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Jornal Olho nu - edição N°99 - fevereiro de 2009 - Ano IX |
André Herdy, decepção e revolta. entrevista a Pedro Ribeiro*
André Herdy, 36 anos, viveu uma experiência que não se deveria desejar ao pior dos inimigos: a privação da liberdade. Passou 13 meses preso, acusado de crimes hediondos que deixaram sua reputação arrasada moralmente e que o levou a desacreditar de antigas amizades e instituições que acreditava e defendia visceralmente. Em uma entrevista exclusiva ao OLHO Nu no último dia 27 de janeiro, durante sua rápida vinda ao Rio de Janeiro para fazer uma checagem da saúde e, ironicamente, tratamento dentário, já que ele é dentista, André contou detalhes de sua prisão e do que é permitido revelar do processo sigiloso. Infelizmente sigiloso apenas para a defesa, mas não para as acusações. Nada justo. André está decepcionado e frustrado com a Federação Brasileira de Naturismo, da qual era presidente quando foi preso, pois acha que ela não moveu sequer uma palha para defender ao menos o Naturismo, que foi estilhaçado durante o processo pelos depoimentos dos acusadores e pela linha de investigação da promotoria, que insistentemente associava o Naturismo à depravação sexual e à pedofilia. Nem mesmo os sites da FBrN e da Ynai, gerenciados pelo André, onde poderiam ser encontradas todas as explicações de que é nossa filosofia de maneira oficial, puderam ser utilizados na época como apoio para a defesa, pois foram retirados do ar inexplicavelmente no mesmo dia de sua prisão. Dos outros três acusados que estão livres agora, Fritz, Barbara e sua esposa Cleci, esta última é quem está em pior situação de saúde, pois adquiriu uma depressão que mina sua moral. Olho Nu: André, por que você foi preso?
André Herdy: Acredito que eu tenha incomodado muitos moradores da Colina do Sol, pois no momento da minha prisão eu estava trabalhando para cumprir uma determinação da assembléia da Federação Brasileira, realizada durante o 6º Encontro Brasileiro de Naturismo, em novembro, um mês antes. Na assembléia ficou decidido que deveria ser pesquisado a real situação das terras da Colina do Sol, pois havia informações que a Colina teria sido formada para ser a sede da própria federação e nada disso estava regularizado até então. Quando comecei a investigar, muitos proprietários das concessões começaram a me hostilizar. Não sei se você se lembra que poucos dias antes da minha prisão houve um assassinato dentro da Colina, que a polícia disse que foi morte por infarto. No entanto eu vi que o americano morto estava com a boca amarrada e as narinas tampadas. Ele morreu por asfixia. Acredito que este caso também tenha relação com os problemas das posses de terra na região. Mas eu já tinha problemas antes, pois desde que fui morar na Colina do Sol me coloquei frontalmente combativo a diversas situações que eram contrárias às normas do Naturismo, praticadas por alguns moradores, tais como consumo e venda de drogas e o uso de espaços para encontro de casais swing. Cheguei a ser agredido por um proprietário, que me fez rolar escadas abaixo. Este foi testemunha de acusação. Para essa agressão foi feito um boletim de ocorrência, registrado na delegacia de Taquara. A única maneira de fazer com que eu ficasse fora do caminho era me acusar de algo gravíssimo, espalhafatoso e com bastante mídia, com intuito de arruinar minha reputação e moral. ON: Por que então os outros acusados foram presos? AH: O Fritz (Frederic Louderback) foi quem financiou grande parte das compras de terra na Colina do Sol. Acho que é por aí. Quanto aos outros, Bárbara e minha esposa Cleci só pode ser justamente porque elas serem as esposas. Era preciso acabar com qualquer possibilidade de retaliação. ON: Como foi possível toda a grande mídia nacional estar presente no momento da prisão de vocês? AH: Isso só reforça a minha tese de armação, de falácia. Toda a grande imprensa sabia com antecedência. No caso do Fritz, por exemplo, quem atendeu os esmurros da polícia na porta foi o Cristiano, filho da empregada, que estava dormindo às 6 horas da manhã. Abriu a porta de cuecas e o delegado bradou que ali estava a prova, um menor pelado dentro da casa do acusado. Cristiano tem 21 anos, e morava dentro de uma colônia de nudismo. Estava até muito vestido para o local. E o pior que esta foi a tônica para todo o processo. A nudez do naturismo é imoral. Aliás em um dos depoimentos de acusação, o declarante, morador da Colina do Sol, disse que o naturismo não era local para crianças. Disse que, embora tenha filhos, jamais os levou para a Colina do Sol. ON: Não houve jeito de provar que o naturismo não era nada disso? AH: Foi nesse momento que eu pensei que eu poderia contar com