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Paulo Pereira e a história do pioneirismo


entrevista a Pedro Ribeiro*
 

Paulo Pereira é um dos mais antigos combatentes pelo naturismo ainda em atividade. Conheceu Luz Del Fuego pessoalmente quando era um jovem correspondente internacional. Porém, abraçou a causa naturista desde a adolescência. Atualmente prepara a terceira edição, revisada e muito aumentada, de seu livro Corpos Nus, que deverá chegar às livrarias em março de 2006. Um documento extraordinário sobre a história e a luta de nosso Movimento no Brasil. OLHO NU, juntamente com o Portal Pelados entrevistou-o na casa de outro ícone do naturismo brasileiro, Sérgio de Oliveira. A história da vida desse emblema você lerá a seguir.

 

foto: Pedro Ribeiro

Paulo Pereira em entrevista ao jornal OLHO NU e site Pelados

OLHO NU: Paulo, como começou o naturismo no Brasil? Quem foram os pioneiros ?

 

Paulo Pereira: Em 1949, com Dora Vivácqua, a chamada Luz Del Fuego, que funda o Partido (político) Naturalista Brasileiro. Era a época do pós-guerra, então todo mundo era muito politizado. Os partidos comunistas, os partidos de esquerda proliferavam no mundo inteiro. Havia aquela fome internacional anti-facista. Havia então a preocupação de politizar, de fazer partidos. Daí se deu a criação.

 

OLHO NU: Quais eram os objetivos desse partido ?

 

Paulo: Preservar a natureza, desmistificar a nudez, implantar o naturismo oficialmente, pelo que posso me recordar aqui agora. E ela tinha ligações com o Naturismo Internacional, não com a INF (International Naturist Federation) por que só foi criada em 1953, mas com pessoal da Alemanha, sobretudo porque ela tinha feito curso como atriz e bailarina naquele país. Em 1952 é que ela funda oficialmente o clube da Ilha do Sol. O Clube Naturalista Brasileiro. A palavra era naturalismo, porque havia a intenção de ser ligada à natureza.

 

Esse nome de naturismo, merece então uma outra explicação, que dou no livro. Embora todo esse Movimento tenha surgido desde Ungewitter, em 1903-05, como nudismo. Um dos livros dele se chama Das Nacketheit, "A Nudez", então não havia nenhum termo naturismo. Havia naturalismo, como filosofia de integração à natureza e havia nudismo.

 

Os trabalhos e estudos de Ungewitter forma uma reação ao que houve no século anterior, o século XIX, muito fechado, muito vestido, muito puritano. Então na Europa as pessoas muito vestidas, o clima frio, havia necessidade, sob o ponto de vista médico, de chegar-se à natureza, de chegar-se ao Sol. Por isso muitos clubes de naturismo até hoje se chamam clubes do Sol. Revistas como Sun and Health (Sol e Saúde). No Brasil tínhamos uma revista muito famosa na década de 50, Saúde e Nudismo. Mostra a preocupação de quando o nudismo surgiu, que uma das vertentes era de ser uma terapia alternativa de vida, usada por médicos, que receitavam o banho de sol. O Sol e o ar fresco. Esses eram os princípios.

 

Mas no Brasil, não há como negar o pioneirismo absoluto de Luz del Fuego. Isso ao longo do tempo contraria pessoas com preocupação de negar a história, mas contra fato não há argumento. Não é questão de gostar ou não gostar.

 

ON: Como a sociedade da época enxergava o naturismo ser liderado por uma bailarina e vedete ? Isso era prejudicial para o Naturismo ?

 

PP: Na minha visão a sociedade chamada vestida, "têxtil", é muito hipócrita e muito preconceituosa. Era naquela época da Luz e continua sendo. Então muita gente vai às praias de nudismo no mundo e no Brasil com intenção de ver gente nua, ver mulher nua. E quando chega lá, encontra pessoas de todos os tipos, velha, gorda, feia, e então reclama: "Ah, aqui só tem gente velha...".

