Naturismo - a reinvenção
da nudez
por Carlos Sena*
Alguém
já disse que no Brasil a nudez é sinônimo de sacanagem e que portanto -
segundo Nelson Rodrigues - deve ser castigada. Inútil argumento diante
daquele brasileiro que ao ver uma mulher pelada fica logo erotizado e se
achando no direito e no dever de transar com ela. E uma vez impedido de
dar vazão a sua tara, se sente violado na sua dignidade de macho.
Sacanagem pura.
No passado, os povos da Amazônia chamavam esse
tipo de brasileiro de "papa-índia". Inocente, puro e besta, o índio se
embriagava com a aguardente ofertada pelo papa-índia como recompensa por
deixá-lo dar uma "voltinha" com as indiazinhas - chamadas cunhantãs.
Hoje, não mais lhe basta o porre de aguardente. Chega ao ato final da
tragédia cometendo o suicídio.
Existem relatos históricos dando conta de que até
os padres ficavam erotizados ao ver uma índia nua. E, não resistindo
àquela visão paradisíaca, caíam em tentação.
Não muito longe dali, os moralistas de plantão, no
lugar de condenarem o papa-índia ou o padre tarado, inventaram o
atentado ao pudor e a criminalização da nudez.
Pronto. Estava oficialmente extinta a nudez no
Brasil. Andar nu virou atentado ao pudor. Mas acredito que se esses
pervertidos sexuais tivessem sido criados nus desde criança, junto com
os pais igualmente nus, e com uma educação embasada no respeito à nudez,
jamais teriam criado esse tipo de problema.
Uma vez condenado o corpo nu, uma minoria
brasileira, não conseguindo eliminar por completo o instinto da nudez em
suas vidas, importaram da Europa o Naturismo - um estilo de vida que
nada mais é do que a reinvenção da nudez, recheada de regras e
proibições. Isso não evitou o assédio do papa-índia, hoje conhecido como
hedonista. Aí, o bicho pegou de vez e novamente a história da nudez no
Brasil começou a ficar preta. Até o chefe da nova tribo foi preso, ao
tentar eliminar os hedonistas das aldeias naturistas. Vira e mexe, novos
códigos, novas obrigações e novas proibições são embutidas na filosofia
naturista com o intuito de eliminar a sacanagem do naturismo. Ou, como
querem alguns, com o intuito de assumir a sacanagem de vez, criando o
naturismo adulto - a nudez reinventada pelo hedonista.
Pergunto: não teria sido mais fácil reinvindicar
na Justiça o nosso direito histórico-cultural de andar nu pela terra,
como faziam os nossos ancestrais índios? Eles, pelo menos, não ficavam
erotizados, não ficavam escandalizados e não tinham reações nudofóbicas
diante da nudez alheia. Quanto aos padres, deveriam voltar a estudar
aquele capítulo da História que descreve a Primeira Missa no Brasil. Um
evento tão inocente quanto a nudez dos índios ali presentes, conforme
descrita por Pero Vaz de Caminha.
Resgatar a nudez social dos povos da Amazônia? E
quiçá, do Brasil? Utopia, dirão uns. Sonho, dirão outros. Mas - como
cantarolou o carnavalesco - sonhar não custa nada. No dia em que o
brasileiro entender que a vergonha deve estar na cara e não na
genitália, o pudor e o hedonismo voltarão a ser um atentado a nossa
nudez. E eu, a exemplo de meus bisavós, poderei tomar banho pelado no
rio, sem ter que me esconder da polícia e nem ter que ficar queimando
meus neurônios em busca de justificativas para o meu comportamento.
*Um
índio-descendente avêsso às roupas.
profsena@gmail.com
Manaus-AM
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