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Jornal Olho nu - edição N°144 - Novembro de 2012 - Ano XIII

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Naturalmente - novembro de 2012

por Paulo Pereira*

 

Inúmeras vezes salientei a importância de buscarmos a boa percepção, o olhar perceptivo em vez do simples olhar, o conhecimento, e talvez a sabedoria, em lugar do acúmulo obsessivo das informações. Devemos nos esforçar para ver mais longe, mas sem perder a perspectiva da realidade.

 

A respeito objetivamente da questão da percepção, Denise Alves, bióloga, escreveu “Olhar Perceptivo”, um estudo científico sobre percepção, corpo e meio ambiente, obra patrocinada pelo IBAMA, 2010, que me foi presenteada, autografada, quando, em troca, encaminhei a ela, Denise, um exemplar do meu livro “Sem Pedir Julgamentos, conforme a natureza”, 2011. Os estudiosos da ciência trocam conhecimentos em vez de palpites e vaidades. Denise, em colaboração com Leide Marques Peralva, aborda, sobretudo, questões ligadas à teoria e prática da sensopercepção em educação ambiental e, já no prefácio, salienta o processo de sentir, perceber, refletir e agir na práxis educativa. A exemplo da natureza que não dá saltos, a ciência consagra a experimentação em lugar da superficialidade, da generalização afoita. Não se trata, entretanto, aqui e agora, de fazer qualquer análise ou releitura do texto de Denise, mas, de passagem, sublinhar aspectos que julgo valiosos. Denise salienta, com perspicácia, que é indispensável compreender a questão ambiental como decorrência da relação sociedade-natureza, o homem (esse primata paradoxal, inquietante) e a natureza indomável, soberana, nua… O ser humano, inclusive como coloca a bióloga Denise Alves, desde a infância, recebe um treinamento não abrangente por excelência, que o ajudaria a perceber integralmente essa relação homem-natureza. Denise é precisa ao observar que “entre a natureza e a cultura, a distância aumenta à medida que o ser humano sofre assédio ideológico crescente, que inclui a escola, os meios de comunicação social, novas tecnologias e as diversas formas de controle e poder, que, sob a bandeira da liberdade, o convidam a consumir, e lhe oferecem um espelho partido”… O assédio ideológico, o assédio político-religioso inclusive, frequentemente é a moldura, e a essência, do mencionado espelho partido, que fragmenta a imagem, que dificulta o olhar perceptivo, afinal. Os mitos não são Ciência! E a colega Denise põe o dedo na ferida: “À medida que o corpo reproduz os valores eleitos como positivos, pois a cultura a todo momento procura confirmar suas normas, criam-se conflitos que atravessam os indivíduos e os grupos. Os aspectos negados na natureza são violentamente combatidos no próprio corpo. A fluência e a integração são desestimuladas em favor da fragmentação da percepção e do conhecimento. Os rituais de limpeza e de higiene lembram, insistentemente, que o ser humano digno não deve se confundir com o mundo dos “baixos instintos”, da sujeira que vem da terra, do prazer da animalidade, da natureza que invade e perturba os domínios da cultura. Segundo Rodrigues (1979), as secreções do corpo são envoltas em nojo, por sugerirem a irrupção desordenada do mundo interno, orgânico, no mundo cultural, por transgredirem as divisões entre o lado de dentro (natureza) e o lado de fora (cultural). O tabu do corpo, estudado por Rodrigues, chega aos dias atuais ao ponto extremo de repressão…” Será que os fariseus de plantão vão admitir serenamente essas verdades? Há muita gente boa, com cara de santidade, que tenta ignorar a natureza, os instintos, as verdades biológicas, a nudez natural, e até elucubra, muitas vezes com frases empoladas (e pobres), perseguindo seus interesses, justificando sua miopia intelectual, confundindo, afinal, ciência e ideologia, por certo, naturismo e conceitos sócio-ambientais ou metafísicos… Dizer o quê? O tabu do corpo se disfarça na nudez como mito, como concessão idealizada, como uma extemporânea escultura barroca, meio angelical. A ciência e o verdadeiro nudismo-naturismo pertencem à outra margem: a da verdade nua! Os instintos seriam, então, deletérios, e a dita pudicícia uma virtude suprema? Faço a pergunta, mas sem pedir respostas ou julgamentos, apenas esperando a reflexão, por acaso tão rara e difícil nesses tempos meio irracionais, automatizados, artificiais demais. Mas há esperança e exceções, felizmente, sempre. A vida é rica e assimétrica, supondo a evolução pelo contraste e pela adaptação, pela mutação e pela síntese proveitosa.