 

foto: Pedro Ribeiro

Sérgio de Oliveira e Paulo Pereira

No meu livro "Corpos Nus" eu falo de uma crônica de extremo mau gosto, que saiu num jornal de grande circulação do Rio, com o título "Abricó, meu bem" (Nota da Redação: Paulo se refere ao colunista Joaquim Ferreira dos Santos com a coluna diária Gente Boa e uma semanal, maior, no jornal O GLOBO). Então, respondendo à pergunta, havia sim, imagina... nos anos de 1940, 1950, uma sociedade machista muito fechada, de pós-guerra, com influência da Igreja Católica Romana muito maior do que hoje, população do Brasil muito menor, havia muito mais a questão de classe, com divisão entre elas muito mais nítida... Havia o preconceito. Tirar a roupa, ficar nu. O clube de nudismo era chamado de colônia de nudismo. Era aquela coisa do hermético. Eu costumo dizer que o naturismo no Brasil sempre foi tachado de coisa meio esotérica, meio permissiva, uma seita. Isso contradiz a filosofia. Muita gente, inclusive no exterior, tem contribuído para essa visão: "o naturista é diferente". Não é diferente. Tirar a roupa não é diferente. Afinal tirar a roupa todo mundo tira, no banheiro, na cama de amor...

 

Como eu digo no livro, mais ou menos assim, o homem é nu ao nascer, mais despido do que nunca na sepultura com seu esqueleto, nudista de ocasião no banheiro, na cama de amor. Eis o homem, o macaco nu, como diria meu colega Desmond Morris, sempre de volta às origens.

 

E qual é a origem ? Ninguém nasce vestido. Então é essa coisa do natural de um lado e do cultural do outro. Havia então aquela vontade de chegar-se à natureza, até com apoio médico, mas por outro lado havia censura. Todo mundo nu ? Não pode. Sexo... Ainda mais em um país como o nosso, latino, com nossa formação que sabemos como é, e que não devia ser , por causa de sua raiz índia, de sua raiz negra, que, de certa forma, contraria o puritanismo judaico-cristão, mas que é prevalente. Isso até hoje existe.

 

Atualmente se fala abertamente sobre a nudez, porque se vive numa dita democracia, e ela é encarada de outra forma, até porque com o biquíni bem cavadão, o fio-dental, o carnaval com todo mundo nu, de uma certa maneira, houve uma abertura, mas acho que isso prejudica a visão do naturismo, pois leva as coisa para o lado da sacanagem. De qualquer maneira abre uma janela para que se tenha uma aceitação melhor da nudez.

 

ON: A fundação do Partido Naturalista Brasileiro foi em 1949. Este fato teve repercussão em todo Brasil ou foi algo mais localizado aqui no Rio de Janeiro ?

 

PP: Era mais localizado, na medida em que não se tinham grandes facilidades de comunicação à distância. Mas havia diversos pequenos núcleos espalhados pelo Brasil de que se tinham notícias. Por exemplo, uma grande sauna finlandesa próximo à Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, bem na estrada. Havia no sul do país e outros núcleos em São Paulo. Essa ânsia de liberdade que o homem tem, de chegar-se à natureza, de tomar banho nu no aberto, no mar, no rio, na floresta, sempre existiu. É o que eu chamo de "O Homem Natural", quando eu me refiro ao índio, sem estar aqui entrando em conceitos antropológicos, que significa o homem ao natural, o homem como está na natureza, equilibrado, exposto, cujo exemplo eloquente disso tudo é o índio.

 

ON: Quando foi que você começou no naturismo ?

 

PP: Eu comecei em 1952, com 14 anos de idade. Dois anos antes de Luz del Fuego fundar a Ilha do Sol. Mas eu não sabia disso. Meu início não foi influenciado por estes acontecimentos porque eu não tinha muitas informações sobre eles.

 

Eu vivia em casarão enorme, com quintal grande, animais, plantas e tinha uma vontade enorme de estar junto à natureza, no quintal em meio das plantas. Vinha de dentro. Não tinha qualquer conotação erótica, isso vem por acréscimo. Eu gostava era daquela liberdade que eu via na natureza.

