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Jornal Olho nu - edição N°96 - outubro de 2008 - Ano IX

Caso André Herdy

 

Quase um ano depois, os quatros acusados de pedofilia no sul do Brasil continuam presos sem ter qualquer tipo de acusação formal, muito menos julgamento, deixando atônitos todos aqueles que procuram a verdade e a justiça. Ninguém consegue entender porque não estão respondendo o processo em liberdade. Vemos outros casos, de homicídios , com réus confessos serem libertados. É tudo muito estranho.

 

Mas as estranheza continua, pois agora mais uma significativa surpresa ocorreu nestes dias. Leia a matéria assinada por Richard Pedicini.


Autor denunciado por matéria no Olho Nu

(clique sobre as figuras para ver a denúncia apresentada escaneadas)

 

por Richard Pedicini

 

Silvio Levy foi denunciado pela "Justiça" de Taquara por dez ocorrências de "grave ameaça", baseado numa matéria que ele escreveu para Jornal Olho Nu, e um email que mandou para os residentes da Colina (publicado na seção de cartas do Olho Nu). O processo correu seis meses sob "sigilo de Justiça", o que quer dizer que Silvio sabia que estava sendo processado, mas não sabia por que. Quem nem em Kafka. Em outubro, sem explicações, o sigilo foi levantado.

 

O processo cita dez "vítimas" e quatro "fatos". Os fatos são, realmente, três. Um é a matéria no Olho Nu "Defenda o André - defenda o naturismo!". O segundo é um email a várias sócios de Colina do Sol, de teor semelhante (a promotora, confundida pelo fuso horário, pensou que eram dois emails mandados em dois horários, quando era somente um). Esse email também foi publicado no Olho Nu sob o título "Carta Aberta aos Sócios da Colina do Sol".

 

O terceiro "fato" é que um residente da Colina alega que foi ameaçado pessoalmente e por telefone pelo Silvio Levy, numa data em que este estava na Califórnia.

 

As matérias escritas

 

O manifesto "Defenda o André - defenda o naturismo!" saiu no número de fevereiro do Olho Nu, e pode ser lido aqui: http://www.jornalolhonu.com/jornais/olhonu_n_087/abre.htm.

 

A carta aberta, enviada algumas semanas depois, está aqui: http://www.jornalolhonu.com/jornais/olhonu_n_088/cartas.html 

 

Das dez pessoas que se diziam "ameaçadas" pela matéria, as nomes de somente três aparecem na carta. Vários dos "ameaçados" nem são citados no email nem eram destinatários.

 

As ameaças graves

 

O que é que a promotora entendeu como "grave ameaça" nesta matéria de Olho Nu? Ela disse que Silvo escreveu "uma carta à comunidade naturista brasileira, a fim de que seus membros tomassem providências acerca do conduta dos componentes da direção do referido clube".

 

Vale conferir as providências pedidos no manifesto:

 

Aqueles que amam o naturismo devem pressionar a FBrN a manifestar seu apoio ao André e garantir sua restauração assim que ele saia da cadeia.

 

Acima de tudo, se você tem algum conhecimento direto da situação, por favor se manifeste. Escreva-me para que eu possa pôr você em contato com a defesa.

 

Na carta, Silvio pede mais:

 

Ao ler este relato, atentem nos detalhes, pensem com calma, e decidam por si mesmos. "Não julgueis segundo a aparência, mas segundo a reta justiça" (João 7:14).

 

Chegou a hora de cada colineiro consultar sua consciência. Ainda há tempo de dissolver este pesadelo sem destruir a Colina. Peço a cada um de vocês: não se deixe vencer pelo medo. A verdade vai prevalecer. Seja um um agente dela. Entre em contato comigo.

 

Estes providências -- de consultar a consciência e falar a verdade - podem parecer inócuas para nós, mas são uma "grave ameaça" para a promotora e para a direção da Colina - da mesma maneira que a água benta é um grave ameaça ao diabo.

 

As alegações de ameaças pessoais

 

Um colineiro, João Ubiritan dos Santos, vulgo "Tuca", alegou que Silvio ameaçou, coagiu, caluniou e difamou ele "por telefone, pessoalmente, e pelo Jornal Olho Nu, tudo isso começando em 11 de fevereiro de 2008, na Colina do Sol.

