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Jornal Olho nu - edição N°143 - Outubro de 2012 - Ano XIII |
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Naturalmente - outubro de 2012
por Paulo Pereira*
Recolhido no meu tugúrio secreto, percebo, com mais nitidez, que a solidão consentida realmente pode proporcionar iluminações… Mergulho, afinal, no âmago sutil de mim mesmo, no nada-tudo essencial, ao encontro de harmonias e de paz. Vejo um pouco melhor com os olhos da mente, certamente sem vestes e máscaras, a nudez integral. E, driblando a insônia do fim da madrugada fria, remexendo papéis e livros da velha estante, encontro o “Segundo Caderno/ O Globo – 13/07/2012”, e releio uma página de Fabiano Moreira, que proclama, enfático, que toda nudez será iluminada… O fato é que, em algumas escapulidas noturnas, um tal de Shaffer, fotógrafo, faz fotos de homens totalmente nus, preferencialmente em locais públicos ou desertos… O texto de Fabiano Moreira assinala: “Misturando fotografia, fetiche, web 2.0, aplicativos de relacionamento, aventura, transgressão e uma boa dose de humor, frequentemente materializada por modelos usando uma máscara do anão Zangado, um pernambucano radicado no Rio, de 36 anos, funcionário público, criou o blog Light Trapping. As fotos dessas pequenas diligências noturnas incluem imagens pra lá de interessantes, ora poéticas, ora engraçadas, muitas vezes eróticas, por mais que delicadas”. O referido fotógrafo do nu exótico, inusitado, usa uma câmera D300 e busca as oportunidades para suas fotos. Humor, arte, erotismo, transgressão e aventura sempre interessaram os seres humanos, de longa data. As fotos do amigo Shaffer podem, espero, contribuir para nos fazer pensar mais um pouquinho sobre a natureza humana, a nudez inapelável, todas as verdades nuas e sobre nossas máscaras e desejos… Sexo e fantasias são da natureza do bicho-homem. É só preciso perceber a realidade sem culto de hipocrisias.
Quando destaco novamente a nudez como foco, como tema, registro igualmente perspectivas incomuns. Releio o belo livro assinado por Pierre et Gilles, Éditions du Chêne, Hachette Livre – 2006, intitulado “Corps Divins”, com texto de Odon Vallet. O leitor ganha de fato um presente de bom gosto, uma coleção plena de modelos nus e seminus, e mais o sol, os pássaros, as flores, o mar, as estrelas e a lua, as nuvens, até a neve e o vento… O texto de Vallet é sucinto, plástico, direto. Adão, por exemplo, descobre que está nu, e surgem os jardins do paraíso, mais homens nus, inclusive nu frontal e muitas flores, o Nirvana… Escravos, budas, santos, também o diabo, o purgatório, a tentação de Santo Antônio, Salomé, uma foto de modelo nu com pênis ereto, e um pequeno jardineiro urinando em meio a muitas flores… Devaneio e criatividade. Beleza inquietante. Nudez sem tabus!
Em outro monte de jornais selecionados, encontro a edição festiva de “O Globo”, renovada, reformada graficamente, de 27/07/2012, e leio um pequeno perfil do padre jesuíta Josafá Carlos de Siqueira, ilustre Reitor da PUC-Rio, que fala, entre outros assuntos, de Ciência e de Deus, e se diz um grande cinéfilo, um decidido “ecólatra” (neologismo nada científico), um alegre tricolor e, sobretudo, um grande amante dos bons vinhos. Percebe-se claramente que o simpático sucessor do velho padre espanhol Jesus Hortal quer implementar uma agenda ousada, complexa. Josafá, segundo o que foi escrito, ensina geografia e ética ambiental, e declara, afirmativo, que não há conflito entre ciência e fé, pois, segundo ele, estamos em uma era de convergência, o que efetivamente pede uma melhor explicação. Diz, então, Josafá: “Sou um brasileiro apaixonado pela natureza. Radicalismos não resolvem nada, pelo contrário, acirram as fragmentações dos olhares, essa praga. Deus para mim é amor, e esse amor pairava e acompanhava os processos na Terra… Para a formação da consciência ecológica, ou ambiental, não se pode ficar num plano teorizado e manifestativo, em que as pessoas protestam sem conhecer”… Concordo que fundamentalismos e radicalismos não conduzem a nada de valor real, mas é preciso realmente não só olhar mas sim perceber, procurar estudo, formação acadêmica, sem confundir métodos e conceitos entre ciência e movimentos sociais, ideológicos. Conhecimento em lugar de elucubrações. Josafá tem razão: é indispensável saber antes de protestar… Mas é preciso muito cuidado e critérios definidos para que possamos evitar confusões e enganos, mesmo com bons propósitos. Paixão pela natureza e consciência ambiental não são necessariamente Ciência, não servindo para transformar ninguém em especialista científico, em ecologista. O texto de “O Globo”, de autoria de Arnaldo Bloch, afirma que o padre Josafá tem formação em Filosofia, Teologia e Biologia, sendo doutorado em “botânica vegetal”, um conceito que desconheço. Existe alguma “botânica” que não seja “vegetal”? O padre Josafá é biólogo diplomado, com mestrado e doutorado em Biologia, em Botânica? Não ficou muito clara essa questão, mas vale certamente a mensagem positiva na defesa da natureza, e o bom gosto do amigo Josafá pelos vinhos, pelos jardins e pelo Fluminense, tantas vezes campeão…