o apoio da Federação Brasileira de Naturismo. Pedi ao meu advogado que entrasse em contato com ela. Devido ao insucesso da tentativa, sugeri então que ao menos imprimisse tudo que estava nos sites da FBrN e da Ynai, onde era explicado em detalhes toda a filosofia do Naturismo. Mas, surpresa, os sites estavam fora do ar, inexplicavelmente, pois estavam hospedados sem custos em um portal amigo da FBrN, designado no último CongreNAT, quando fui eleito presidente. Mas o resto do portal hospedeiro não estava fora do ar. Quem autorizou a retirada do ar? É verdade que eu possuía as senhas de acesso e eles não poderiam ser mais atualizados mas não ficariam fora do ar. Outra estranheza foi a FBrN não ter vindo me procurar para pedir as senhas de acesso. Aliás, a FBrN não me procurou para nada, nem para ver se eu estava vivo. Nem para saber o que se falava sobre o naturismo. ON: Por que vocês foram soltos? AH: Por que nenhuma das evidências consideradas como provas incriminatórias tiveram consistência. Nenhuma foto encontrada nos computadores, no meu único computador e nos três do Fritz, foi considerada criminosa, mesmo as que tinham fotos de nus, afinal todas foram tiradas em áreas naturistas e, além disso, eu gerenciava dois sites naturistas, que possuíam fotos naturistas, os arquivos estavam em meu computador. Também o tempo legal de prisão cautelar já havia se esgotado há muito tempo. E não fomos soltos antes porque a juíza do caso esteve em licença por vários meses, e o juiz substituto não quis tomar a decisão. Tivemos que recorrer a um Habeas Corpus deferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. ON: E as possíveis vítimas de vocês?
AH: Pela determinação de sigilo do processo eu não posso dar detalhes, mas posso dizer que todas elas negaram qualquer tipo de abuso ou constrangimento. As crianças afirmam que nada ocorreu que também o Instituto Médico Legal fez exames em TODOS eles e em TODOS ficou comprovado que JAMAIS sofreram qualquer tipo de abuso sexual. O que dói é ver pessoas que foram nos defender saírem como indiciados como réus no processo, como alguns pais dos menores. Uma das pessoas mais prejudicadas com tudo isso foi o Douglas, filho adotivo do Fritz, que tinha 16 anos na época, e foi também considerado uma das vítimas. Foi impedido de falar com os pais adotivos e depois impedido de entrar na sua própria casa, na Colina do Sol, porque a Bárbara, sua mãe adotiva, ficou em prisão domiciliar, por causa de seu estado de saúde precário. O rapaz então foi morar de favor na comunidade Morro da Pedra, vizinha à Colina do Sol, e trabalhar numa pedreira para se sustentar. ON: Foi noticiada na imprensa que vocês abrirão um processo milionário... AH: Isso se refere a um documento enviado ilegalmente dos Estados Unidos que supostamente incriminaria o Fritz. Fazia parte de um processo ocorrido naquele país e que foi arquivado por falta de provas. O processo seria contra o agente que teria se apossado do documento e contra o Condado americano que permitiu o seu desarquivamento. ON: Quando o processo no Brasil acabar, pretender processar o Estado do Rio Grande do Sul? AH: Com certeza. ON: E como foi sua vida na prisão? AH: Eu, graças a Deus, não tive dos piores tratamentos. Assim que fui preso fiquei em prisão especial no presídio Central de Porto Alegre, por ter nível superior. Depois fui enviado ao presídio Estadual de Taquara e fiquei em uma ala de criminosos não perigosos, ou seja que não estivessem presos por acusação de roubo e assassinato. Por minha formação evangélica e temperamento ativo eu procurei me dedicar a tarefas que me fizessem aguentar o tempo passar sem maiores depressões e pensamentos ruins, que me ajudaram a aliviar minha revolta. Dei atendimento dentário para alguns presos, fui ajudante de cozinha e formei um coral com outros detentos. Chegamos a ter um repertório de 15 obras. O Coral chegou a fazer uma mini-apresentação de Natal com 4 músicas. Se chamava coral do PENTAQ. Não houve tempo para fazer mais apresentações do grupo porque fui solto, com a graça de Deus, antes. ON: Quais foram os motivos de sua revolta? AH: Muitos. Ser caçado e colocado atrás das grades por uma acusação da qual se é inocente é a primeira delas. Depois descobrir que muitas pessoas que você considerava amigas virarem as costas e dizer "não quero me comprometer", depois ter certeza que muitos "amigos" além de virarem as costas também apresentaram acusações falsas ou com deturpação de fatos. E ver a instituição que eu defendia e para a qual me dedicava quase integralmente simplesmente me ignorar e ter atitude de "lavar as mãos", sem me ouvir, sem me dar qualquer chance de explicação foi muito dolorido e revoltante. ON: Como foi o tratamento da polícia