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Jornal Olho nu - edição N°170 - Janeiro de 2015 - Ano XV |
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O culto da nudez por Arthur Virmond de Lacerda Neto* 13.XII.2014.
Intitula-se “O culto da nudez” o livro publicado por Rogério (Roger) Salardenne, em 1929, na França, com 189 páginas, formato in-16 e dez fotografias (vermelhas) de gente nua, homens e mulheres, em atividade física no campo.
Sub-intitulado de “Sensacional reportagem na Alemanha”, nele o seu autor relata, sob forma memorialística, a sua viagem de observação dos meios nudistas alemães. Seguiram-se-lhe dois livros, do mesmo autor e iguais tema e método, “O nu integral entre os nudistas franceses” e “Um mês entre os nudistas”, ambos de 1931.
A primeira experiência de Salardenne, em Berlim, pertinente à nudez, correspondeu à sua perplexidade perante uma revista alemã de nudismo, que encontrou à venda, em público, ilustrada com fotografias de nus masculinos e femininos, em meio a dez ou doze similares a ela.
Encorajou-se e adquiriu-lhe um exemplar: tratava-se de Licht-Land, Luz-terra, órgão oficial da Liga para a instituição da vida livre, que adotava por divisa “Que o homem seja livre, que o seu corpo seja livre!”.
“Esta gazeta é gazeta séria, tudo quanto há de sério e não publicação clandestina, como acreditei...”, pondera ele a respeito dela (p. 13), que continha relatos das reuniões da liga, ilustradas com instantâneos, tomados ao ar livre.
A multiplicidade de publicações nudistas indiciava, na ponderação de Salardenne, a extensão formidável que assumira a cultura do corpo livre (locução pela qual se traduz, do alemão, Freikörperkultur, designação germânica de nudismo).
Em um café, ele interrogou um estranho, Henrique Reichardt, que lhe foi identificado pelo garção do estabelecimento como nudista. Indagado sobre as origens do nudismo, o entrevistado aludiu ao monge Pelágio, do quinto século da nossa era, “apóstolo da liberdade integral” (como o qualificou Reichardt), criador do primeiro grêmio nudista da história. Mais tarde, prossegue o respondente, em 1890 Gustavo Nagel esforçou-se por reviver a iniciativa de Pelágio, com êxito parcial; em 1920 ou 1921 a gimnosofia floresceu na Alemanha em que, em 1929, havia “número incalculável” de sociedades nudistas, dentre as quais se sobressaíam a União Pelagiana (Pelagianer Bund) e a União para a cultura do corpo livre (Bund für Freikörperkultur), ambas sediadas em Berlim.
Havia, segundo o respondente, dois milhões de nudistas na Alemanha, cujo motor exprimia-se pela fórmula “A natureza criou-nos nus, então devemos viver nus” (p. 22). Não se tratava de regresso à natureza, senão de combate ao vestuário, “invenção supérflua”, e ao pudor, “forma de perversão” (p. 22).
“Pudor é sinônimo de hipocrisia”, acrescentou (p. 22); e mais: “O corpo humano deve ser livre” (p.22), no interesse, também, da sua sanidade, o que compreenderam os galenos, que recomendavam os banhos de água, de ar e de sol, fatores de numerosas curas.
Quanto ao aspecto da moralidade, elucidou o entrevistado: “Tudo que é ocultado atrai a curiosidade. Mostre-o às claras e ninguém mais lhe ligará...” (p. 23).
O entrevistado explicou o funcionamento dos grêmios nudistas: havia balneários mistos, em que homens, mulheres e crianças banhavam-se em comum e pelados; havia salas fechadas e parques ao ar livre em que se expunham ao Sol enquanto praticavam ginástica sueca, desporto, jogos, danças plásticas, cursos de educação sexual e não só. No lar, também desnudavam-se, o que custara multa ao entrevistado, por haver sido visto nu na sua casa, por alguém, do exterior dela.1
A convite de Henrique Reichardt, Salardenne visitou um parque nudista, situado nos arredores de Berlim, onde observou a convivência dos nudistas e os seus passatempos, dentre os quais uma ciranda de mulheres nuas, o que lhe provocou ereção (a que Salardenne jamais se refere explicitamente, senão por eufemismos ou paráfrases, a exemplo de “sensação estranha” e “efeito extravagante”, sintomas, por sua vez, da pudibundaria existente nos seus leitores) e a perplexidade motivada pela declaração do seu anfitrião de que a habituação à nudez suscitava indiferença por ela, ao invés de excitação.
