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Jornal Olho nu - edição N°107 - outubro de 2009 - Ano X |
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Onde estão as crianças de Nemo? por Carlos Sena* São sete as crianças de Nemo - um negão caboclo que muitos acham ser meu irmão. Cor da pele, rosto, cabelo, porte físico, tudo muito parecido comigo. Há exatamente dois anos atrás, elas - as crianças de Nemo - estavam todas lá, no Sítio Barcelona, num encontro familiar em comemoração ao dia da criança. Dia alegre aquele. Lembro-me que Nemo, o pai das sete crianças, ficou de conversa fiada comigo, prometendo, entre outras coisas, que um dia ia ser naturista e que, como eu, iria tomar banho pelado no igarapé. Nazaré, a mãe, criança no colo, cuidava de ajudar a Eliane, minha esposa, a preparar as guloseimas para a meninada. As crianças, maltrapilhas, escondidas em suas cuecas e calcinhas, ficavam brincado de manjalé e tomando banho nas águas frias e turvas do igarapé. Mas, havia uma das crianças que se esquivava das roupas e permanecia pelada junto ao pai. As roupas, o calor e a umidade produzira um monte de assaduras no corpo da criança. A família era paupérrima e, dias havia que nada tinham para comer. E justo naquele dia - dia das crianças - a mesa estava farta. Bolas, bonecas, roupas. Não sei onde, e como, Eliane arrumava tantos presentes para dar às crianças de Nemo. Ah - explicava ela - "eu vivo falando tanto destas crianças para as minhas amigas, que o resultado é este. Eu adoro estas crianças. Se pudesse, eu adotaria duas delas". Mas a sua prioridade maior era alimentar aquelas crianças. E todas as vezes que ia ao Sítio Barcelona, levava sacos de pão torrado para a meninada. Aliás, foi de Eliane a idéia de cobrar como ingresso, um quilo de alimentos não perecíveis, durante os encontros do Graúna no Sítio Barcelona. Todos colaboravam e tudo era entregue às crianças de Nemo. Mas, a partir do ano passado, o quadro mudou. O naturismo familiar brasileiro havia sofrido um golpe mortal e a presença de crianças em áreas naturistas passou a ser questionada pela Justiça, depois de uma desastrada armação de alguns naturistas contra o presidente da FBrN. Foi a gota d'água que faltava para fazer cair sobre o naturismo uma enxurrada de questionamentos envolvendo as crianças. E o naturismo familiar passou a ser visto pela sociedade como um caldo de cultura pronto para fomentar a prática da pedofilia e de abusos contra a criança. Dar presentes, comemorar aniversários, e alimentar as crianças subnutridas, vizinhas de áreas naturistas, passou a ser visto como indício de pedofilia e, portanto, passível de prisão. Temendo pelas crianças, o naturismo familiar retrocedeu. No Graúna, a reação foi imediata. As sete crianças de Nemo foram orientadas a não mais frequentar o Sítio Barcelona. Desoladas, passaram a frequentar os sítios vizinhos, onde grassa a bebedeira, a droga e o sexo. Eliane, preocupada com o destino das crianças, alertou os pais. A mais velha começara a roubar. As queixas contra a criança vinham de todos os lados. Por fim, a família toda desapareceu. E nunca mais vimos o sorriso daquelas crianças. Para ilustrar este texto pensei em colocar uma foto das crianças de Nemo, colhendo maracujá com a Eliane, no Sítio Barcelona. Na foto, as crianças, descalças e maltrapilhas, se mostram alegres e sorridentes. Mas, recomendável seria que eu lhes aplicasse tarjas no rosto para lhes proteger a identidade e a dignidade. E isto deixaria oculto justamente o que estava tentando mostrar: o sorriso das crianças de Nemo, colhendo maracujá no Sitio Barcelona. Melhor não, pensei. E, como ocorreu no naturismo familiar, desisti da foto. Desisti das crianças. Desisti do dia da crianças em Barcelona. Hoje temos um naturismo familiar sem crianças. Um naturismo voltado apenas para adultos, como um filme pornô a exibir na abertura a fatídica mensagem: "Proibido para menores de 18 anos". É por essas e por outras que eu me engasgo quando leio reportagens naturistas afirmando que o naturismo brasileiro está na sua melhor fase. Uma fase de sucesso. Muito sucesso. Eu e Eliane estamos agora no Sítio Barcelona. Hoje é o dia das crianças. Barcelona está vazio. Enquanto esboço este texto, ouço as risadas da meninada brincando no balneário vizinho. Gritaria de crianças misturada com o som alto do carro, cantando o forró "Chupa que é de uva". Gritaria de crianças misturada com as gargalhadas dos bêbados de plantão. Hoje é o dia das crianças. Barcelona não tem mais crianças. Onde estão os presentes? Onde estão as guloseimas? Onde estão os sorrisos? Onde estão as crianças de Nemo?
*Carlos Sena (enviado em 13/10/09) |
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