Andam dizendo
que esse nosso outono está, sobretudo, atípico: calor exagerado,
águas furiosas, ventos brabos, enchentes, deslizamentos, mortes...
E, como de hábito, alguns buscam incansavelmente explicações
sobrenaturais. Muitos afoitos falam, alienados, em culpas e pecados
humanos, numa cansativa e mal respaldada visão antropomórfica. Mas,
repito, a natureza soberana não pede julgamentos nem aceita
palpites. Os terremotos e os vulcões, por exemplo, são resultado da
ação humana? Desde quando, cientificamente, a natureza do planeta
Terra é calminha, complacente, simétrica e moralista? O que falta à
maioria é conhecimento. Mas sobram, por certo, incompetência e
demagogia. Os homens são cabritos para habitar encostas? Até quando
vamos ignorar a natureza?
E, no meio de tantos
desencontros e disparates, há quem consiga a boa observação. Arnaldo
Jabor, em “O Globo”, 20/4/2010, percebe sombras sutis nos olhos do
polêmico Papa Bento, o velho alemão conservador dos tempos
(“Juventude”) de Adolf Hitler. Diz, então, Jabor: “Os olhos do Papa
me inquietam. São olhos frios, perscrutadores, inquisitivos (olhos
da “moderna inquisição”?)... São olhos desconfiados, olhos onde há
medo das mutações do mundo”. Eu diria que são olhos plenos do medo
das verdades, das verdades que os dogmas e as intolerâncias
escondem... Religião de um lado e ciência de outro? A natureza é
inconstante, amoral, evolutiva, indomável.
O notório é que temos
tempestades e devastações naturais e, tristemente, os conflitos, as
arrogâncias, as hipocrisias e as crueldades dos homens também. Nesse
outono de águas incontidas e de cinzas vulcânicas, os seres humanos,
esses primatas paradoxais, têm sentido a força da natureza. A
estrada que liga a Prainha à praia de Grumari (Abricó) está
quebrada, parcialmente destruída, interrompida. No próximo mês de
junho, chegam o inverno e os jogos da copa do mundo. Com um pouco de
frio, futebol arrebatador e alguns caminhos fechados, talvez chegue
a hora propícia para uma boa meditação, inclusive por parte dos
naturistas desse país. Que tal uma boa reflexão sobre os meios,
métodos, razões, postulados, leis, ciência e crendices? A prática
naturista poderia se beneficiar através de um esforço de aferimento
de bases e enfoques? Quem tem medo da voz da natureza? Quem tem medo
dos valores naturais? Quem tem medo da nudez? O naturismo pode
conviver com qualquer tipo de violência ou de arbitrariedade? A
nudez, que é natural, pode ser colocada como opcional ou
obrigatória? Qual o verdadeiro conceito de “praia livre”?
Por outro lado, é
necessário ter cuidado com o preciosismo, a pseudo-erudição e,
sobretudo, com a eterna discussão sobre o sexo dos anjos... Jabor,
por exemplo, nos lembra que “só os anjos não têm sexo”. È
indispensável perceber, mais do que nunca, que o naturismo é apenas
natural, como bem disse W. Welby. A nudez do bicho-homem é tão
natural quanto os terremotos e os vulcões. Por isso, naturismo não
rima com artificialismo, com oportunismo ou autoritarismo! O
companheiro Evandro Telles cita o velho Dalai Lama, que anota
sabiamente que os homens vivem como se nunca fossem morrer. A
certeza da finitude costuma gerar delírios, que se fazem acompanhar
não raramente por dogmas e lendas, sempre carregados de preconceitos
e portarias. Mas a natureza ignora as sutilezas do homem. Os homens
não são anjos...
Nas noites frias do
próximo inverno, reflitamos com seriedade sobre os caminhos e
atalhos de nossa prática naturista, buscando harmonia em lugar de
transtornos.
De novo, recorro ao
Evandro Telles, que adverte: “Somos seres naturais”! Somos, pois,
parte(s) da natureza e não podemos suplantá-la. Quando não
respeitamos a nudez, seja de que maneira for, contrariamos um valor
natural, rejeitamos nossa própria essência e aparência. O naturismo
tem uma tradição histórica com a não-violência, com o culto
inteligente da natureza nua e não pode jamais ser pretexto para
transbordamentos. Que no silêncio cultuado em nossas horas serenas
de recolhimento e descanso, possamos avaliar bem nossos propósitos e
ações, porque a vida naturista supõe ética adequada, mas jamais
moralismos ou imposições. Naturismo não é ideologia!
Parece-me importante,
ao finalizar esse papo de quase inverno, mencionar uma boa fonte:
refiro-me enfaticamente à obra de William Welby sob o título de
“It’s Only Natural - The Philosophy of Nudism”. Welby afirma com
simplicidade valiosa: “Nós todos nascemos sem roupas... As crianças
deliciam-se ao livrar-se das roupas sempre que surge uma
oportunidade; é natural para elas até que sejam ensinadas a fazer o
contrário. E o que pode ser mais natural do que os animais, por
exemplo?”. Embora eventualmente padres, pastores e aiatolás não
concordem, os corpos nus, título por acaso do meu livro, são obras
da natureza indomável, livre, inclusive pelo conceito do que seja
natural, de qualquer julgamento. Ponto. É indispensável fazer valer
o que está posto no título da consagrada revista naturista-nudista
da década de 50: “Saúde e Nudismo: mente sã num corpo são”. Mas
sempre sem confusões, naturalmente.
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