Dado que, todavia, Salardenne experimentara excitação e não indiferença, Reichardt esclareceu-lhe: “Tranqüilize-se... O que lhe acontece nos aconteceu a todos, no começo...”; acrescentou: “E é porque você está vestido... [...] Se você se despisse, o fenômeno cessaria imediatamente.” (p. 40).
Com efeito, no prosseguimento das suas observações, publicadas nos seus outros dois livros, Salardenne confirmaria o efeito sexualmente neutro da nudez coletiva, ao contrário do que supõem as pessoas bisonhas no nudismo.
Reichardt mantinha-se desnudo no seu lar, mesmo no inverno. Dormia nu e não aquecia o seu quarto; de manhã, sob zero grau, no banheiro desaquecido, não sentia frio. Daí a sua conclusão, de que “poder-se-ia facilmente acostumar uma criança à nudez constante, em todas as estações” (p. 42). Acrescentou: “Outro exemplo: em Paris, há, todos os anos, no dia do Natal, a travessia do Sena a nado... Ouviu dizer que um nadador morresse de frio?”, ao que Salardenne ripostou-lhe negativamente.2
Dias depois, em entrevista a Bernardo Gröttrup, presidente da União Pelagiana, este corroborou-lhe que alguns nudistas entusiasmados viviam quase continuadamente nus, mesmo em pleno inverno e sob neve. Informou-o, também, de que os países escandinavos, notadamente a Finlândia, achavam-se ainda mais avançados do que a Alemanha, no capítulo da cultura do corpo livre, presente, em número avultado de adeptos, na Dinamarca, na Tchecoslováquia, na Áustria, na Romênia e na Rússia.
Gröttrup ponderou-lhe que “a vestimenta tomou lugar demasiado grande nos nossos hábitos. Contudo, deveríamos nos esforçar pela nudez tão freqüentemente quão possível e mesmo julgo que as novas gerações, se as levássemos a viver nuas desde o nascimento, poderiam desafiar sem perigo as variações climáticas” (p. 52).
Adversários do nudismo, havia-os na Alemanha: “principalmente o clero, cujos princípios religiosos nós chocamos forçadamente. Contudo, há alguns pastores protestantes que se interessam pelas nossas ideias”, dos quais um redigira obra intitulada “Teu filho nas vestes de Deus” (Dein Kind in Gotteskleid), acrescentou Gröttrup, ainda segundo quem a maioria das gazetas de esquerda apoiava o nudismo, ao contrário das de direita e de centro.
A imprensa esquerdista frequentissimamente dedicava artigos à cultura do corpo livre; com quase unanimidade aprovou a representação teatral promovida pelo professor Adolfo Koch, diretor da Escola de Cultura Física Naturista (Private Heilpädagogische Körperschule), com alunos (homens, mulheres, crianças) despidos no palco, o que motivou os aplausos entusiastas de espectadores numerosos. Representações similares repetiram-se no interior da Alemanha, como a de Ludwigshafen, que atraiu mais de uma miríade de pessoas. No momento da entrevista, Adolfo Koch achava-se em vias de produzir filme cinematográfico destinado a ser projetado, na primavera seguinte, por toda a Alemanha.
Ingressava-se no grêmio pelagiano mediante o preenchimento e subscrição de formulário, em que se lia: “Reconheço, pelo presente, que a prática da vida nua, em que tomam parte os dois sexos, com o corpo inteiramente despido, e em lugares especialmente designados, parece-me não apenas benéfico à luz dos costumes e da moral, porém ainda à da saúde corporal” (p.54). Os neófitos, que se despiam em público pela primeira vez, sofriam algum embaraço; os que se intrujavam para, por mixoscopia, contemplarem, eroticamente, a nudez feminina, eram prontamente eliciados.3
Em 1927, o dr. Fränzel abriu escola de nudismo discente (mista) e docente em Lüneburg (Hanovre) Alemanha, posteriormente à fundação de estabelecimento similar, na Suíça, pelo dr. Rolliers, em que os alunos trajavam roupas ligeiras. Seguiram-lhes o exemplo, na Inglaterra, Faithful, com a sua Priority Gate School; Weitkus, em Magdeburgo e Koch em Berlim.
