Naturalmente.
De psicopatas e malvados
por Paulo Pereira*
Começo
lembrando aos deslumbrados de todos os matizes que a nudez humana é
externa; nascemos inteiramente nus e permanecemos nus debaixo das
roupas, de todas as roupas. A natureza é soberana e não pede
julgamentos!
Entretanto, os malvados (psicopatas ou não) insistem em fazer da nudez
algo estranho e eventual, para dizer o mínimo. Ungewitter, no início do
século XX, fez da nudez uma filosofia de vida, um culto despojado do
natural. Mas em 1939, Adolf Hitler (que certamente não é do gosto da
maioria, mas faz parte da história) mandou invadir a Polônia, depois de
ter anexado a Áustria, recordemos. A prática nudista-naturista, que já
era uma realidade, foi atingida pelos horrores da guerra, deixando a
Alemanha, pátria de Ungewitter, isolada e aflita. Sem entrar aqui em
análises rigorosas, seria bom convocar os irmãos naturistas a uma atenta
reflexão, mais uma vez. O naturismo pode conviver com o preconceito, com
a violência e com a psicopatia? Parece-me que não. Desaconselho
igualmente as utopias e as heresias que, eventualmente, insinuem
dialéticas insólitas. Naturismo é simplicidade e fraternidade nuas!
Contudo, e talvez para espanto de muitos, os malvados (como considera
Javier Marias) constituem boa parte do contingente humano. Ah! Esse
bicho-homem, esse primata tagarela, sempre surpreendente e até
enigmático... As chamadas mentes doentias, ou mentes perigosas como quer
a psiquiatra Ana Beatriz, são geralmente muito inteligentes e
inescrupulosas, anotemos...
Em 1937, Sir Winston Churchill publica um livro extraordinário, reunindo
uma boa análise de um punhado de personalidades contemporâneas dele,
Churchill, com perspicácia elegância de estilo: “Great Contemporaries”,
da Putnam’s Sons editora. Uma jóia histórica, premonitória e sagaz. Um
dos capítulos do livro de Sir Winston é dedicado simplesmente a Adolf
Hitler, sob o título de “Hitler and his choice”, (Hitler e sua
escolha)... Não é de hoje que os psicopatas atormentam a humanidade! Mas
muitas vezes esses “anjos maus” são exímios na arte do disfarce, das
ações evasivas. Churchill salienta, por exemplo, que Hitler dedicava-se
de corpo e alma a uma longa e determinada luta pela conquista do coração
alemão, pela emoção de cada um, buscando alcançar friamente seus
objetivos. É próprio dos psicopatas a busca incansável pelo poder, pelo
status, pela notoriedade divertida e sem remorsos. O velho naturismo
também foi vítima de Adolf Hitler, vítima de uma mente perigosa. A
fraternidade nua incomoda especialmente os psicopatas, porque liberdade
e respeito pessoal não fazem parte do dicionário dos ditadores...
Churchill nos lembra que Hitler foi sempre maquiavélico, oportunista,
utilizando-se de todos os meios a seu alcance para chegar aos seus fins,
aos seus propósitos, inclusive usando a força bruta, ou a agressão
verbal, a propaganda fria e inescrupulosa. Hoje, há até quem negue o
holocausto, as câmaras de gás, as experiências biológicas ou médicas
abusivas. O bicho-homem tende a desconsiderar até mesmo a sua natureza
porque prioriza muitas vezes apenas o poder e a glória, transitórios,
diga-se de passagem. Os malvados são piores do que os ignorantes, como
nos disse Javier Marias. O naturismo nasceu como culto do natural e do
respeito pelo outro. Alguns esquecem disso... Felizmente, o naturismo,
no Brasil e no mundo, tem se afirmado pela ação digna e corajosa da
maioria dos naturistas, talvez para desconforto dos psicopatas. Há quem
se diga naturista, mas encare a nudez como algo acessório. Os exemplos
dos chamados “top-less” ou “bottom-less” estão aí para quem quiser ver.
Sem falar nos disparates, nas heresias histórico-filosóficas e nos
transbordamentos comportamentais de uma minoria teimosa e infeliz.
A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, em “Mentes Perigosas”, vai fundo
na questão da psicopatia, que é muito mais comum e real do que podemos
imaginar. Na 4º capa de “Mentes Perigosas” está escrito: _ ”Frios,
manipuladores, cruéis e destituídos de compaixão, culpa ou remorso.
Utilizam-se de seu charme e de sua inteligência para impressionar,
seduzir e enganar quem atravessa o seu caminho”...