 

Desde menino, com oito, nove anos, eu lia trabalhos sobre entomologia, criação de formigas, me interessando por esse mundo natural e me voltando muito para o índio. Eu li Hans Staden, com sete para oito anos. Eu gostava daquela história do homem viver solto e livre na mata, sem censura, sem maldade.

 

Era isso que eu via no índio e foi isso que me aproximou do naturismo. Às escondidas eu procurava saber. Ouvia falar sobre as colônias de nudismo, sobre a Ilha do sol, sobre Luz del Fuego, mas sem profundidade.

 

Na época de adolescente, de 14 para 15 anos, meus hormônios começavam a falar mais alto, conversava com um tio que era mais "aberto", irmão de mamãe, Luiz, começou a me arrumar revistas das vedetes da época Elvira Pagã, Luz del Fuego,  Eros Volucia, era uma sensação para um garoto de 14 anos. Mas tinha um outro lado. Eu queria era natureza. Eu queria saber o que era aquilo. A sensação gostosa do índio e foi ele que me levou para isso.

 

Depois então as revistas. Tomei conhecimento que havia um atriz que dançava com cobras e que vivia numa ilha...

 

ON: E como foi que você chegou lá na Ilha do Sol?

 

PP: Aí a história é diferente. Já mais tarde, na época do Daniel de Brito, meu amigo, outro pioneiro da época da Luz, fundou a Fraternidade Naturista Internacional do Brasil, que tinha sedes no Rio e em Brasília. Desde 1960 ia aos congressos internacionais, já oficialmente como naturista. Comecei minha carreira como jornalista, entrei em contato com o editor da revista Freies Leben, em Frankfurt, na Alemanha, revista que era o órgão oficial de divulgação do naturismo, ligada a Federação Internacional. Sabedores de meu interesse pelo naturismo, me convidaram para ser o correspondente da revista aqui. Pediram-me, entre outras coisas, um trabalho sobre a Luz.

 

Foi, então, com uma credencial da Freies Leben que fui à Ilha do Sol. Isso foi em 1965. Ela morreu em 67. Peguei os dois anos antes de sua morte. Tive tempo suficiente para saber que ela era uma criatura fora do comum do mundo. Ela era fora da jurisdição do mundo, como disse Churchill uma vez se referindo a Lawrence da Arábia. E isso incomodava. Culta, com brevê de piloto, com curso de balé, tinha coragem de assumir aquilo em que ela pensava. De uma família ilustre de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo.

 

Eu fui à Ilha do Sol, na primeira vez, para fazer uma reportagem com ela. Isso foi um marco. Eu já fazia nudismo juntamente com o pessoal da Fraternidade Internacional, como Osmar Paranhos, um dos fundadores da Ilha do Sol, na Reserva, no Costa Brava, no Joá, lugar frequentado pela própria Luz antes da ilha.

 

A conheci pessoalmente desta forma. Eu era muito branquinho, louro, representando uma revista alemã, ela passou a me chamar de "alemãozinho": "O, alemãozinho, como é que vai?" E nós ficamos sobretudo amigos. Ela era de uma simpatia à toda prova. Criatura maravilhosa, culta, aberta, não tinha nada de vulgar. O que ela fazia na vida particular dela, não interessa a ninguém.

 

Fiz a reportagem para a Alemanha. Eu mesmo fiz as fotos. Eu não tenho essas fotos, quem as têm é o Edson Medeiros, pois eu as mandei para ele. A reportagem saiu na revista Freies Leben e depois disso voltei à iIlha várias vezes. Na primeira vez fui com minha esposa, Ivete. Eu tinha 27 anos na época.

 

Antes disso eu já fazia naturismo com a família e amigos em praias desertas. Em casa, tínhamos uma banheira enorme onde a família toda tomava banho junta. Não havia censura. A nudez era entendida como uma coisa natural.

 

Na Ilha do Sol, havia uma pequena construção, bem rústica. Luz queria fazer alguma coisa bem maior, um restaurante. Mas ela nunca teve apoio para isso, inclusive se queixava muito a respeito. Ela tinha a visão do naturismo como turismo, que está voltando forte hoje em dia. Mas faltava verba. Fazer o quê ? como ?