Em um café de Dresden, Salardenne entabulou conversação com um nudista, segundo quem a nudação promoveria a extinção da tuberculose. “Por mais limpo que se seja, é impossível manter os trajes em estado de limpeza perfeita. Eles atraem e abrigam milhares de micróbios, impedem o corpo de desenvolver-se, atrofiam-lhe os órgãos. A nudez integral, senhor, é o fim do vício, das paixões escandalosas, da luxúria...”, ponderou-lhe o gimnosofista (p. 67), para, logo após, adir-lhe que, em casa, ele despia-se tão logo nela adentrava. Se surgiam visitas, em regra adesas à gimnosofia, também elas se desnudavam; no caso de estranhos (como entregadores de mercadorias) a empregada avisava-o da presença deles. Ela própria mantinha-se desnuda na casa do seu patrão, de noite, quando não se receava mais o surgimento de visitas.
Salardenne indagou ao nudista como procediam as mulheres, quando menstruadas. Eis a resposta: “Não há nenhum inconveniente, senhor, em que a mulher se conserve nua nestes momentos... Não se esqueça de que nós somos os apóstolos da Natureza e que esta lei é uma lei natural... Por que dissimulá-la perante outrem?” (p. 70).4
Invitado pelo nudista a jantar-lhe em casa e em companhia das suas (do nudista) mulher e filha criança, Salardenne acedeu ao convite. Os seus anfitriões receberam-no pelados (também a infante) e, malgrado alguma relutância, ele desnudou-se.
Porque Salardenne alegasse a desnecessidade da nudez integral e que os nudistas estariam confortáveis com, pelo menos, um tapa-sexo, a sua anfitriã objetou-lhe: “Um tapa-sexo! Que palavra abominável!... Porém não, senhor, não é necessário... Por que ocultar o seu sexo, por quê? Sim, sei bem, para salvaguardar o pudor, a moral... Mas o senhor tem uma falsa idéia da moral. Ao auto-intitulado moralista que nos reprocha por mostrarmos a outrem o que, segundo ele, deveríamos dissimular, respondemos: Você não tem vergonha de ultrajar assim os órgãos do corpo humano a que deve a sua própria vida? Tem vergonha da sua mãe? Tem vergonha do seu pai? Não? Então, por que fala com rubor dos órgãos sexuais? Por que os oculta como coisa indigna de ser vista? Eles têm direito à luz, também eles, ao ar, à natureza! O pudor? Uma convenção hipócrita, supérflua, que está ao serviço da luxúria e da perversão, do vício e do sadismo...” (p. 87-88).
Salardenne irroga-lhe a objeção tão comum quão ingênua, de que é necessário proteger as crianças, ao que a sua interlocutora replica-lhe: “As crianças? Mas dever-se-ia educá-las desde a idade mais tenra e não fazer da questão sexual um mistério que logo intrigá-las-á e conduzi-las-á ao vício. A nossa filha Lisbete não ignora nada disto tudo. Ela sabe como os nenês vêm ao mundo [...]” (p. 88).
Após haver ouvido e observado o quanto as circunstâncias lhe
permitiram até então, Salardenne conclui que “o naturismo, em muitos
pontos, é excelente” (p. 91). Sob o regime da nudez integral, as
crianças apresentavam saúde ótima; desvalia a objeção de que viu o
que lhe mostraram de melhor, porquanto, geralmente, visitou pessoas
e instalações de súbito, sem que os visitados soubessem,
previamente, da sua presença e pudessem preparar-se para exibir-lhe
o que lhes conviesse. “Porém, se fosse assim, não seria menos
verdade que as crianças bonitas são numerosas entre os nudistas e
parecem felicíssimas por viver”, acrescenta (p. 92). E acresce:
“Nunca observou a satisfação de um nenê que se despe? Ele se
contorce com alegria, sacode braços e pernas, ri com estrépito...
