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Jornal Olho nu - edição N°116 - julho de 2010 - Ano X

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Naturalmente - julho 2010

por Paulo Pereira*

 A madrugada fria me surpreende insone olhando serenamente para um arranjo de flores de lótus localizado no centro da mesa onde estão dispostos vários livros, que tenho consultado enquanto escrevo meus textos. Penso recorrentemente sobre os chamados mistérios do existir, as inquietações desta vida feita de dúvidas... E J.C.Carrière, por exemplo, nos diz que a flor de lótus é a própria imagem da existência, da vida; ela é o primeiro símbolo e, sem ela, todo discurso seria impossível. Ela representa, inclusive, o próprio Iluminado, ou sua essência, estando igualmente presente em toda a velha Índia, destacando-se freqüentemente das águas turvas. Carrière situa bem a sutileza natural.

Nesses dias agitados de fim de Copa do Mundo, parece-me, mais do que nunca, oportuno e relevante buscar transcender as águas turvas das paixões alucinadas, dos vários ópios do povo, dos apegos ilusórios, da criatividade infecunda e da algazarra idiota, do não-silêncio violento e até burro. Menos mediocridade faz bem.

Livro de Thomas Merton

(Literatura Distribuidora de livros)

Sinto, no silêncio da madrugada, que a paixão que, talvez, se deva procurar é a dos poetas, românticos ou realistas, não importa muito, afinal. É inteligente cultivar esse silêncio precioso da madrugada, que nos envolve sem nos agredir. Esse silêncio nobre é como um bichinho em extinção e pede atenção especial para não acabar. A propósito, encontro, junto de várias folhas manuscritas por mim, um modesto livro de um poeta da paz chamado Thomas Merton, monge trapista, um convite ao silêncio transcendente. Em sua obra chamada “Diálogos com o Silêncio, Orações e Desenhos”, Merton ilumina os caminhos do recolhimento. Como ressalta o editor Jonathan Montaldo, Merton teve, como o comum dos humanos, uma ascendência marcada pelo egoísmo, pela ganância e pela violência, mas conseguiu abrir uma estrada vencendo inúmeras dificuldades, seguindo um caminho tradicional de auto-abnegação, de generosidade e de não-violência, valorizando sempre o fundamento de unidade e amor entre todos os seres vivos.

Anotemos, de passagem, que o excessivo barulho das multidões alienadas é fator importante de dissipação sem sentido. É mister, como queria Merton, um escutar no silêncio, um dialogar com o nobre silêncio, buscando ser sábio suficiente para entender que não sabemos bem aonde estamos indo... A própria substância da vida pode ser melhor entendida e transformada em um silêncio vivo e vigilante, certamente sem tagarelices descabidas. Engolfado na simplicidade lúcida, o poeta Merton procurava a paz na solidão: “Lá em cima, no céu do verão, observo o vôo silencioso de um abutre e o dia passa em oração. Esta solidão confirma meu chamado à solidão. Quanto mais penetro na solidão, mais a amo. Um dia ela me possuirá inteiramente e ninguém mais me verá”...

Mas vale observar que silêncio e solidão não são sinônimos de tristeza e de depressão. Pelo contrário: o silêncio nobre é feito dos sussurros da vida. Agitação, por exemplo, não quer dizer concretamente uma boa atividade. Acredito, pois, que todos deveriam cultivar conscientemente a serenidade, a não-violência e o silêncio inteligente. A flor de lótus preciosa, a padma, lótus cor-de-rosa, como símbolo de vida e transcendência, pode nos inspirar para uma efetiva melhor qualidade de vida, onde se insere inteiramente a verdadeira prática naturista, plural, universal, não-violenta, não-sectária, não-ideológica, despojada física e psicologicamente.

Ser naturista não é, enfatizemos, simplesmente tirar a roupa e sair por aí tagarelando, misturando alhos e bugalhos, por falsa erudição, tentando teimosamente confundir ciência e magia, sexualidade com pornografia, liberdade com licenciosidade, naturismo com ideologia ou religião... A mãe natureza, como afirmo documentarmente de longa data, não pede julgamentos, nem acolhe subjetividades. A natureza nos mostra cabalmente, como afirmou C. Darwin, que é através de uma série de lentas mutações, ao longo do tempo, que se processa a evolução, em síntese, sem epifanias ou mágicas. E naturismo é culto ao natural, corpo são e mente sã, numa reverência nua à mãe-natureza. É só isso. É simples...

Busquemos, em silêncio, a verdade feita de imperfeições, pois a natureza não é certinha, comportadinha nem simétrica...