 

Nos finais de semana ia muita gente, daqui do Rio de Janeiro e de fora. Muitos artistas. Virou um point. O local era muito conhecido, mas pairava a fama de ser "proibido", o que o tornava muito fechado.

 

Há muitas histórias sobre celebridades. Dizem até que Getúlio (Vargas) era muito amigo dela e teria ido. Ele entrou, mas o segurança dele, o Gregório, não quis entrar porque tinha que tirar a roupa. Ela não dava colher de chá a ninguém. Getúlio tirou e entrou.

 

Eu passei três meses e pouco na presidência da RioNat e tive dificuldade de lidar com pessoas que alegam "ah... eu estou me acostumando..." e acabei desistindo. Eu tenho vocação para tudo, menos para babá de gente grande. Não estou no naturismo para fazer uma briga. Eu não aceito... ou é ou não é...  Acabam dizendo que eu sou radical. Não sou. É a mesma coisa que se fazer um clube de pólo, sem cavalo. Ora, então não é clube de pólo. Quem vai a um local de naturismo e não quer ficar nu, deve ser débil mental. Ou então tem outras intenções...

 

Falam que os adolescentes têm problemas para se adaptarem à nudez... eu tenho seis netos, duas filhas mulheres, nunca tive esse problema. Não sou leigo. Sou biólogo, estudo comportamento, etologia e desconheço isso. O que existe na adolescência é aquele momento do nascer dos pelos, momentos mais delicados. Mas se houver um ambiente sadio, em que a nudez não tenha nenhuma conotação "extra-curricular", não haverá problema, porque não é forçado. É uma verdade, um hábito. O adolescente vai fazer isso sem nenhum problema e sem nenhuma vulgaridade.

 

foto: Marcelo Pacheco

Sérgio de Oliveira, Pedro Ribeiro, Paulo Pereira e Glecy Campos

E aí há aquela história do Fariseu, que chega ao clube naturista, com uma filha, mocinha adolescente, quero  dizer, uma mulher, pois do ponto de vista biológico, menstruou já é mulher, o pai diz a ela: "não tira a roupa, não", então todos nus e a mocinha vestida olhando... "é porque está se acostumando", outros dizem, "não fala, não, senão o fulano vai embora". Pode ir embora ! Chegou um momento que tive que falar "a mocinha vai tirar a roupa ?" "-ah, não", "então leva ela embora, vai para a praia." E ele levou. Aí o Paulo é desagradável por causa disso.

 

Ou é naturismo ou não é. É como a questão de excesso de bebidas, que é uma praga nesse país. Tenho nada contra a pessoa beber, mas o que não pode é fazer de uma reunião naturista pretexto para "encher a cara". Já assisti gente vomitando na grama, gente que vai para a piscina e se masturba, absolutamente bêbada, fora de seu controle.

 

São coisas que não podem ser permitidas. Aí me chamam de radical. Não, eu não sou radical... Eu não vou a clube para isso. As pessoas confundem uma reunião naturista com uma reunião permissiva à beira da piscina. Tem churrasco, todo melado, todo molhado, gordura prá burro, bebida, chopinho, uma suadinha... isso aí nada tem a ver com a mentalidade histórico-filosófica do naturismo.

 

ON: Paulo, voltando então ao período que você conheceu a Ilha do Sol. Como era ?

 

PP: A Ilha do Sol, a Tapuama de Dentro, é semi-árida, a vegetação é pequena. Para se chegar lá, era necessário primeiro ir à ilha de Paquetá de barco, e lá se pegava um outro barco. Ela sabia que eu ia, e geralmente mandava o Edgar, que morreu com ela, me buscar ou então eu contratava um barqueiro. Chegava lá, eu dizia: "o, Luz, olha os cachorros, você veja lá...", ela respondia: "não, que nada, tira a roupa... o alemãozinho pode entrar". Eu entrava e realmente os cachorros não faziam nada...