 

E o alívio pode vir do olhar perceptivo, que penetra as artes. Sim, porque, ao renascer da primavera, em 23/09/2012, a festejada “Revista O Globo” estampou, na capa, a cores, um corpo nu feminino, pernas abertas, vagina peluda exibida, tudo sob o sugestivo título de “A Perseguida”… Alguns levaram um susto, outros até guardaram a revista numa gaveta para não ser vista facilmente, mas houve comemoração, risinhos histéricos, frases feitas pretendendo naturalidade, e poucos comentários lúcidos. A nudez ainda é tabu? Em todo caso, a referida genitália feminina está contida numa obra antiga, falada, polêmica, datada de 1877, do artista francês Gustave Courbet, curiosamente chamada de “A Origem do Mundo”… E, no texto da “Revista”, as palavras do filósofo Adauto Novaes: “Há um processo muito reacionário no mundo no campo da política e da moral. Hoje, o conservadorismo é muito maior do que nos anos 1960 e 1970”… Pudores, exageros, desinformação e censuras à parte, fica a impressão, talvez, de que falta, sempre, o bom conhecimento, até porque a vida mudou muito desde o século XIX. Será?… Mas vale a pena repensar o nu, as artes, o natural, a natureza sem véus, sobretudo, quando o foco eleito é o do nudismo-naturismo e seus fundamentos. Mas é indispensável, enfatizo, a busca sem tréguas da referência histórico-filosófica. Já na conclusão, por exemplo, do meu livro “Naturalmente, Um Perfil Documentado”, 2008, salientei, respaldado, que o nudismo-naturismo é, em síntese, simplicidade natural, nua e fraterna, priorizando o coletivo, o universal.

 

Quando alguns excessos criativos ressurgem, relembro a notável obra de William Welby, sob o título de “It’s Only Natural, The Phylosophy of Nudism”… O conhecido autor de “Mind Your Mind”, no qual dedica um pequeno capítulo à “Psicologia das Roupas”, escreveu uma extensa trilogia, composta pelo título primeiro acima citado e mais outros dois títulos, a saber: “Naked and Unshamed” e “The Naked Truth”, trabalhos, inclusive, analisados pelo amigo Jorge Bandeira nas páginas da “Brasil Naturista”, com o brilho costumeiro. E falo em Welby, de novo, porque é oportuno, parece-me, ressaltar observações essenciais. Welby nos diz, com precisão e clareza, que os praticantes do nudismo (ou naturismo) são pessoas como as demais, essencialmente naturais, quer dizer: nasceram nuas e vivem conforme a natureza… Conforme a natureza, e não conforme as ideologias. É certo que os nudistas tem consciência, corpo e alma, possuem fala articulada, mas não surgiram por milagre, nem são parte de alguma seita esotérico-permissiva, que elege a nudez como fantasia. Naturismo não é uma ideologia, uma onda, uma doce mania. Welby, em seu belo texto, nos lembra a importância do esporte, como a I.N.F. o faz em seus “Estatutos”, valorizando os exercícios físicos apropriados a cada um e de aperfeiçoamento da capacidade respiratória.

 

Tratemos, pois, de melhorar nossa conscientização, nosso entendimento a respeito da prática centenária do nudismo-naturismo, modo de vida que é apenas natural… Amar, pois, a natureza seria uma condição para que cada homem gostasse de si mesmo, mas sem falsa erudição científica, afinal. A consagrada definição oficial da I.N.F. (desde 1974, em Agde), observando-se que ter tempo não quer dizer ser ultrapassada, proclama, com clareza e propriedade, que o naturismo é uma forma de viver, um comportamento consciente, em harmonia com a mãe-natureza, livremente, naturalmente, simplesmente, sem pedir julgamentos, eu diria… E esse amor pelo natural, essa naturalidade, como base, como alicerce, para construir, então, o respeito, a consideração cidadã pelo outro, pelo diferente de si mesmo, tendo como espelho, como referência, o auto-respeito, o auto-conhecimento, sem hipocrisias, com noção de seus limites, afinal. E tudo isso posto, acrescido do cuidado com a natureza soberana, com o meio ambiente, nossa vida, nossa Terra… A definição oficial não sublinha cores, raças, status, sexo, idade, nacionalidades, crenças, ideologias, contemplando integralmente a todos, sobretudo o não-preconceito, o universal. O naturismo, tão discutido e tão confundido, pede serenidade e conhecimento, a busca concreta da integração homem-natureza pelo olhar perceptivo, inteligente, afastando velhos hábitos míticos, desprezando velhas fantasias, despindo corpo e mente, esquecendo velhos pudores descabidos, sem falsa ciência, sem tentar elucubrar sínteses pobres, sem limitar, sem criar guetos e divisões, sem lenço e sem documentos. O índio nu não veste gravata…

 

Em tempo: Considero importante, além de oportuno, que tratemos de evitar o excesso de improvisos, quer seja na vida cotidiana ou na prática nudista-naturista em particular. Os naturistas autênticos devem perceber que, quando tudo se transforma em produto, em mercadoria, muitos “espertos” tentam fazer das várias formas de culto ao corpo, uma espécie de panaceia, de solução mágica para tudo, mas a mãe natureza não faz concessões à mediocridade, aos modismos, nem aos jeitinhos pessoais… A nudez, essência fundamental, física, natural, da prática nudista-naturista, não é um mero produto de prateleira de supermercado, sempre à mão quando se paga…

 

O naturismo (nudismo social moderno) é, pois, uma forma de viver, que faz da nudez social-consciente um meio (até um método) de integrar corpo e mente, livremente, simplesmente, naturalmente, sempre sem criar divisões ou compartimentos. É bom não inventar! O corpo humano não é sujo, indigno, indecente, pecaminoso, e os instintos não são inferiores, repulsivos, deletérios… Sem esquecer, nem tentar disfarçar, que a prática nudista-naturista não deve ser pretexto para nada estranho, ou assessório, que fuja da percepção histórico-filosófica já consagrada.

 

(27/10/12)

*Paulo Pereira

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.


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