 

Consultado, Silvio escreve:

 

"A única vez na vida que telefonei para o Tuca foi dia 11/3/2007, nove meses antes da prisão dos quatro. A única vez depois da prisão que estive na presença do Tuca foi quando visitei a Barbara em janeiro de 2008 -- enquanto eu estava conversando na Central [da Colina do Sol] ele se postou na porta, e eu disse apenas as palavras "Boa tarde". Na data alegada, 11/2/2008, eu estava nos EUA."

 

Porque será que entre todas as pessoas da Colina do Sol, somente ele seria alvo de ameaças em pessoa e por telefone? Isso o Tuca não explicou. Nem como Silvio o ameaçou pessoalmente enquanto estava em outro hemisfério.

 

Conforme Rádio Taquara em 28/05/2008,

 

"Cumprindo mandado expedido pela Justiça, uma equipe de investigadores da delegacia dirigiu-se ontem à tarde ao centro naturista situado em Morro da Pedra, no interior de Taquara. No local, foram realizadas buscas em três casas. Em duas delas, foram apreendidas armas, entregues espontaneamente pelos moradores João Ubiratan dos Santos, o "Tuca", e Etacir Manske. O primeiro apresentou um revólver calibre 32, em bom estado de conservação. Já Etacir Manske entregou uma espingarda em péssimas condições, sem marca aparente e numeração parcialmente visível. O mecanismo de abertura da arma estava travado, impossibilitando sua alimentação com cartuchos. Nada mais foi apreendido durante as buscas realizadas nos três domicílios apontados pela Justiça."

 

O papel da promotora

 

Para responder aos mistérios acima, é preciso consultar o próprio processo. Um dos boletins de ocorrência (B.O.) explica: "Fato levado ao conhecimento do Ministério Público. Que solicitou registro de ocorrência policial."

 

O delegado, por sua parte, encaminhado o B.O. para a juíza, anotou nele que "Os fatos noticiados e documentos juntados não fornecem indício de ocorrência de crime ou contravenção ..."

 

A denúncia foi feito pela dra. Natália Cagliari, a mesma que fez as denúncias no caso Colina do Sol.

 

Quando as supostas vítimas no caso Colina negaram que foram molestadas, e seus pais se recusaram a representar contra Fritz, Barbara, André e Cleci, a promotora denunciou os pais por "cumplicidade". Um pai foi para a Corregedoria em Porto Alegre -- depois que a promotora em Taquara se recusou de recebê-lo -- e prestou queixa de que seus filhos tinham sido agredidos pela polícia para forçar acusações. A promotora o denunciou por ter "falsamente acusado a polícia".

 

O paralelo está claro -- a dra. Natália considera criminoso quem quer que discorde dela.

 

O despacho da juíza não oferece explicações de porque aceitou desperdiçar verbas públicas com um processo ridículo. Escreveu simplesmente: "Recebo a denúncia. Atuada, voltem."

 

Destino do caso

 

O futuro do caso é duvidoso, especialmente agora que não está mais protegido pelo "sigilo de Justiça", que o escondia do olhar público.

 

Silvio foi acusado sob o artigo 344 da Código Penal. Uma busca na Internet encontra exemplos do que seja uma "ameaça grave", por exemplo: enviar pelo correio uma cápsula de pistola calibre 380.

 

O processo, 070/2.08.0000594-8, pode ser acompanhado aqui: http://tj.rs.gov.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Taquara&versao=&versao_fonetica=2&tipo=1&id_comarca=taquara&num_processo_mask=070%2F2.08.0000594-8&num_processo=20800005948

 

(enviado em 1/11/08)


  A sócia que trabalhava

 

por Richard Pedicini

 

Nedy na festa da padroeira

Uma figura sempre presente na Colina da Sol era Nedy de Fátima Pinheiro Fedrigo. "Nê" morava nas terras antes que a Colina surgisse, e seu filho Luciano morou durante anos na Colina, com os três netos da Nedy. Ela trabalhou para os fundadores da Colina, Celso Rossi e Paula Andreazza, no restaurante, e para Fritz Louderback e Barbara Anner, um total de 12 anos na Colina, até sua morte no dia 14 de setembro deste ano, aos 52 anos.

 

O velório ficou cheio o dia inteiro, e às 17:00 mais de cem vizinhos estavam presentes, quando ela foi sepultada num túmulo simples da pedra nativa de Morro da Pedra, cercado pelos morros verdes da serra gaúcha.

 

Sócia sem desfrutar

 

Apesar da sua longa associação com a Colina, Nedy não era naturista. Ela diz que era por falta de tempo. "Eu nunca tirei, sou sócia mensalista, mas minha vida é só trabalhar, nunca tinha tempo de participar."