 

Luz cozinhava maravilhosamente. Ela fazia alimentos inesquecíveis. Do que participei foi assim. Peguei muito estrangeiro, pessoal que vinha de fora do Brasil, turistas nacionais, o Osmar Paranhos frequentava, conheci jornalistas do mundo todo. Conheci um da Imprensa Nacional, Terson Santos, que deve ter falecido, saudoso, figura extraordinária, não tinha uma das pernas, que perdeu por causa de diabetes. Também era cego de uma das vistas. Fazia um naturismo inenarrável. Foi comigo a praias desertas, se apoiava em mim para entrar no mar, para furar ondas. Grande amigo de Luz.

 

Terson frequentava muito a Ilha do Sol e participou dos grandes encontros, no auge, de que não participei porque era muito jovem.

 

ON: Na época em que você começou a frequentar a Ilha do Sol, já havia tido o Golpe Militar de 1964. Foi época de censura. Isso prejudicou o movimento naturista ?

 

PP: Prejudicou muito em vários aspectos. Principalmente na ligação com o estrangeiro. Tive dificuldades imensas com meu editor, da Freies Leben, porque eles viam o Brasil como um país dominado por um regime autoritário, de exceção, e o naturismo ficava numa situação difícil, pois ele ainda era iniciante. E nós atravessamos isso tudo. O Daniel, na Fraternidade, e eu, em 1969, juntamente com um amigo advogado de Porto Alegre, Tácito Antonio Heit, não sei ainda se está vivo, éramos os dirigentes dessa associação de caráter nacional, a federação da época. Chamava-se Fraternidade Naturista Internacional do Brasil. O nome eu achava meio esquisito, pois dava idéia de que era uma organização internacional que tivesse sede no Brasil. Eu sempre combati isso.

 

Mas o Daniel tinha uma outra visão. Era um homem afável, de uma outra época,  mais velho do que eu, criatura muito inteligente e dedicada, professor de inglês, grande rádio-amador, mas muito formal, meio sisudo. O sonho dele era que o Naturismo no Brasil e no mundo fosse uma grande fraternidade, uma grande união. Mas eu dizia para ele que esse nome aqui no Brasil cria dificuldades. Foi difícil, mas eu consegui, eu conto isso no livro de forma resumida, mudar o nome para ANB, Associação Naturista Brasileira. Foi registrado na Federação internacional. A INF, que já existia, emitiu um boletim de abril de 1969, declarando que nós estávamos mudando o nome, com estatutos feitos pelo Heit e pelo Daniel em 1968. Este documento será reproduzido na próxima edição do livro Corpos Nus. Isto é um  ano depois da morte de Luz del Fuego.

 

O que comprova que o naturismo no Brasil não morreu com Luz del Fuego, brutalmente assassinada juntamente com o barqueiro Edgar, em 1967. A Ilha do Sol, sim, acabou com sua morte. A ilha existiu entre 1952 e 1967, mas quem ia cuidar de lá ? A Ilha era uma área de Marinha, uma concessão para ela. Ela tinha obtido com o prestígio que tinha junto com o pessoal de Getúlio Vargas.

 

Voltando a ANB, ela ficou em atividade até 1979, quando o Heit teve um problema de ordem particular, de fórum íntimo, que proporcionou a ele uma mudança de leitura do naturismo, equivocada e rompeu com o movimento. Ele tinha um acervo maravilhoso e acabou distribuindo-o para pessoas que nada tinham a ver, espalhando e pulverizando. O Daniel faleceu em 1977 e o Paulo aqui ficou sozinho. Nós tínhamos uma direção colegiada e nós três nos revezávamos na presidência. Ela era dividida em diretórios espalhados pelo Brasil, em locais em que haviam núcleos. E como não gosto de nada pessoal, nem exclusivista, nem gosto de ser dono da verdade, nem quero ser chefe de nada, fiz uma reunião com os principais dos diretórios e propus deixar em aberto, esperar um pouco e ver se a gente pode reformular isso em outras bases.