quando você e Cleci foram presos? AH: A experiência pela qual passei no momento de nossa prisão foi horrorosa. Às 7 horas da manhã a polícia bate à minha porta de forma escandalosa e ofensiva, reclamando que estávamos demorando a abrir. Ao contrário da imprensa, eu não sabia que ia receber a visita da polícia em minha residência a esta hora da manhã. Eu e Cleci estávamos dormindo. Acordamos assustados com os socos na porta e a gritaria da polícia. Não sabia nem se era ou não verdade que aqueles lá fora eram agentes da polícia. Não sabia por que haviam policiais esmurrando a minha porta às 7 horas da manhã. Quando abri a porta entraram e disseram que eu estava preso juntamente com minha esposa. Mostraram os mandados de prisão, o meu estava com todos os dados corretos, mas o de Cleci estavam todos errados, nome, filiação, profissão e idade. Contestei então dizendo que aquela mulher que eles vinham prender não era minha esposa. O delegado gritou e me mandou calar a boca. Invadiram a casa e começaram a jogar papéis e documentos e fotos pelo chão. Perguntei sob qual acusação estávamos sendo presos, outra gritaria e fomos algemados. Nas roupas dos cinco agentes estava escrito delegacia de homicídios de Porto Alegre. Imediatamente fiz associação com o assassinato do outro americano dias antes. Novamente questionei e mais ameaças. Pegaram fotos, papéis, CDs e DVDs e a CPU do computador. Quando eles entraram no quarto depararam com vários bichos de pelúcia que a Cleci usava para enfeitar a cama, que naquele momento não estavam sobre a cama, é lógico, pois não houve tempo de arrumá-la. Pegaram os objetos de maneira que pareciam ter descoberto a prova fatal. Também "descobriram" um jogo chamado Banco Imobiliário e alguns jogos de computador em CD, trouxeram tudo para a sala e perguntaram a quem pertencia aquilo tudo. Eu disse que eram meus, pois eram mesmos. Questionaram então porque razão um homem da minha idade estava fazendo com aquilo em casa. Não entendi nada. Depois nos levaram algemados e os objetos para os carros do lado de fora. Nos enfiaram na traseira de uma Paraty da polícia. Paramos mais à frente do lado de dentro da entrada da Colina do Sol. Lá eu vi uma grande concentração de moradores da Colina, entre elas, muitos, o que vim saber depois, que eram nossos acusadores, e toda a grande mídia, com repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Foi aí que eu e Cleci fomos filmados pela primeira vez. Vi o delegado esbravejando diante das câmeras, mas não deu para ouvir direito o que ele estava falando. Somente ouvi mencionar "aí está o resto da quadrilha..." Neste momento, caiu a ficha. Percebi que a coisa era muito grave para nós. Na delegacia ainda pela manhã e algemados, somente fomos apresentar nossos depoimentos já era noite. Insisti ainda em saber do que me acusavam. Muito tempo após, depois de muita ironia e sarcasmo é que o delegado deu a entender que estávamos sendo acusados de abuso sexual contra menores. Depois veia à minha cabeça o fato dos policiais usarem o colete escrito delegacia de homicídios. Por que não delegacia de menores? ON: Ocorreu algum incidente enquanto vocês estavam presos? AH: Enquanto estava preso a casa onde eu e Cleci morávamos, situada a cerca de um quilômetro da Colina do Sol, foi arrombada e invadida cerca de cinco vezes. Em todas as vezes nada foi roubado, mas todos os papéis e documentos foram revirados e espalhados. Quando meu advogado contou, primeiro pensei que teria sido a própria polícia que teria feito tal procedimento ilegal, mas depois da repetição comecei a achar que eram moradores da Colina do Sol preocupados com possíveis documentos que eu poderia ter que comprometeria seus imóveis comprados de forma pouco esclarecida. ON: Como estão vocês agora? AH: Eu e Cleci estamos tentando recomeçar nossas vidas. Levei um grande golpe, perdi meu emprego, descobri que tinha falsos amigos, descobri que eu não representava nada para a Instituição que eu representava. A minha intensa participação na luta pela realização do Congresso Internacional no Brasil não foi reconhecida. Tenho certeza que ele só aconteceu aqui porque houve meu grande empenho no início, desde o Congresso na Espanha. Dói muito a federação virar as costas. Eu e Cleci perdemos o direito à adoção de gêmeos, num processo bastante adiantado naquela época e com certeza teria sido dado o sinal verde antes do Natal daquele ano. Destruiu nossos sonhos. Já tínhamos feito uma grande amizade com elas, pois já frequentavam nossa casa, já saíamos juntos... Por isso tudo ainda estamos muito abalados e descrentes. Mas com a ajuda de Deus superaremos tudo isso. Mas garanto que naturismo no Brasil nunca mais. |
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