Os psicopatas são atuantes. Os malvados, segundo Javier Marias, não se
cansam facilmente. Por tudo isso, insisto, os naturistas autênticos
devem ter muito cuidado, procurando dar sempre o bom exemplo. Após a
derrota da Alemanha de Hitler, o naturismo voltou a se organizar com
força. Em 1948, em Londres, ocorreu o primeiro grande encontro
internacional de naturismo, visando, sobretudo, recuperar o tempo
perdido, minimizar feridas abertas e preparar a futura criação da INF -
Federação Naturista Internacional, o que aconteceria em 1953, em
Montalivet. Naturismo é simplicidade, amor pelo próximo em sua verdade
nua! É importante somar fraternalmente. Os egocêntricos são prejudiciais
ao naturismo como um todo. Somente o respeito pelas raízes históricas,
como bem destacou o ilustre Obergfell, poderá nos conduzir com
serenidade e segurança do real progresso do naturismo, sem concessões
cômodas, sem culto da personalidade, sem preconceitos odiosos, sem
estrelismo ou messianismo. A natureza não dá saltos... Não adianta
promover nenhum show de puritanismo (ou de vaidades) porque, debaixo das
roupas (e das aparências) todos nós estamos inapelavelmente nus. A
metamorfose da decomposição física e as cinzas da morte servem para nos
alertar que a vida é cíclica, impermanente, sem lugar para egoísmos
tolos.
Ana Beatriz, psiquiatra, nos esclarece que os psicopatas (como Hitler)
são indivíduos que podem ser encontrados em todos os segmentos da
sociedade. E, desconcertante (embora sábio e verdadeiro), Sir Winston
Churchill afirma a respeito do perigoso Adolf Hitler: _ ”Todos que
conheceram Hitler pessoalmente depararam-se com um homem altamente
competente, frio, muito bem informado e de gestos agradáveis; ele
possuía um sorriso simpático e cativante, fazendo com que poucos
pudessem escapar de seu magnetismo pessoal”. Ana Beatriz observa: _ ”Os
psicopatas possuem uma visão narcisista e supervalorizada de seus
valores e importância. Eles se vêem como o centro do universo e tudo
deve girar em torno deles. Pensam e se descrevem como pessoas superiores
aos outros, e essa superioridade é tão grande que lhes dá o direito de
viverem de acordo com suas próprias regras”... Dá o que pensar... Hitler
não foi uma utopia, uma quimera. A sociedade vestida, por suas regras e
metas, constitui muitas vezes um excelente caldo de cultura para os
psicopatas, para que os psicopatas atuem impunemente. O naturismo é a
negação do preconceito e do egocentrismo, de acordo com seus princípios,
fundamentos e tradições. Vivamos naturalmente!
O mal veste máscaras do bem frequentemente. Os prejuízos são numerosos.
Somente o bom exemplo, a presença das famílias, o fim da preguiça de
ler, o respeito pelos fundamentos histórico-filosóficos e a simplicidade
nua (o despojamento psicológico) poderão conduzir o verdadeiro naturista
a um porto seguro. O carnaval já terminou. È hora de meditar e
transcender...
Seria precioso se cada um tratasse de tirar as máscaras e rasgar as
fantasias feitas de futilidades. Esqueço, então, as tribulações do
cotidiano convencional e embrenho-me na floresta sempre cheia de paz e
magia. Penso nos meus irmãos índios. Lembro de Aimberê e de Cunhabebe,
valentes Tupinambá... É importante ouvir as vozes da mata, que
infelizmente em alguns locais já anda fedendo a gente, talvez para
tristeza do cacique Duwamish. Mas se cada um conseguir viver sua pequena
utopia, as utopias boas virarão sonhos possíveis. Penso aqui igualmente
no velho amigo Augusto Carneiro, experiente pelo tempo percorrido,
lúcido, amigo da natureza, das leis naturais em lugar das leis dos
homens que estudou como advogado... Carneiro faz parte do bom rebanho; é
um sonhador acordado, amigo dos livros, naturista afinal. E, pensativo,
recordo Paranhos, Terson Santos e Dora Vivacqua, a Luz del Fuego. Não
foram meras utopias... Prossigo na trilha da floresta cúmplice. Banho-me
nu na pequena cachoeira, nu como no dia em que nasci, nu como a Salomé
de Del Picchia, nu como o Tupinambá sem medo, indiferente às vaidades
dos ditos civilizados. Reparo que as plantas, os animais e as águas
frias não notam minha nudez, nem perguntam o meu nome, a minha idade, a
minha condição social, o número da minha conta bancária, a minha
orientação sexual, o meu clube de futebol... O que vale é a minha
energia, a minha consciência. A natureza nua (no dizer de Luz del Fuego)
e a verdade natural (como proclamo em “Corpos Nus”) são a realidade que
importa. Repito: que cada bom naturista saiba tirar as máscaras e rasgar
as fantasias. Naturismo é simplicidade!
Paulo Pereira
Março/2009.
*ppalbion47@yahoo.com.br
(enviado em 28/02/09)
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