 

Em 1984, havia nas praias do Rio de Janeiro, sobretudo na Reserva da Barra, um grupo enorme que usava o minimum, muito comum na Barra, até eu mesmo cheguei a usar, era um pedaço de pano que cobria apenas o sexo. Usávamos muito antes do que fez o Gabeira na praia de Ipanema. Parecia até uma uniformização. Nós juntávamos os casais, e combinávamos de irmos todos com o caché sex igual. Era uma sensação. As pessoas olhavam e não entendiam nada. Top-less, sem conotação nenhuma, sem alarde, sem imprensa. Foi fantástico. Participaram o Raul de Mello, o Celso Cunha, oficial do exército.

 

Aí vem a famosa reportagem do Tarles Batista, mesmo indiretamente, é um dos pioneiros desta terceira etapa. Para mim , a primeira etapa é a que nasce em 1949 com Luz e vai até 1967 com sua morte, embora o naturismo no Brasil e no Rio de Janeiro não fosse praticado somente com a Luz del Fuego. Note-se isso. Daí, a morte dela ter sido uma perda muito grande, não houve nenhuma paralisação. Já existia o naturismo em outros lugares, como Curitiba, São Paulo, Ubatuba, e Rio de Janeiro comigo.

 

É bom ficar registrado que em 1972, o Daniel na presidência chama o alemão Hans Frillmann, que vivia no Brasil,  para irem ao Congresso Internacional de Naturismo na Iugoslávia, em Koversada, tendo a ANB participado oficialmente.

 

Voltando ao minimum no Rio de Janeiro e a reportagem do Tarles. Ele pega umas prostitutas, leva-as para a praia do Pinho, na época uma praia deserta, com eventual prática do nudismo e "forja" uma atividade naturista. Fotografa, filma, dá alarde, sai na Manchete com o título "A onda do Nu", falando sobre uma praia nudista no Brasil, com várias matérias e com "apelidos" diferentes: o "boom do Nu", muito interessante , mas com pouco conteúdo.

 

Então, o que ocorre. Nosso amigo Celso Rossi estava de férias em Santa Catarina, segundo relata em seu livro, ouviu falar e resolve conferir. No início ficou com reservas, mas depois gosta e se entusiasma. Foi bom que houvesse isso. Nós estávamos esperando que isso ocorresse. Repare que eu tinha feito um "stand by" de 1979 para 80. Aí vem aquela coisa. O Celso, com seu espírito dinâmico e realizador, pega  um livro de Atas, coloca na perna, cita o Hans Frillmann, este mesmo que nos representou em 1972, e funda o que ele chamou de Federação Naturista Brasileira. Os Amigos da Praia do Pinho surgiu dessa forma e aí a federação. O que eu acho ótimo. O único senão a isso tudo, a leitura que eu faço, é que houve um pouco de precipitação, embora vitoriosa. As pessoas deveriam ter sido procuradas e a própria ANB deveria ter sido ressuscitada, com nosso apoio e com todo mundo junto. Não foi o que ocorreu.

 

Então para o leitor comum, para o homem da rua, era uma coisa que estava surgindo naquele momento. O que era uma grande heresia para o Naturismo do ponto de vista histórico e factual. Não que isso diminua o trabalho de Celso Rossi, de forma alguma. Mas é preciso que as coisas estejam balizadas. Ditas como elas são.

 

Marx já dizia que "os homens escrevem a história, mas não escrevem o que querem". A História é a história, não depende de nossas idiossincrasias nem de nossos caprichos. Esta que é a questão.

 

ON: E como entra o Sérgio de Oliveira nessa história ?

 

PP: O Sérgio entra como amigo do Celso...

 

Sérgio de Oliveira: Eu conheci o Celso na Praia do Pinho, por intermédio de um cunhado que mora em Itajaí. Ele me convidou para ir à praia e nós fomos. Chegando lá, foi em 1987, vi o movimento tranquilo, os casais passeando, uma praia comum, só que as pessoas estavam sem roupas. Então, fiquei sem graça de entrar diante do senhor que estava atendendo lá, de quem não recordo o nome, porque fiquei com vergonha de ficar nu em frente de meu cunhado.

