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Jornal Olho nu - edição N°101 - abril de 2009 - Ano IX

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Naturismo - a reinvenção da nudez

por Carlos Sena*

Alguém já disse que no Brasil a nudez é sinônimo de sacanagem e que portanto - segundo Nelson Rodrigues - deve ser castigada. Inútil argumento diante daquele brasileiro que ao ver uma mulher pelada fica logo erotizado e se achando no direito e no dever de transar com ela. E uma vez impedido de dar vazão a sua tara, se sente violado na sua dignidade de macho. Sacanagem pura.

No passado, os povos da Amazônia chamavam esse tipo de brasileiro de "papa-índia". Inocente, puro e besta, o índio se embriagava com a aguardente ofertada pelo papa-índia como recompensa por deixá-lo dar uma "voltinha" com as indiazinhas - chamadas cunhantãs. Hoje, não mais lhe basta o porre de aguardente. Chega ao ato final da tragédia cometendo o suicídio.

Existem relatos históricos dando conta de que até os padres ficavam erotizados ao ver uma índia nua. E, não resistindo àquela visão paradisíaca, caíam em tentação.

Não muito longe dali, os moralistas de plantão, no lugar de condenarem o papa-índia ou o padre tarado, inventaram o atentado ao pudor e a criminalização da nudez.

Pronto. Estava oficialmente extinta a nudez no Brasil. Andar nu virou atentado ao pudor. Mas acredito que se esses pervertidos sexuais tivessem sido criados nus desde criança, junto com os pais igualmente nus, e com uma educação embasada no respeito à nudez, jamais teriam criado esse tipo de problema.

Uma vez condenado o corpo nu, uma minoria brasileira, não conseguindo eliminar por completo o instinto da nudez em suas vidas, importaram da Europa o Naturismo - um estilo de vida que nada mais é do que a reinvenção da nudez, recheada de regras e proibições. Isso não evitou o assédio do papa-índia, hoje conhecido como hedonista. Aí, o bicho pegou de vez e novamente a história da nudez no Brasil começou a ficar preta. Até o chefe da nova tribo foi preso, ao tentar eliminar os hedonistas das aldeias naturistas. Vira e mexe, novos códigos, novas obrigações e novas proibições são embutidas na filosofia naturista com o intuito de eliminar a sacanagem do naturismo. Ou, como querem alguns, com o intuito de assumir a sacanagem de vez, criando o naturismo adulto - a nudez reinventada pelo hedonista.

Pergunto: não teria sido mais fácil reinvindicar na Justiça o nosso direito histórico-cultural de andar nu pela terra, como faziam os nossos ancestrais índios? Eles, pelo menos, não ficavam erotizados, não ficavam escandalizados e não tinham reações nudofóbicas diante da nudez alheia. Quanto aos padres, deveriam voltar a estudar aquele capítulo da História que descreve a Primeira Missa no Brasil. Um evento tão inocente quanto a nudez dos índios ali presentes, conforme descrita por Pero Vaz de Caminha.

Resgatar a nudez social dos povos da Amazônia? E quiçá, do Brasil? Utopia, dirão uns. Sonho, dirão outros. Mas - como cantarolou o carnavalesco - sonhar não custa nada. No dia em que o brasileiro entender que a vergonha deve estar na cara e não na genitália, o pudor e o hedonismo voltarão a ser um atentado a nossa nudez. E eu, a exemplo de meus bisavós, poderei tomar banho pelado no rio, sem ter que me esconder da polícia e nem ter que ficar queimando meus neurônios em busca de justificativas para o meu comportamento.

*Um índio-descendente avêsso às roupas.

profsena@gmail.com

Manaus-AM

 

(enviado em 7/03/09)


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