A Marcha
NUpcial
por Pedro Ribeiro*
fotografias de Íris de
Oliveira**
O dia 29 de janeiro vai
ficar na história do naturismo brasileiro. Há controvérsias se o
casamento de Giselle e Daniel tenha sido o primeiro casamento naturista
no Brasil, mas, ao menos, foi o primeiro a ser registrado oficialmente.
Mais de setenta convidados estiveram presentes à cerimônia esotérica,
realizada na estância naturista Mirante do Paraíso, localizada na
pequena cidade de Igaratá, a cerca de 100 km do centro de São Paulo, às
margens da represa Jaguari.
Daniel, 48 e Giselle, 31,
se conheceram no naturismo, durante as comemorações do aniversário deste
sítio onde realizaram a cerimônia. Decidiram dar aos amigos e familiares
a chance de conhecer o seu jeito de viver, mostrando que é uma coisa
bonita e saudável.
O pai de Giselle e a mãe
de Daniel não são naturistas e tiveram o primeiro contato com esse
estilo de vida com o casamento dos filhos. O pai de Giselle entrou de
braços dados com a noiva, da mesma forma que acontece nas cerimônias
tradicionais. O diferencial estava nas roupas, ou na falta delas. Os
únicos acessórios eram a grinalda, o véu estlizado e o buquê, que não
poderiam faltar. Giselle achou surpreendente a atitude de seu pai, que
se comportou como naturista de longa data, totalmente tranquilo, à
vontade e visivelmente feliz e emocionado.
A mãe de Giselle não foi à
cerimônia. "Por uma questão de recato" revela. Ela foi até pressionada
pelos amigos e parentes que questionavam o fato de ela não comparecer ao
casamento da filha. Mas Giselle achou melhor ela não ter ido, porque não
gostaria que ela fosse obrigada a fazer alguma coisa a qual não estaria
nem um pouco à vontade. "É necessário entender as limitações dos outros",
pondera.
Na verdade a liberdade de
escolha de ir ou não ficou bem claro na distribuição dos convites. Todos
eram esclarecidos de como seria a cerimônia, sobre o local e o traje
obrigatório dos convidados: nudez total até apenas, no máximo, o uso de uma canga. Quem
achava que não se sentiria bem, teve suas razões compreendidas. Foram
distribuídos 130 convites. E a confirmação foi na proporção de 1 para 1.
Os parentes de Daniel, que
são uruguaios como ele, sempre souberam de sua preferência em frequentar
áreas naturistas e nunca tiveram qualquer problema quanto a isso.
Porém, jamais haviam pisado em um território naturista. "Quando chegou o
convite para eles, ficaram felizes como toda família fica nos casamentos,
e foi surpresa para mim terem vindo do Uruguai minha mãe e meu irmão.
Também minha irmã, que mora no Brasil e meu cunhado compareceram e
praticaram o naturismo pela primeira vez. Meu pai, como a mãe dela, não
veio", declara Daniel.
Também outros convidados
não naturistas marcaram presença pela integração natural com nosso meio.
Antes, durante e depois da cerimônia e festa estavam inteiramente à
vontade, participando dos bate-papos, dos banhos de piscina, estimulados
pelo calor do verão, e da grande e famosa sauna do local.
Sempre foi sonho do casal
juntar o naturismo e a bio-dança, atividade praticada por eles. A
cerimônia foi a realização. De vez em quando um pequeno grupo era
convidado para conhecer o naturismo, os que aceitavam, gostavam e
ajudavam a estimular outros para também realizarem visitas. Quando
finalmente aconteceu a cerimônia, eles já estavam integrados.
Aliás foram os amigos da bio-dança que a organizaram. As "colaboradoras"
cuidaram integralmente de tudo, a única coisa em que o casal deu opinião
foi sobre as músicas que seriam executadas. "O resultado foi uma
surpresa", confessam.
Foi justamente a cerimônia
que fez o diferencial deste casamento naturista. Nos outros que se
tiveram notícias, realizados em várias partes do mundo, eles repetiam os
rituais de um casamento convencional, geralmente católico ou protestante.
Este foi totalmente diferente. Havia uma sacerdotisa que celebrou o
enlace, com o auxílio de três mulheres. Cada uma das quatro simbolizava
um elemento da natureza: o fogo, a água, a terra e o ar . No decorrer do
evento, os convidados eram estimulados a se concentrarem em favor dos
noivos, dando-se as mãos em um grande círculo ao redor deles. No final a
música tomou conta do ambiente, tendo todos ido dançar numa grande
confraternização.
