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Jornal Olho nu - edição N°94 - setembro de 2008 - Ano IX |
O SHOWBIZZ E A NUDEZ INFANTIL
“É importante observar as circunstâncias que envolvem as imagens. Nas edições nº 92 e 93 do Jornal Olho Nu foram apresentadas as duas outras matérias referentes a este polêmico assunto, tendo como ponto de partida uma foto de Miley Cyrus (Protagonista do seriado “Hannah Montana”, da Disney) clicada por Annie Leibovitz para a revista Vanity Fair. Esta é a última parte de uma história que já mostrou a nudez de crianças e adolescentes em alguns segmentos da arte, como a música, o cinema e a própria fotografia. Acusada de promover a pornografia infantil, a consagrada fotógrafa Annie Leibovitz teve que fazer um pedido de desculpas público, e por muito pouco os exemplares da Vanity Fair não foram recolhidos. Se apenas as costas de Miley apareciam desnudas, isso pode realmente ser considerada uma exploração sexual de sua imagem? Primeiramente vamos dar uma pausa no planeta, e “pedir para descer”. Uma vez fora do “ônibus”, talvez possamos ver coisas que não aparecem tão facilmente quando se está “dentro da multidão”. Se até meados do século XXI, estudiosos diversos dividiam a história contemporânea em antes e após a Segunda Guerra Mundial, atualmente este divisor de águas é o dia 11 de setembro de 2001, data em que as torres do World Trade Center, na cidade de Nova York, Estados Unidos, protagonizaram o maior atentado terrorista de todos os tempos, definindo uma nova relação deste país com a ordem global, em parte dominada por ele mesmo (BARBOSA, 2002). A partir de então, apesar de não termos plena noção disso, o mundo tem atravessado uma horrível fase de protecionismo exacerbado, calcado em valores supostamente morais e éticos que visam a evitar um grande mal.
Veiga-Neto (2002) salienta que a importância deste acontecimento está relacionada a novos paradigmas espaciais de um mundo globalizado, no qual as distâncias se tornam tão irrisórias que as fronteiras entre “eu” e “outro” praticamente inexistem. Nas palavras do autor, “não que agora tudo se esteja homogeneizado, mas, sim, que mesmo que o ‘diferente’ esteja pra lá dos limites da fronteira, ele pode estar do meu lado ainda – e, mais do que nunca, ameaçando-me” (Grifo meu). Nota-se que, se por um lado, reduzem-se as fronteiras geográficas, por outro, aumentam as interpessoais. Manifestações de preconceito tornam-se práticas cotidianas, justificadas por ações de purificação social. Para Mary Douglas (1991), as coisas vistas como ameaçadoras, ou seja, impuras, sujas, produtoras de repulsa e de medo, são aquelas que, com freqüência, não se enquadram no nosso sistema de classificação e, portanto, de ordenação do mundo, segundo nossa cultura – ou o que está na margem desse sistema. Paralelamente a isso, a Internet expande-se para muitos lares, possibilitando um fluxo de troca informacional nunca visto antes. Se por um lado, os avanços tecnológicos se aceleram pela velocidade com que os conhecimentos são transmitidos, por outro, atividades de cunho ilegal seguem o mesmo caminho, como a pedofilia. Landini (2002) cita Binard & Clouard (1997) para definir a pedofilia grega como o amor homossexual e pedagógico de um adulto homem maduro por um menino impúbere. Ela continua, dizendo que “hoje, de acordo com os autores citados acima, a pedofilia seria caracterizada pelo desejo sexual de um adulto em relação às crianças”, e põe em questão quais tipos de desejo seriam estes e como eles se manifestariam. Sobre este assunto Cappellari (2005) conclui que, o antes retido a quatro paredes, bem como a um restrito universo de praticantes, atravessa o atalho da mídia, e chega as massas, que numa busca sem limites pelo prazer, dribla preceitos morais e legais. Assim, a pornografia infantil teve sua expansão alimentada por anônimos pedófilos que, no conforto de suas casas, movimentam não apenas dinheiro, mas também toda sorte de práticas sexuais perversas em muitas culturas, registradas em fotos e vídeos trocados por meio da grande rede virtual de computadores. Neste contexto de livre circulação de informações e onde o “outro” que assusta encontra-se tão perto do “eu”, que muitas pessoas se vêem mergulhadas em precauções, por vezes desnecessárias, que geram o episódio da Vanity Fair. Evidentemente, não pretendo aqui simplesmente deixar os que se manifestaram contra a foto de Miley adquirirem ares retrógrados e paranóicos, mas pode-se buscar entender algumas preocupações acerca deste fato, e a partir de então, retroceder aos exemplos mencionados nas outras duas partes que compõem esta reflexão. Annie Leibovitz assinou a polêmica foto. Seu trabalho como fotógrafa é respeitadíssimo, e, atualmente, indissociável da revista Vanity Fair, publicação norte-americana especializada em variedades do mundo artístico. O nome do periódico, aliás, se traduzido para o