E, para não me perder em possíveis divagações, vou diretamente a outra matéria de interesse científico, publicada também em “O Globo”, em 09/08/2012, de autoria de Cesar Balma, sob o título de “Descoberto mais um ancestral”. Sem preocupação conveniente com convergências e sincronicidades, hipotéticas e afoitas, a ciência busca provas e contraprovas, evidências sólidas que aceitem investigação profunda, e novamente aponta para a diversidade e antiguidade das origens do homem, primata, mamífero, dito racional… É importante reproduzir partes do texto de “O Globo”, que ressalta, mais uma vez, de forma documentada, que o ser humano não surgiu por milagre, mas através de longo processo evolutivo, como explicou C. Darwin, recordemos. Podemos admitir que, como quer o “ecólatra” Josafá da PUC, “um grande amor poderia pairar e acompanhar os processos que antecederam nossa presença na Terra”, mas a ciência (Biologia, Antropologia) não investiga propriamente o amor, mas os dados efetivos obtidos pela pesquisa respaldada. Vamos, então, sumariamente, ao texto mencionado: “A família humana é muito maior do que a imaginada, e várias espécies de hominídeos conviveram no berço ancestral da Humanidade, a África. Fósseis de quase dois milhões de anos de idade encontrados na África, nos últimos anos, seriam a confirmação de que diferentes espécies do gênero Homo conviveram por milhares de anos na região onde o homem moderno, o Homo sapiens, evoluiu. Até meados do século passado, o consenso entre os cientistas era de que o mais antigo integrante do gênero era o Homo erectus, que teria surgido no continente africano há cerca de 1,9 milhão de anos e se espalhado pelo mundo, com seus últimos remanescentes tendo vivido até apenas 100 mil anos atrás. Em 1964, no entanto, o paleontólogo Louis Leakey e equipe descobriram, na Garganta de Oiduvai, na Tanzânia, registros de uma espécie ainda mais ancestral, que batizaram de Homo habilis, numa referência às ferramentas primitivas de pedra encontradas na mesma camada de sedimentos dos fósseis.” É importante perceber, e anotar, que o ser humano tem uma evolução longa e documentada, sem saltos loucos ou milagres, conforme a natureza. O artigo acrescenta, então, que Fred Spoor, da equipe de Leakey, da University College of London, explica: “Temos boas evidências de que há pouco menos de dois milhões de anos tínhamos duas linhagens de antigos Homo. A África era um local movimentado e a evolução humana claramente não é a linha reta como muitos imaginavam, com um único ancestral comum levando diretamente até nós. Muitas espécies conviveram”… Trata-se, pois, enfatizemos, de uma longa evolução, sem linhas retas, assimétrica, rica, sem disparates de anticiência. Ciência e fé podem até ter pontos em comum, mas tem método e fundamentos distintos, que não pedem síntese interessadas. A fé é sempre uma questão subjetiva, pessoal, íntima, nem por isso menos importante, mas sem privilegiar confusões.
Pessoalmente, tenho procurado salientar o valor da busca do autoconhecimento, da pesquisa atenta da consciência, com o objetivo, sobretudo, de obter melhor qualidade de vida. Já tive a oportunidade de citar, e sublinhar, as palavras sábias, por exemplo, de Thomas Merton, monge, promovendo preciosos diálogos com o silêncio. Enganam-se rotundamente os que, precipitados e pouco profundos, julgam que eu possa ter um discurso contra a dita espiritualidade. Apenas separo ciência e fé, conhecimento e mito, realidade e subjetividade e, por certo, naturismo e religião! Creio que viver é experimentar, buscar conscientemente, sem dogmas ou crendices, porque o mistério faz parte das essências universais. O referido Thomas Merton nos convida à reflexão, à busca da grande liberdade, da liberdade da solidão… A sabedoria pede referências, silêncio vivo e vigilante, nos fazendo perceber que nós, humanos, não sabemos bem onde estamos indo, e parece indispensável procurar bons caminhos, sem egoísmos, sem ufanismos, sem preconceitos, sem objetividade burra, sem barulho, sem tagarelice inconsequente…
Nesses tempos de refúgio e de busca serena, repito aqui as palavras de Merton: “Esta solidão confirma meu chamado à solidão. Quanto mais penetro na solidão, mais a amo. Um dia ela me possuirá inteiramente, e ninguém mais me verá… Viajarei para Ti, Senhor (partícula eterna de luz) por milhares de becos sem saída. Tu desejas trazer-me para Ti através de paredes de pedra”… As pedras do caminho machucam, mas não impedem a caminhada, sobretudo, porque nossa tarefa é caminhar ao encontro de nós mesmos, nus de corpo e alma, infinitos. ____________________ x ____________________
PS: Meio encerrado em mim mesmo, por vezes inacessível, sempre no culto consciente do silêncio nobre, traço linhas de fuga, de fuga do aleatório, do supérfluo, sobretudo, e afundo em pesquisas e anotações, enquanto espero que o provisório se canse e o menos incerto se afirme; é hora de não procrastinar, de não olhar o vento passar, dando os passos firmes na senda das verdades.
*Paulo Pereira Escritor, tradutor, biólogo, o naturista mais antigo do Brasil. |
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