Em tempo:

Em “O Globo”, 16/06/2010, fala-se de uma “quase pelada de pelados junto ao Congresso”... Um grupo de estudantes da Universidade de Brasília fez um protesto diferente, tentando alertar sobre a alienação provocada pela velha Copa do Mundo (o que é notoriamente verdade), ficando todos inteiramente nus... Mas estranho mesmo é que o referido protesto pelado incomodou, de forma especial, um grupinho aculturado de índios Guajajara, do Maranhão, terra do velho Sarney... O tal “cacique”, chamado José Dias Lopes, nome nada indígena, teria declarado o seguinte: “Achamos muito estranho isso. Na nossa aldeia, não se vê mais índio pelado”...

É até possível, mas a afirmação é triste, lamentável. Realmente, na aldeia do José Lopes não só não se vê mais índio pelado; na aldeia dele, não há mais índios. O José provavelmente não é branco civilizado, mas deixou de ser índio: é um pária. A nudez dos índios, segundo Darcy Ribeiro, é natural e muito digna! A nudez, do índio ou de qualquer bicho-homem, não pode ser vista como algo insólito. A natureza nunca se preocupou em vestir ninguém ou coisa alguma. Índio com nome português, cheio de roupas, de vícios e de preconceitos, deixou de ser índio há muito tempo; perdeu o trem da história. Que pena!...

Para procurar concluir esse papo tranqüilo, quando falamos de silêncio e paz, e até dos queridos irmãos índios, cito o que escrevi em “Corpos Nus, verdade Natural”, págs. 256 e 257... Tupinambá quer dizer, segundo Torres, “filho da terra”; o grande cacique Cunhambebe, filho da terra, não conhecia o pudor fabricado pelos brancos (e até pelos falsos índios); sua fala era serena, nunca feita de gritos. Cunhambebe era livre! E era certamente um homem nu, natural e solto como a brisa da madrugada. Mas pouca gente pode entender isso. Falta iniciação, falta sensibilidade, falta despojamento. Alguns poucos até “gostam dos índios”, pois se sentem atraídos pelo lado dito insólito de viver nu no meio do mato... Mas é só isso. Fazem parte do “clube da extravagância”. Alguns deles até se dizem naturistas, mas chamam de “nudismo” o ato de ficar nu na janela...

É importante, uma vez mais, salientar que tirar a roupa simplesmente, seja onde for, não configura boa prática nudista-naturista. Só ficar nu não é nudismo, em princípio. Chega de tolices e de falta de conhecimento histórico-filosófico! A questão dos termos “nudismo” e “naturismo” já está claramente e, notem bem, oficialmente esclarecida, não cabendo definitivamente nenhum joguinho de palavras de falsa erudição. Obergfell, dirigente conhecido da Federação Naturista Internacional, escreveu um longo artigo prestigiado, que reproduzi na íntegra, no texto em inglês, nas páginas do meu livro “Naturalmente – Um Perfil Documentado”, afirmando sempre o seguinte: “Apenas o retorno às nossas raízes (desde Ungewitter) irá assegurar a perenidade de um naturismo sereno”. No 29º Congresso Internacional, de 2004, realizado na Croácia, ficou oficialmente estabelecido que os termos “nudismo” e “naturismo” são concretamente equivalentes e podem ser usados sem distinção, o que já era históricamente conhecido e consagrado. Precisamos de conhecimento em lugar de disparates.

Por tudo isso, creio que está na hora, sobretudo, de pensar silenciosamente a respeito da mãe natureza sempre livre, nua e amoral, e igualmente a respeito do naturismo, que, afinal, deve ser simples, sem invencionices, somente natural.
É tempo, aqui e agora, de combater os equívocos recorrentes de uma minoria alienada, valorizando a conscientização de que não se pode (nem se deve) adquirir efetivamente o status de naturista simplesmente por ter visitado “uma colônia naturista” ou ter ficado sem roupas eventualmente ou por questões profissionais... O Naturismo Brasileiro, anotemos, desconhece qualquer “messias” ou “inventor”; o Naturismo Brasileiro tem líderes e pioneiros, mas jamais “foi trazido por algum profeta para o Brasil”... Disparate não é história! Prestigiemos, pois, a historicidade, o estudo, o recolhimento, o conhecimento sereno e a fraternidade nua. Silêncio nobre em lugar de tagarelice barata.

Paulo Pereira

Julho 2010

*Paulo Pereira é biólogo,

estudioso do naturismo e

ex-presidente da Rio-NAT

ppalbion47@yahoo.com.br


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