bom português, significa “feira de vaidades”. Nas capas e páginas da revista, celebridades dos mais diversos âmbitos estampam não apenas os seus rostos e corpos, mas uma fusão daquilo que são com os toques artísticos das produções editoriais. Retratos de nus não são raridades, e alguns, antológicos, como Demi Moore e sua gravidez em 1991. Ao contexto da revista, soma-se a própria carreira de Miley Cyrus, alavancada por um seriado da Disney do qual é protagonista. Na pele de Hannah Montana, a atriz e cantora de apenas 15 anos vive uma popstar que se divide entre uma garota comum de sua idade e o estrelato, o qual mantém em segredo da maioria das pessoas por meio de um disfarce: enquanto é Miley (Seu nome verdadeiro é o mesmo de sua personagem na série) seus cabelos são pretos. Quando sobe no palco para cantar, entra em cena a loiríssima Hannah Montana. A história é um sucesso de audiência, vendas e público, mas a fórmula não é nova. Desde o fim da década de 1990 que os estúdios de Walt Disney investem nesta fusão entre personagens e atores, de maneira que os fãs não sabem onde acaba um e começa o outro. Assim aconteceu com Hillary Duff e Justin Timberlake. Manter a imagem de Miley Cyrus sempre associada ao “melhor” para todos os gostos, é segurar todos os investimentos feitos em cima de seu nome. Infelizmente, mais do que uma menina talentosa e carismática, Miley é um produto muito caro e que ainda pode render bastante, se não cometer nenhum deslize que lembre outros ídolos adolescentes, como Britney Spears, e até a estrela do blues- rock Amy Whinehouse.
A nudez ainda é um tabu para uma grande população. Suas representações
evocam as idéias de caráter sexual pervertido difundidas pela mídia, as
quais disputam espaço com outras representações menos nocivas à
corporalidade. O que ocorre é uma disputa entre as representações. Nela, de acordo com o jogo de interesses, uma determinada representação ganha evidência, produzindo esquemas estereotipados, resultado de processos de simplificação próprios ao pensamento do senso comum (JODELET, 1999).
Espera-se então que as representações veiculadas na mídia adquiram maior
visibilidade e passem a ser objeto de reapropriação dos sujeitos.
Moscovici (2003, p. 35) diz que uma característica das representações
sociais é a sua capacidade de convencionalizar os objetos, pessoas ou
acontecimentos que encontram. Logo, pode ser que a imagem das costas nuas de Miley Cyrus tenha produzido uma situação inusitada que, para ser compreendida, buscou um terreno conhecido para ser incorporada: sua imagem foi invocada e ancorada aos sistemas representacionais ligados à pornografia infantil pela mídia. Aplicando-se o raciocínio acima descrito às capas de disco, filmes e fotografias já vistos nas outras edições do Olho Nu, fazendo-se as devidas considerações relativas aos anos de suas produções e conseqüentemente ao meio em que foram difundidos, pode ser que se entenda por que algumas obras conseguiram se manter no campo da arte enquanto outras foram condenadas como atitudes agressivas e jogadas ao esquecimento. Em três edições e muitas linhas escritas, chego a este final com uma conclusão muito conhecida no meio naturista, e que acaba por remeter à epigrafe deste texto: Muitas vezes a maldade está somente na cabeça das pessoas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Rubens A. Os Estados Unidos pós 11 de setembro de 2001: implicações para a ordem mundial e para o Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional, janeiro-junho, volume 45, número 001, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Brasília, Brasil. 2002. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/358/35845103.pdf CAPPELLARI, Márcia S. A pedofilia na pós-modernidade: um problema que ultrapassa a cibercultura. Em Questão, Porto Alegre, v. 11, n.1, p. 67-82, jan/jun, 2005. Disponível em http://www.seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/viewArticle/112 JODELET, D. (1984). Representation Sociale: phénomènes, concept et theorie. In: MOSCOVICI, S. Psychologie Sociale. Paris: Presses Universitares de France. Traduzido por Marcelo Saldanha da Gama (1998). Rio de Janeiro. ______. Os processos psicossociais da exclusão. In: SAWAIA, B. As Artimanhas da Exclusão. Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1999. LANDINI, Tatiana S. Pedófilo, quem és? A pedofilia na mídia impressa. Cadernos de Saúde Pública, 19 (Sup. 2) Rio de Janeiro, 2003. Disponível em http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2003000800009 MOSCOVICI, S. Representações Sociais. Investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. VEIGA-NETO, A. De geometrias, círculos e diferenças. Educação & Sociedade, ano XXIII, nº 79, Agosto, 2002. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v23n79/10853.pdf
(enviado em 3/09/08 por Fellipe Barroso) |
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