Não há nisto sintoma característico em favor do naturismo?” (p. 92). Quanto aos adultos, não seria o nudismo social, misto, de homens e mulheres de pênis à mostra e mamas ao vento5 pretexto de libertinagens e orgias? “Ora bem, não, não, não!... Protesto energicamente contra esta idéia que tende a expandir-se na França. Os agrupamentos de cultura da nudez não são associações de libertinos e de estróinas. Bem ao contrário, posso dar-lhe a minha palavra de que, em momento nenhum, durante o meu inquérito entre a gente nua, observei o menor gesto obsceno ou incorreto” (p. 92-93). Os que se imiscuíam entre os nudistas com segundas intenções eram eliciados da companhia deles.
E esclarece: “A nudez, segundo penso, não é erótica” (p. 93), máxima em favor da qual enfatiza que as prostitutas seduzem mais facilmente mediante a conservação de algumas peças de indumentária, de modo que ocultam o que os clientes desejam e com isto incrementam-lhes o apetite. Da mesma forma, as estátuas de nus tornam-se apetecíveis sexualmente com tapa-sexos, ao passo que os modelos artísticos nus posam com naturalidade, ou seja, sem erotismo.
Em Casablanca, os árabes lavavam os seus cavalos inteiramente nus; eram, na sua maioria, belos homens que senhoras e moças européias observavam desinibidamente, ou seja, com naturalidade e sem excitação. Se mulheres, em pelo, lavassem as cavalgaduras, logo atrairiam atenções masculinas, porém se todas as mulheres se banhassem despidas, a sua nudação, habitual, tornar-se-ia sensaborona e desinteressante (p. 94).6
Na Rússia o desnudamento era, na altura, corrente nas praias e nos balneários. Henrique Béraud testemunhou um casal inteiramente pelado adentrar um restaurante e tomar mesa, sem chocar ninguém (salvo o próprio Béraud).
Em jeito de utopia, Salardenne imagina como seria a sociedade nudista. Haveria os seus adversários industriais (costureiras, alfaiates, chapeleiros, sapateiros, tintureiros e os membros das atividades relacionadas com a fabricação do vestuário e o pessoal da imprensa da moda7).
Outras atividades incrementar-se-iam: os cabeleireiros, os perfumistas, os massagistas, os pedicures, as manicures, os tatuadores; quiçá os pintores de corpos8.
Objetos como lenços, dinheiro, canhenhos, seriam transportados em alforges, que se tornariam usuais.
Haveria anúncios teatrais como este: “Josefina Baker interpretará PARIS VESTIDA super-revista de X e Y em que aparecerão as 200 mais belas mulheres da França INTEIRAMENTE VESTIDAS!”
Na praça da Concórdia, nas imediações do obelisco, os vendedores de rua ofereceriam, discretamente, aos transeuntes, cartões postais que conteriam a imagem de mulheres inteiramente vestidas. Gente pervertida reunir-se-ia em casas suspeitas para vestir-se em comum; de onde em onde, os policiais conduziriam à esquadra algum infeliz demente que cometeria a inacreditável loucura de transitar vestido pelas ruas de Paris. E que economia de tempo! Após despertar, nu, bastaria pentear-se, maquiar-se (se tanto) e já se estaria pronto para ir à vida! E que economia financeira! Não se despenderia com vestidos, chapéus, meias, sobretudos, pijamas, calçados e gravatas. E que segurança para os adúlteros! Surpreendidos mulher e amante pelo marido, bastar-lhes-ia assumirem pose correta e simularem inocência.
Haveria acréscimo de segurança: sem trajes, onde ocultar armas de fogo e brancas? Habituados os corpos às intempéries, nos dias chuvosos, dispensar-se-iam os guarda-chuvas.
Quem, por vício, encobrisse alguma parte do seu corpo, seria processado por ultraje ao impudor. As gazetas noticiariam: “Ontem, um sinistro indivíduo que, munido de tapa-sexo, exibia-se na via pública, foi detido pelos policiais e conduzido à esquadra. Ele é acusado de atentado aos costumes”.