 

No dia seguinte, peguei o carro sozinho e fui para a praia. Tirei a roupa e fui entrando. E esse cidadão que tomava conta veio dizendo:  "o senhor veio entrando assim, já tirou a roupa mas não é naturista", "Mas como o senhor sabe ?" "Com essa bunda branca que o senhor tem..."

 

Aí, passei a frequentar sempre, fiz amizade com Celso Rossi e ele sugeriu criar uma praia e uma associação no Rio de Janeiro. Ele me deu os nomes de alguns moradores do Rio, cinco ou seis, com os quais entrei em contato e fundei a RIO-Nat, cujos encontros, inicialmente, ocorriam no play-ground fechado de um condomínio.

 

Eu levei sete anos administrando a RIO-Nat. Uma trabalheira incrível... Inauguramos a praia Brava de Cabo Frio e a praia Olho de Boi em Búzios. O prefeito de Cabo Frio fez o decreto autorizando a prática nas duas praias (Na época Búzios era distrito de Cabo Frio).

 

ON: Sem dúvida, Celso Rossi foi o pioneiro dessa terceira fase, lá em Santa Catarina. Mas acho que quando as coisas acontecem no Rio de Janeiro, acabam dando um impulso muito maior, deslancham. Embora a praia do Pinho seja famosíssima no Brasil inteiro, o Naturismo ficou meio parado no resto do país, até  surgimento das praias do Estado do Rio, dando impulso para criação de outras áreas no Brasil. Isso se deve à concentração das sedes dos meios de comunicação em nosso estado e o fascínio que o Rio desperta...

 

PP: E há um detalhe nisso muito interessante, que é quando o Sérgio surgiu, com a RIO-Nat, com entusiasmo que ele tem, um engenheiro que faz pontes principalmente entre as pessoas, se tornou um grande relações públicas e foi muito bom. O difícil de realizar coisas no Brasil é porque o brasileiro não tem muito a mentalidade associativa, uma dificuldade muito grande, é muito individualista. E o Sérgio tem aquela preocupação de procurar as pessoas e de uni-las. É uma pessoa cordata, tolerante mas de briga.

 

Eu conheci o Sérgio através de um amigo. Eu morava em Jacarepaguá nessa época. Ele me telefonou e disse que eu precisava conhecer o "coronel boa praça" que estava fazendo reuniões com pessoas que gostavam de ficar nuas. Procurei o Sérgio e marcamos um dia lá na Reserva, um domingo de Sol. Ele chegou com a Rose. Eu não o conhecia pessoalmente, mas não tive dificuldades de perceber que era ele assim que chegou, porque na entrada da praia ficou ali observando e procurando.

 

Assim nasceu uma convivência que eu acho sensacional. Costumo dizer que somos dois comandantes que, embora algumas vezes divergem em algumas questões táticas, na estratégia geral estão sempre de acordo e se contemplam. Hoje há uma amizade muito grande.

 

Eu acompanhei de perto a luta do Sérgio, fui o segundo vice-presidente dele e o primeiro (da RIO-Nat) por três meses. Não tive a paciência, por questão de temperamento talvez, de agüentar o que ele agüentou. Então acompanhei toda essa nova fase. Mas ele teve algumas vantagens em relação a mim. Ele pegou o Brasil aberto, democratizado, as televisões na rua querendo fazer cobertura, um certo "oba-oba", mas importante. Eu, Daniel, Luz, não tivemos nada disso.

 

Na nova edição do livro eu passei de quatro para onze depoimentos, para trazer novos enfoques, novas idéias, deixar um espaço aberto e não ficar restrito a minha visão pessoal. É muito importante somar.

 


Paulo Pereira é um homem, que pode-se dizer, dos mil instrumentos. Além de pesquisador é escritor de crônicas do dia a dia, de romances e de muito mais. Ele nos presenteou com um exemplar de sua autoria. Clique aqui e se deleite.


 

*Pedro Ribeiro é editor do jornal OLHO NU

pedroribeiro@jornalolhonu.com

 

Contatos com Paulo Pereira pelo e-mail:

indiangy99@yahoo.co.uk

Jornal Olho nu - edição N°64 - janeiro de 2006 - Ano VI


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