! Quero dizer, AQUELA Praia do Pinho, dá para entender?
Contemplei
tudo o que me cercava e ali, sentado sobre as pedras, senti vontade
de orar. E agradeci pela criação, pela paisagem, pelo tempo
ensolarado, pela beleza das pessoas, pela oportunidade da experiência.
Naquele momento, muitas coisas em minha vida começaram a
descortinar-se em sentidos óbvios mas nunca antes percebidos. A
presença do Criador era palpável, mas tive receio: apresentar-me
nu diante do Eterno, não seria uma falta de respeito?
E
palavras que não são palavras sussurraram em meu coração. Ele
sabe como eu sou, por dentro e por fora. Máscaras são inúteis,
mais que isso, elas sim é que constituem uma afronta ao Onisciente.
Palavras são dispensáveis diante Daquele que sabe. Tratei então
de despir-me por dentro também, e deixei-me entregar ao abraço do
Eterno...
Hoje,
muita gente ainda estranha que eu seja naturista e evangélico.
Muitos em minha igreja acreditam que eu estou "em pecado";
alguns naturistas, ao saber de minhas convicções religiosas, me
perguntaram "o que é que você está fazendo aqui?". Acho
que isso se deve a dois tipos de preconceito: o das pessoas que
pensam que ser evangélico é ser fanático e o das que pensam que
naturismo é sinônimo de libertinagem. Todo preconceito é fruto da
ignorância e da estreiteza de pensar que o "meu
jeito" é o "certo", e portanto todos os demais estão
"errados", da incapacidade de ser tolerante e de conviver
com a diferença. Isso o Evangelho me ensinou. Isso o naturismo me
ensinou.
Mais
tarde, naquele mesmo dia, numa conversa descontraída com o pessoal
do restaurante, alguém me perguntou se minha namorada (de Curitiba)
sabia que eu era naturista... O conceito me atingiu como uma
pedrada: até aquela hora eu me considerava um visitante, que estava
apenas conhecendo o naturismo. Mas a pessoa em questão estava
certa: eu não poderia voltar para casa e esquecer o havia
vivenciado. Desde aquele primeiro dia, eu já era um naturista, por
dentro e por fora.
Graças
a Deus!
Estevão
Prestes, Curitiba
onaturista@hotmail.com
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