A NUDEZ ILUMINADA DE WILLIAM BLAKE
Por Jorge Bandeira*
No século da Revolução Francesa, no ápice do movimento Iluminista,
no Século da Razão, um bardo Inglês, poeta, escritor, gravurista,
inovador das artes plásticas, praticamente um “iluminado”, forjou com
sua mente além daquele tempo um olhar paradigmático sobre FORÇA DA
NUDEZ, com sua obra de intenso vigor e que transbordava verdades por
todas as direções.
Blake optou por retratar o corpo nu, de homens,mulheres, jovens e
crianças de forma natural, mas com um movimento de musculatura em estado
de contração, mesmo na imobilidade destes corpos. Uma visão vanguardista
que foi repensanda mais tarde por outro gênio da gravura, Gustave Doré,
o homem que ilustrou A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Aqui nosso
foco é a forma poderosa destes nus de Blake, as cores vibrantes e a
opulência de um traço e de uma profundidade de desenho que transbordava
de um barroco, de um excesso, mas que via a nudez dentro de uma
normalidade verdadeiramente humana.
Os corpos nus de Blake são colocados em primeiríssimos planos na
composição, e os detalhes desta maneira singular de retratar a nudez
passamos a analisar, à luz da historiografia das artes plásticas e da
História. A força que encontramos nas obras de Blake são retratos de um
artista que via na nudez uma maneira capaz de alcançar o absoluto, tal
qual diz em um de seus mais famosos poemas: “Se as portas da percepção
fossem abertas, o homem veria o que é e o que sempre foi: Infinito!”
Este infinito do que trato aqui é a nudez, e de como estamos irmanados
por esta premissa alquímica de William Blake.
A gravura acima é uma das milhares feitas por Blake para a série que
deu origem à seu álbum sobre O Paraíso Perdido, de John Milton, e as
cores usadas molduram a nudez deste ser mortal em toda sua esplendorosa
nudez, seu corpo nu é retratado de forma estendida, livre, desimpedida,
sem amarras, e o seu semblante nos transmite a tranquilidade de quem tem
em sua nudez uma companhia segura, singela, vital. Raios em formas de
auras espectrais emanam de seu corpo transbordante de energia, e a
posição um tanto quanto inclinada de suas pernas, em um ângulo obtuso,
fazem valer o plano elevado em que está nosso personagem ao natural. Uma
perfeita geometria de um corpo que se revigora em sua nudez cintilante.
Blake, ao que consta seus biográfos, pouco usava de modelos-vivos, e
quando fazia uso deste meio para seus trabalhos os modelos passavam por
uma jornada em completa nudez, que duravam dias, até se acostumarem ao
estado despido de seus corpos, quando então o grande bardo os
considerava livres das amarras condicionantes de suas roupas. As marcas
das roupas deveriam sumir de seus corpos. Era uma exigência deste gênio
das letras e da pintura.
Acima, temos uma de suas obras-primas: Isaac Newton, em todo o seu
contorno corporal e com uma das mais clássicas figuras que já foi
pensada, enquanto pose de um modelo, rivalizando com O Pensador, de
Rodin. Esta obra merece uma atenção redobrada, que alguns modelos de
iconografia são necessários para esta análise. Ficamos, então, para não
alongar o estudo, do jogo de luz e sombras, e do excelente
super-objetivo geométrico triangular que este corpo NU nos demonstra.
Vejam que a figura do compasso é replicada na posição da mão
esquerda, da direita, do ângulo das pernas torneadas deste Newton, e
atentemos também ao triângulo formado pela posição dos pés, o que coloca
o espectador a um jogo infinito de possibilidades geométricas a partir
das figuras. Os talhes musculares do corpo é outra ideia genial, pois as
carcaças musculares se sobrepõe, levando a um estado de NUDEZ
totalizante. O triunfal triângulo também está nos contornos do desenho,
feito de forma pioneira, com elementos de chumbo em sua composição,
dando um ar de esfumaçado e sépia às cores do artista. Blake
experimentava como um alquimista as composições e jogos cromáticos.
Vejam, com atenção, que o desenho se bifurca em dois triângulos, um de
matiz azul escuro e outra, inferior, de cor cobre. É uma delícia aos
olhos vislumbrar esta nudez!
Acima, temos mais um magnífico exemplar da perícia e técnicas
inovadoras de William Blake, com cores vibrantes os corpos nus, agora de
uma espécie de família angelical, remetem à tradição greco-romana, onde
a nudez foi tida como uma aliada nas transformações mais essenciais
daquelas antigas civilizações.
A nudez é um eterno movimento, é uma constante busca pelo infinito do
corpo, a nudez transcende ao próprio corpo, parece nos dizer esta
gravura potentosa. Blake continua seu traçado, e a nudez adentra no
núcleo familiar, dos infantes aos adultos, a partir da célula mater da
sociedade, a mãe, esplendorosa em sua nudez, inclusive como a protetora
destes corpos nus, jovens que necessitam de eterna proteção.
A nudez é um forte componente da mensagem artística de Blake, ela
garante a irmandade, a fraternidade, eis a mensagem messiânica que
insere esta nudez numa tradição da pureza corporal pelo despojamento das
vestes. Blake, visto como um místico e visionário, aqui tem na nudez sua
companheira segura, seu porto atraente e de um dinamismo onde um corpo
nu é visto em todo o seu clamor de liberdade e espontaneidade.
A nudez, em William Blake, é sua companheira de todas as horas, de
todos os matizes, em todas as suas qualidades de desmacaramentos de
preconceitos e de avanço civilizatório, da convivência entre os corpos,
sem as imposições mantidas pelos séculos têxteis que tradicional e
conservadoramente amarram as conquistas da humanidade. Se a nudez não é
uma solução, sem dúvida ela é uma alternativa. Blake, o poeta naturista,
enxergava além.
Canções da Inocência e Experiência, livro totalmente ilustrado por
Blake, e mais uma vez ele coloca no mais alto degrau estético a NUDEZ, a
nudez que ele semeou em nossos corações e nos de seus contemporâneos,
num Iluminismo revigorado pelas imagens onde o ser humano é resgatado em
sua essência, a nudez, capaz de tornar este homem um dinâmo em eterno
movimento, e seu corpo nu, torná-lo-ia em arauto de uma aurora em estado
de fogo, fogo que incinera as vestes e libertaria o homem de suas
amarras.
*Jorge Bandeira é autor do Cordel “Luz Del Fuego: pioneira do
nudismo no Brasil”, publicado pela editora Acauã, de Fortaleza, em 2005.
vicaflag@hotmail.com
(enviado em 20/09/2010)