Com o andar dos tempos e o cambiar das mentalidades, os costumes, a pouco e pouco, inovar-se-iam: de começo, alguma audaciosa expor-se-ia, em público, de chapéu. Haveria escândalo; a seguir, por mimese, outras mulheres seguir-lhe-iam o exemplo; algum extravagante vestiria camisa: novos escândalos, renovados protestos. Contudo, logo todas as mulheres de Paris usariam camisa.
Ciumentos e encabulados, os homens comportar-se-iam de modo análogo e a sociedade regressaria, a pouco e pouco, aos antigos erros e costumes; ressurgiriam os profissionais da indumentária e a imprensa da moda. Seria o término da idade da nudez.
Então, tudo recomeçaria: os adesos da cultura do corpo livre reencetariam a sua militância contra o produto simbólico da vaidade humana, o traje!
Um adversário da nudez social ponderou a Salardenne que, dada a visão de belas mulheres, as ereções, ocultáveis sob o vestuário, deixariam de sê-lo. E perguntou-lhe se tal seria “espetáculo decente”. Salardenne confessou-se incapaz de refutá-lo (p. 115)9.
Da oitiva de artistas e de intelectuais franceses, Salardenne arquivou, dentre outras, o parecer de Renata Duran, segundo quem “o nu é moralmente são” e “a obscenidade é precisamente que haja partes do corpo que dissimular, ou seja, que vestir” (p. 123). A nudez deveria ser “lícita, não somente nos grêmios ou sociedades nudistas, mas em toda parte” (p.124) e o traje deveria aligeirar-se para adaptar-se ao clima quente.
André Lorulot opinou que a nudez, o pudor, a pudibundaria “não tem a importância que se lhes atribui e que ela seria cem vezes menor se nós não estivéssemos cheios de preconceitos e dominados por morais despóticas e contrárias à natureza” (p.140).
Um recorte
No exemplar que me pertence de “O culto da nudez” deparou-se-me retalho de gazeta, em francês, datado de 24 de dezembro de 1929, intitulado “Correio teatral” e sub-intitulado “Os adões berlinenses”, cujo texto traduzo:
Uma gazeta de Berlim, as Últimas Notícias, número de 20 de dezembro, informa sobre uma matinê que se verificou no teatro Folksbuhne, por uma das associações nudistas, de que se tem assinalado a intensa propaganda. Os “Adões berlinenses” recorreram aos métodos do Exército da Salvação para propagar as suas idéias; alto-falantes nas ruas invitaram o público para esta sessão. “Venham ver, diziam, esta festa virtuosa que será acontecimento artístico e filosófico”.
O teatro regurgitava de visitantes e centenas de pessoas não puderam entrar, por não haverem conseguido bilhetes. Erguida a cortina, duzentos jovens dos dois sexos apareceram no palco; os organizadores haviam tomado todas as precauções para que não houvesse, entre os partidários da nova “disciplina”, ninguém que pudesse, pela sua fealdade, sob tal indumentária difícil de trajar, desacreditar a doutrina. Dançou-se, pronunciaram-se discursos, serviram-se chá, café e licores; uma doce alegria reinava e, por primeiro, aplaudiu-se bastante. Contudo, vários espectadores, indignados, foram-se embora, mas uma espécie de febre geral tomou conta da sala e as pessoas puseram-se a tirar as suas roupas, subiram no palco e foram dançar com os “fiéis discípulos”.
Este grupo tem a intenção de fazer outras sessões deste gênero e pergunta-se se serão autorizados. Bem sei que certos quadros das nossas revistas de musicais não estão muito longe deste gênero de exibições; mas, de qualquer forma, seria interessante saber o que as autoridades alemãs pensaram disto. Antoine.
