A Queima das
Liberdades
por
Paulo Pereira*
No
início do novo ano, 2015, o noticiário, vindo de Paris, assustador,
sacudia a consciência livre do mundo, dando conta de um massacre
covarde, mais um, desta vez na redação do festejado “Charlie Hebdo”...
Embora sem constituir grande novidade, e talvez mesmo por isso, era
um choque que se alastrava como ondas de um grande terremoto, o das
ideias, dos pensamentos, das liberdades.
Destaco, então, um pequeno texto do caderno “Prosa e Verso”, de
O Globo, da autoria de Isabel Lustosa, sob o título de “As Armas do
Humor”, do mês de janeiro último. Como afirmou Isabel, a sátira
continua a ser vista como ameaça por tiranos e radicais. Na verdade,
acrescento, a agressividade e a estupidez humanas são doenças
antigas. Ocorrem, de longa data, atitudes e tentativas de fanatismo,
sobretudo o político-religioso, e de intolerâncias descabidas,
feitas de obscurantismo. Haveria, por parte de alguns ilustres, a
criação de uma nova inquisição, de nova caça às bruxas?...
Ocorrem nitidamente desconstruções, muitas vezes veladas, de
tudo que seja considerado ameaça por parte de protagonistas tristes
da história humana. A agressividade e a crueldade dos homens são
fartamente concebidas, pela História, pela Ciência, embora alguns
continuem vendo anjos assexuados nos primatas tagarelas...
O notável Goethe afirmou com sabedoria que nada é pior do que a
ignorância em atividade. Só o conhecimento pode efetivamente mudar
algumas situações negativas. Isabel Lustosa, em O Globo, observa que
a sátira foi sempre objeto de tensão entre a sociedade e os que
produziam. Isabel lembra que no teatro, na literatura ou na
imprensa, sob a forma de texto ou de desenho, ela atinge os
poderosos... E, por certo, os falsos protagonistas, digo agora, que
reagem sempre tentando edificar censuras.
Isabel recorda que, ao longo da História, mesmo nos países mais
avançados em termos de direitos, alternam-se momentos de censura e
de libertação. Relembro, mais uma vez, que Oliver Thomson nos fala
com propriedade e precisão sobre a maldade e a crueldade humanas em
seu livro “A History of Sin”, colocando a descoberto o lado obscuro
(nem tanto) do bicho homem... Poderíamos talvez afirmar que, no
fundo, todos os tiranos e radicais são esfinges de areia, que os
ventos do tempo derrubam, mas ficam sofrimentos, perdas, mortes,
dores, sempre. A dor parece-me a grande história da vida, afinal.
O ano de 2015 começa agitado, super quente nos trópicos, a
cultura e as liberdades agredidas, ameaçadas. Então, é tempo de
resistir, de unir as consciências livres, na luta por um existir
mais tranquilo. E, aí, os companheiros nudistas-naturistas conhecem
bem a grande luta contra os repetidos preconceitos, contra os
pudores hipócritas e os moralismos de ocasião. É sempre tempo de
recordar autores consagrados, como William Welby, que nos ensina a
simplicidade e a naturalidade que devem nortear a boa prática
nudista-naturista. Como nos recorda Welby, o viés psicológico, por
exemplo, do nudismo merece mais atenção e crédito. Welby escreve que
levou algum tempo para que o Nudismo (Naturismo) fosse aceito como
racional, apropriado, entre a população em geral. Ele registra:
“There is more is Nudism than just exposure of the skin to the sun”...
Pensemos, então nisso com seriedade.
Se, de um lado, jornalistas e escritores são mortos ou
perseguidos, de outro lado cresce a conscientização das liberdades
individuais, e a força da natureza é afirmada, sempre. Como
contraponto às intolerâncias, anoto o artigo publicado na Revista de
Domingo, O Globo, em 11/01/2015, matéria de capa, sob o título de
“Despidos de Fantasia”, a nudez pela lente do carnaval, de autoria
de Carolina Ribeiro. O fotógrafo Ramon Moreira registra a folia de
rua, e os foliões usam apenas alguns acessórios, mostrando toda sua
nudez festejada! Há, como está dito no texto, a desconstrução da
fantasia, e o prestígio do corpo natural, sem máscaras, sem
retoques.
Eu, Paulo, que faço parte desse “bloco sem fantasia”, nudista,
há mais de sessenta anos bem vividos, sinto-me aliviado, na
esperança de ver a nudez aceita como dado primeiro, no dizer de
Muraro, a nudez digna do índio, a nudez sem pudores angélicos.
Afinal, nos quatro cantos do planeta, todas as crianças continuam
nascendo totalmente nuas, indiferentes aos radicais, aos pudicos
hipócritas, aos ignorantes pernósticos.
Os solenes minutos de silêncio, em homenagem aos mortos das
violências, pedem uma reflexão mais profunda, fazendo-se a distinção
clara entre verdade e fantasia, e valorizando o grande silencia da
sabedoria. Precisamos, como tenho proposto, do silêncio nobre, do
pensamento sem amarras. Existe uma alegria preciosa a ser descoberta
a cada dia, vivida com serenidade, sobretudo, na prática da grande
simplicidade voluntária. Como nos disse o Lama Surya Das, a paz da
mente é o maior de todos os tesouros secretos.
Em tempo: É importante recordar, de passagem, que a queima de
livros e de arquivos, considerados incômodos por tiranos, já
aconteceu inúmeras vezes, como, por exemplo, no regime nazista da
Alemanha, e nas ditaduras sul-americanas do Chile e da Argentina. A
liberdade incomoda os fanáticos.
*membro do Conselho
Consultivo da FBrN
pereiranat37@gmail.com
(enviado em 3/02/15)