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Jornal Olho nu - edição N°125 - abril de 2011 - Ano XI

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A NUDEZ HUMILHADA

por Jorge Bandeira*

A força de uma imagem vale por mil palavras. A mídia de um modo geral trabalha com a nudez de forma bastante curiosa, subvertendo seus valores a partir do que encara como conceito estabelecido e regras de comportamento que são perpetuados por nossa sociedade dita civilizada. A nudez, então, é colocada numa situação de encruzilhada conceitual, ao sabor das celeumas e impactos causados pelo corpo nu, seja de homem, mulher, criança ou idoso. É esta capacidade de infringir suas amarras que me detenho a refletir sobre a condição da nudez nesta mídia contemporânea.

Um corpo esbelto de mulher numa passarela é tido na mídia, geralmente, como sinônimo de beleza, não se pode contestar este fato. Mesmo que por trás desta valorização exista uma poderosa indústria da moda, dos cosméticos e dos reguladores de apetite e demais soluções mágicas para o emagrecimento, com satisfação para todos os padrões sociais, do pobre ao rico, todos podem ter este direito benéfico ao corpo das modelos das passarelas. Gisele é o ícone do século XXI como padrão a ser alcançado, muitas das vezes buscando-se a terrível lógica de Maquiavel de “os fins justificam os meios”.

Intervenções cirúrgicas e de toda espécie, com uso de drogas poderosas para inibir o apetite estão nos anúncios das mídias, em todos os lugares. O fato é que a nudez, dentro destes valores, torna-se uma nota pálida de rodapé, e quando é alçada para questões centrais dos noticiários o que encontramos são situações em que esta nudez é afrontada e violentada no que tem de mais visível, qual seja, o modo como o olho observa esta nudez.

Podemos elencar várias situações, que para os historiadores da escola das mentalidades, que buscam uma visão mais abrangente sobre a História do Corpo, da Nudez e do Pudor, se debruçam com análises documentais, especialmente com o que a ciência histórica nos legou no campo da iconografia, onde a fotografia e a arte dariam este testemunho seguro sobre estas “visualizações emergentes” da nudez através dos fatos históricos. Umas destas mais caras iconografias fotográficas são as conhecidas e divulgadas fotos dos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Todas as imagens remetem, inapelavelmente, a práticas humilhantes, sádicas, perversas, dos nazistas para com os prisioneiros judeus. Poucos lembram que a perseguição nazista também incluiu aos negros, homossexuais e ciganos, considerados como raças abjetas e que deveriam, como os judeus, também serem alvo da “solução final”.

A nudez das fotos dos prisioneiros nus criou no imaginário coletivo uma situação onde estar nu é humilhante, é a ante-sala da morte, é um ato de agressão ao ser humano. Até nisso os nazistas trouxeram de negatividade, ao perpetrar estas imagens, usadas e abusadas em fotos e filmes, onde a nudez causa um verdadeiro asco, o que não poderia ser diferente. Podemos colocar no rol das vítimas do nazismo mais uma, também negligenciada, a nudez, que foi vilipendiada pelos asseclas do ditador Adolf Hitler. Curioso lembrar que o mais importante fotógrafo das multidões nuas, Spencer Tunick, numa recente entrevista, colocou que prefere usar fotos coloridas em suas obras onde retrata muitos nus do que as em preto e branco, pois para ele as pessoas já “cravaram” em seus inconscientes que muita gente nua, juntas uma das outras, lembraria os campos de concentração durante a Segunda Guerra, o que repercute a visão dos historiadores quanto ao poder das imagens em nosso inconsciente. A nudez foi estigmatizada, portanto, na Alemanha nazista, na Rússia Bolchevique, ou na base norte-americana de Guantánamo. O ódio contra a nudez não tem ideologia.

Nudez seria, nesta visão, motivo de sofrimentos e torturas. Sobre Guantánamo, não esqueçamos, foi fartamente utilizada as fotos das torturas com os prisioneiros nus, amontoados, servindo de cadeiras humanas, com ferozes cães na eminência de dilacerar seus genitais, enfim, um mar de atrocidades, onde mais uma vez a nudez exposta foi modelo de expiação, de culpa, de perseguição.

No viés da escola das mentalidades, no campo da ciência da História, todos estes fatos, levados à mente humana de forma intermitente, causam uma sensação de repulsa não só pelo ato, mais para a forma eminente do ato que começa e emerge, lógico, pela visualização de um corpo despido. O corpo nu, então, já começa a ser violado no simples fato de sua exposição, a primeira mensagem, que se torna subliminar pelo poder da ação é clara: não fique nu, você corre perigo.

O que coloco para refletirmos é que esta nudez é a vítima principal, se formos entender este propósito de uma nudez natural como necessária e benéfica ao ser humano. Pode parecer estranho num primeiro momento da análise, porém a avalanche de nus em posição pejorativa e depreciativa nos indica que o cartão de visita do homo sapiens, o seu corpo nu, natural, carrega um estigma de expiação e pena que ultrapassa etapas históricas.

Basta recuarmos para o período medieval e visualizarmos as formas de tortura, geralmente colocadas suas vítimas, como as bruxas, por exemplo, nuas e em estado de provações físicas extremas e humilhações, culminando com a execução brutal na fogueira da Santa Inquisição. A nudez dos prisioneiros de Guantánamo só comprova aos historiadores que não se vinculam ao materialismo histórico que o objeto de estudo NUDEZ também é um poderoso documento para a compreensão desta História negligenciada, onde a nudez é vista de forma obtusa, eclipsada por momentos de rebaixamento do ser humano, e onde esta mesma nudez, atacada por todos os lados, consolidaria seu conceito, dentro de nossa sociedade, como algo a ser ultrapassado, tendo em conta o grau elevado de humilhação a que todo ser humano estaria sujeito ao ter seu corpo nu exposto, valendo isso para situações extremas de violência, ou no campo mais plausível de todos nós, ultrapassando a familiar porta de nossos quartos, onde nossa nudez poderia ser vítima dos olhares inquisidores dos mantenedores da “conduta correta” e da postura aceitável na sociedade em que vivemos, ou sobrevivemos.

*Jorge Bandeira é amazonense de Manaus,

historiador, graduado e pós-graduado pela

Universidade Federal do Amazonas.
Manaus, 09 de março de 2011.

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(enviado em 9/03/11)


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