1A que ponto chegava a pudibundaria na Alemanha, antanho, em que o indivíduo não dispunha de liberdade no próprio lar, se alguém, do exterior, pudesse vê-lo nu. Aliás, em certas cidades dos E.U.A. é assim e mesmo no Brasil, devido ao retrógrado artigo 233 do Código Penal, pelo qual comete atentado ao pudor quem praticar ato obsceno em lugar exposto ao público. Assim, por exemplo, se a janela do quarto do indivíduo der para a calçada ou se ele expuser-se, em pelo, na varanda de casa, a sua liberdade acha-se vulnerada, no seu próprio lar, pela pudomania alheia. (voltar ao texto)
2Em diversos países europeus, como Portugal, Holanda, Suécia, Polônia, é tradicional o banho de mar de nudistas, no inverno, sob temperaturas baixas ou baixíssimas. Nos países nórdicos e na Rússia é costumeira a imersão de gente nua nos águas gélidas dos rios congelados, por orifícios que, adrede, se abre na sua superfície. Consta que o conde Drácula, no século 15, assim o praticava. (voltar ao texto)
3De fato, o nudismo destina-se à convivência, ao desporto, à insolação e não à satisfação da volúpia mixoscopista. (voltar ao texto)
4A mesma observação é de aplicar-se às ereções, cujo surgimento induz os nudistas sociais a constrangimentos sem sentido. No meio nudista, por excelência livre de pudor, há algum pudor em relação a isto, o que representa contra-senso e resquício da mentalidade pudômana. (voltar ao texto)
5Pertence-me a autoria da expressão “pênis à mostra e mamas ao vento”, de que o segundo hemistíquio ouvi-o de uma velhota portuguesa. (voltar ao texto)
6Realmente, a experiência uniforme dos naturistas é a de que a habitualidade da nudez retira-lhe o erotismo. O nu habitual é eroticamente indiferente (quando o indivíduo se acostuma com ele; pode haver erotismo nos primeiros momentos, nos novatos, em face do ineditismo da situação e da observação de corpos que o atraiam), ao contrário do que os brasileiros e outros povos pudômanos tendem a crer, por ausência total ou quase, de nudez habitual e por, ao contrário, encontrarem a nudez apenas no momento da cópula e do banho, o que os leva a identificar nudez com erotismo e a reprimirem a primeira por erótica, dado que, na sua mentalidade cristã, censuram o segundo. O pudibundo (de ethos cristão) confunde nudez com sexualidade e reprime a ambas. (voltar ao texto)
7Salardenne noticia a ofensiva dos chapeleiros alemães contra o desuso do chapéu, então já comuníssimo na França. Em Francoforte do Meno, um deles expôs, na vitrine da sua loja, uma tela em que se representavam duas cabeças: uma, com esgares e em cabelo; a outra, sorridente e coberta. (voltar ao texto)
8Nas pedaladas nuas, que se realizam em diversas cidades do mundo, muitos ciclistas apresentam-se de corpo pintado, em que a pintura representa roupas; a outros pintam-se gravuras geométricas, informes, ou escrevem-se dizeres em prol da segurança dos ciclistas, no trânsito, ou em favor da nudez. (voltar ao texto)
9Na pudomania (vergonhosa do corpo e ocultadora dele), os homens vexam-se das suas ereções e procuram dissimulá-las. Mesmo entre os nudistas atuais há alguma vergonha a respeito, o que é contraditório com a filosofia do próprio nudismo: o corpo é natural e não deve envergonhar; a ereção é natural e não deve envergonhar. É contraditório o nudista pejar-se de uma sua manifestação corpórea tão normal e natural quanto respirar, piscar os olhos, bocejar, dormir, defecar, urinar. Em si, nenhuma ereção (em vestidos ou em desnudos) deve motivar nenhuma censura; será censurável a sua ostentação. Da vergonha da ereção resultam situações caricatas nas praias e campos de nudismo, como, de súbito, o indivíduo pôr-se em decúbito frontal, no chão, ou barafustar. A vergonha da ereção é vestígio da pudomania. É significativo que entre os egípcios e gregos antigos, como entre os japoneses atuais, havia e há culto fálico, com festividades públicas em que se exibiam alegorias sob forma de pênis enormes. Trata-se de povos nudistas, ao passo que, dentre os cristãos gimnosófobos há pudor e pudibundaria. O vexame dos nudistas coevos em relação às ereções em público sobrevaloriza-as, e em sentido coincidente com o dos pudômanos. Não faz sentido... (voltar ao texto)
(enviado em 26/12/14) |
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