A bio-dança é um capítulo
à parte. Giselle explica: "Ela busca a integração do ser humano. É
bastante positivo porque reconhece o emocional, o intelectual e o
estrutural, todas as questões com que um ser humano tem que lidar. Como
naturista aprendemos a respeitar o corpo e as sensações corporais mexem
no emocional e nos ajudam entender coisas. A bio-dança é um sistema que
organiza esse movimento de integração do ser humano. Acho que um pouco
mais da vivência da nudez concreta para quem faz a bio-dança é positivo,
e muitas questões que já estão estruturadas na bio-dança é muito
saudável para quem já pratica o naturismo. Integrar essas duas coisas é
trabalho de muita conversa e de relacionamento para encontrar os pontos
comuns. São grupos que lidam com tabus. A bio-dança lida com o tabu do
toque, do abraço, do aperto de mão, do beijo, do contato visual e o
naturismo lida com o tabu da nudez. Combinar esse dois sistemas tem que
ser feito com muita sutileza e delicadeza.
"O trabalho da bio-dança é
muito afetivo" continua Giselle. "Nessas pessoas que estavam aí hoje,
ficou muito evidente como elas são afetivas, abertas, amigas."
As mulheres que celebraram
o matrimônio são todas pertencentes à Escola Paulista de Bio-Danza. A
facilitadora Maria Luiza, com apelido de Marlize, foi quem conduziu a
cerimônia e também representou o fogo. Quem trouxe a terra era Vera
Lúcia, conhecida como Valua. A que simbolizou o vento foi a Ângela,
Passadore e a água foi simbolizada pela Débora. Houve todo um
envolvimento do grupo no trabalho que seria realizado, despertando
preocupações tais como atenuar a marca do biquíni muito forte, já que
iriam participar de uma festa naturista.
Havia preocupação com que
as pessoas se sentissem à vontade, tanto que se poderia cobrir a nudez
com uma canga, mas Daniel tinha certeza de que "a nudez seria a tônica
dominante", porque a maioria dos convidados era naturista e porque o
ambiente naturista favorece o respeito. Ele acredita que o naturismo
ganhou vários novos adeptos. O fato é que durante todo o dia foi
impossível saber quem era naturista de longa data e quem era de "primeira
viagem", dado o comportamento natural de todos os presentes.
Daniel conta que foram
firmes no propósito de não deixar ninguém usar roupas, mesmo aqueles
amigos que se diziam com sentimento de pudor. Caso contrário poderia
descaracterizar o estilo que gostariam de passar aos amigos e
familiares. A canga era a vestimenta ideal para manter o mesmo ambiente.
Foram distribuídas cangas a todos os presentes, naturistas e não
naturistas. Então aqueles que se cobririam não destoariam do grupo. "Isso
foi o que criou o clima para todo mundo ficar à vontade, não haver o
grupo dos nus e dos vestidos" conclui.
Mas Giselle completa que o
objetivo, naquele momento, não era "evangelizar" ninguém no naturismo.
Então os detalhes foram estudados cuidadosamente, na tentativa de
driblar possíveis impecilhos e alegações para que as pessoas não
comparecessem. Até mesmo alguns aspectos comuns da bio-dança também
foram evitados para impedir constrangimentos. Tudo foi resolvido com os
três signos: respeito, consideração e naturalidade.
"Uma coisa que acho que
vai ser transcedente deste evento para nós" explica Daniel, "é que a
participação hoje de pais, irmãos, tia, familiares, ainda que sejam
pessoas que não continuem, agora elas estão mais próximas a nós, porque
vieram ao nosso meio, ao nosso grupo. Elas participaram. Não é mais uma
coisa distante, de que ouviu falar e sabia que nós éramos integrantes.
Isso faz uma mudança importante para nós."
A cerimônia civil foi
realizada no dia anterior em um cartório da cidade de Igaratá, sede do
sítio naturista. E foi feito da convencional forma vestida.
Como em um casamento
tradicional, a noiva atrasou para entrar no altar da cerimônia. Por
causa disso acabou "rolando" uma piadinha entre os convidados: "ficou
comprovado que não é o vestido de noiva que a faz atrasar". Mas Giselle
não quis revelar o mistério. E Daniel confessou que ficou nervoso
durante a espera, como qualquer noivo vestido.
*Editor do jornal
OLHONU
pedroribeiro@jornalolhonu.com
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