 

Até antes da morte do seu marido Gentil, em janeiro de 2004, ela era o sustento da família, por que ele estava doente de longa data. "Só de banheiro limpava oito por dia. Queria que meus filhos nunca tivessem queixa de mim", ela explicou.

 

Mas seus filhos e netos desfrutaram do clube e do naturismo. "Desde pequenos Cristiano e Roberto nunca tinham problema em tirar a roupa. Na praia, esportes, quadro de vôlei, futebol, nunca tinha problema."

 

Presente antes do começo

 

O histórico da Nedy com a Colina do Sol começou quando apareceu serviço num chácara, onde depois surgiu a Colina do Sol. Quando os donos venderam as terras para Celso Rossi, ela foi morar em Morro da Pedra.

 

Em 1996 ela começou a trabalhar na casa de Paula Andreazza e Celso Rossi, vindo de Morro da Pedra às seis da manhã e voltando às seis da noite. "Fiz todo trabalho da casa. Comecei cuidando da Valentina, filha da Paula, quando tinha três anos, e parei quando tinha onze – foram oito anos de trabalho com Celso e Paula."

 

Em 1998, trabalhou também na restaurante Tutto Bene na Colina, que também era da Paula. "Ficava até 11:00 com Paula, das 11:00 às 2:00 no restaurante, e das 2:00 em diante de volta na casa de Paula."

 

Nedy demonstrou uma certa saudade do tempo em que Rossi e sua esposa tinham poder total dentro da Colina. "Paula era exigente, brava, mas conseguiu domar aquela aí – mas não permitia briga aí dentro. As regras valiam para todos, não só para os outros."

 

Preconceito econômico

 

Nedy sentiu preconceito dos outros sócios. "Eu ando com meu saquinho e meu chinelo de dedo porque não tenho tempo para desfrutar," ela diz "Nunca briguei, nunca discuti, nunca fiz nada que prejudicasse o clube. Mas nunca me aceitaram como sócia. Aceitavam meu pagamento todo mês, mas não me aceitam."

 

Ela não tinha vergonha de trabalhar, explicando que, "Colina é para ser 'uma empresa de marca'. Tem os que acham que morar dentro é uma grandeza, por causa da marca. Mas também precisam trabalhar. Vão sobreviver do ar, do lago?"

 

História particular

 

Nedy só fez até a quinta série, em Palmeira das Missões, de onde ela veio já grávida de Cristiano, para Figueira, e se fixou no Morro da Pedra quando Cristiano tinha um ano de idade. Seu marido Gentil trabalhou nas pedreiras da região, mas já estava doente quando saíram do sítio que foi vendido para ser a Colina.

 

Ela conseguiu sua casa própria em Colina comprando primeiro o terreno de 600 m2, pagando em prestações mensais. A madeira foi comprada da mesma maneira, e a casa foi levantado com um mutirão dos vizinhos num fim de semana em 1997. "Primeiro paguei as prestações de casa na madeireira, depois paguei o terreno. Os dois juntos não dava."

 

Nedy cozinhando

Fritz e Barbara

 

Ela conheceu Fritz Louderback e Barbara Anner quando comiam no restaurante da Colina, onde ela trabalhava. Fritz estava precisando um jovem para limpar o jardim, partir lenha com machado, lavar a caminhonete, e outras trabalhos ocasionais. "Eu fui levar um suco, e Celso disse, 'E ai Nê, seu filho quer trabalhar para Fritz?'"

 

O casal foi para os EUA pouco depois, porque Bárbara não estava bem de saúde, e queria alguém para cuidar dos gatos, ela explicou. "Comecei trabalhando para os gatos de Fritz, não para o Fritz."

 

Na volta, gostaram do trabalho, e ela começou a trabalhar na sua casa no 1º de janeiro de 2004. Pouco depois, Gentil, o marido de Nedy, sofreu um derrame em casa.

 

Luciano estava sozinho no corredor, chorando. Correu para a casa do Fritz para usar o telefone, e ele a levou para Porto Alegre, onde Gentil tinha sido levado, dado a gravidade. "Fritz ficou conosco até a noite em Porto Alegre. Gentil morreu em seis dias, e Fritz nos apoiou em tudo."

 

As prisões

 

Em 11 de dezembro de 2007, Nedy foi acordada com uma telefonema com uma notícia assustadora, de que Fritz e Barbara tinham sido presos. "Aí, eu subi e a mulher na portaria ficou surpresa: 'Você está indo lá?' Mas eu fui. O hóspede Alastair estava lá, estavam revirando tudo na casa, não dava para andar com tanta coisa no chão."

 

"E os gatos do Fritz? eu pensei. E fui ficar lá na casa deles." Quando Barbara ficou em prisão domiciliar em janeiro, Nedy continuou com ela.

 

Desprezo pelas acusações e os acusadores

 

Nedy, que trabalhava na casa de Fritz, tinha certeza que as acusações eram falsas. Por que foram feitos, então? "Todas estas pessoas da Colina [que fizeram acusações] tinham sido ajudadas por Fritz," ela disse. Quase todas deviam dinheiro para ele. E o primeiro acusador tinha um motivo mais doloso: sua esposa tinha fugido com o filho adotivo do Fritz.

 

Na festa da padroeira da igreja local, Nedy desprezou os acusadores com uma frase memorável: "Foi uma corja, indo atrás de um corno."

 

Vivendo em estado de sítio

 

Entrevistada na sua casa – aquela comprada em prestações – Nedy se mostrou descontente com seu exílio, de não poder cuidar da sua casa da maneira que ela gostaria. Não somente com isso, mas com a hostilidade constante dentro da Colina. "Eles estão pegando no meu pé," ela disse em abril, "Estou com medo que vão me prender, dizendo que eu sei de tudo na vida do Fritz."

 

A hostilidade tomou formas mais concretas. Por algumas semanas depois da volta da Bárbara para casa, Cristiano levava a mãe para o trabalho na casa da americana, especialmente quando tinha que carregar as compras. Um dia, o colineiro João Ubiratan dos Santos, conhecido como Tuca, "falou que se Cristiano fosse até lá na [casa da] Bárbara com o caminhonete, ele ia lá com duas testemunhas e denunciaria. Ai, Cristiano não veio mais." Comida e remédio precisavam ser levados pelo segurança da Colina, ou Nedy precisava carregar em sacos. Um apelo foi feito à juíza de Taquara para permitir que Nedy pudesse continuar entrando de carro para desempenhar seu trabalho, mas ela se negou a "interferir em assuntos internos do condomínio."

 

As ameaças começaram a tomar forma física. Uma busca de armas sem registro feita dentro da Colina em maio encontrou duas, uma dela nas mãos de Tuca. Tiros foram disparadas contra a casa na noite de 16 de agosto. Na tarde de 27 de agosto, em frente da casa de Bárbara, este mesmo Tuca xingou Nedy de pedófila, junto com seu filho Cristiano e um visitante, Silvio Levy.

 

Na tarde de 26 de agosto, Bárbara tinha deixado sua casa para uma audiência no Fórum de Taquara. Dentro da Colina, cuja portaria é guardada, alguém aproveitou sua ausência para plantar uma bomba incendiária na chaminé da casa. Na próxima vez que Nedy acendeu a lareira, dia 29, a bomba explodiu. Apenas a ação rápida do funcionário Pedro, que por sorte estava perto no momento, evitou que o fogo se alastrasse.

 

Os eventos acima foram relatados à polícia de Taquara. Foram feitos boletins de ocorrência, mas nenhuma providência oficial foi tomada.

 

A casa foi salva de um incêndio, mas Nedy foi avisada pelo médico que ela precisava se afastar da Colina e voltar a dormir em casa, ou corria perigo de vida. O estresse das constantes ameaças e o claro abandono pelo poder público, estavam fazendo mal a sua saúde.

 

Nedy não abandonou Barbara. Três ataques do coração a levaram embora. Mas quem a viu no hospital disse que antes do ataque final, ela estava otimista e brincalhã como sempre.

 

Sonhos realizados

 

A Colina do Sol ofereceu para Nedy, como para outros dos moradores de Morro da Pedra, uma visão do mundo maior, e sonhos de uma vida melhor para seus filhos. "Eu achava bonito Celso falando inglês no telefone," ela disse, "Meu maior sonho era um dos meus filhos aprender a falar inglês."

 

Mais do que uma visão, a obra social iniciada por seu filho Cristiano, e apoiada pelo Fritz e Barbara, permitiu que este sonho fosse realizado. Cristiano visitou no exterior uma família americana, com um filho da sua idade. Ganhou uma bolsa de estudos, e ficou dois anos em Nova Iorque. "Era meu sonho Cristiano falar inglês," Nê disse na entrevista em abril. "Quando Cristiano veio em dezembro, ele disse para mim, agora eu falo inglês bem, agora eu sei falar de verdade."

 

(enviado em 4/11/08)


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