Encontro Marcado com Paulo Pereira

por Pedro Ribeiro

Paulo Pereira lança sua nova obra "Da Identidade Nua - uma reflexão", em meados desse mês de setembro. Ele completa no mês de outubro próximo 78 anos muito bem vividos durante a maior parte do tempo no e para o Naturismo. Um dos ícones do Naturismo brasileiro, participou da história do naturismo no Brasil praticamente desde seu início quando foi contemporâneo de outra personagem icônica, a precursora da filosofia naturista no Brasil Luz del Fuego, com quem o jovem Paulo teve uma convivência íntima na sua Ilha do Sol, na Baía de Guanabara, durante vários anos. Pelo seu corpo muito branco, cabelos e olhos claros recebeu de Luz o apelido carinhoso de Alemãozinho. Também porque Paulo, embora não dominasse o idioma germânico, era jornalista correspondente da revista alemã Freies Leben, a qual recebia as matérias de sua autoria sobre o Naturismo no Brasil. Versátil, formou-se em Biologia, carreira acadêmica que tornou-se sua principal atividade remunerada. Após o assassinato de Luz, manteve o naturismo no Brasil ainda vivo durante "os anos de chumbo" da Ditadura, que tudo proibia, considerava imoral ou subversivo. Após a retomada do Movimento no final da década de 1980, voltou a fazer parte dos novos rumos que o Naturismo começou a ter no Brasil.  Autor de vários livros, se dedicou nos últimos anos a escrever sobre o Naturismo, sua paixão. Agora está saindo "do forno" mais um texto se sua autoria que, é claro, tem o naturismo como mote principal. E é sobre esta obra e algumas particularidades de sua vida naturista que concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal OLHO NU, em sua antiga morada, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Por sua participação tão ativa e longeva se considera um privilegiado, por ter sido testemunha ocular de tudo o que foi feito no Naturismo no Brasil mas, modestamente, considera que todas as versões sobre o Naturismo feitas até então são importantes porque representam as possibilidades de cada um. O seu foco nunca é personalista  e o compromisso é com a história e filosofia do Movimento. É uma grande responsabilidade, no entanto, porque diz que nada inventou, nem nomes, nem definições, nem fatos.

Olho Nu: Paulo, a comunidade naturista brasileira está ansiosa pelo lançamento de sua nova obra. Pode falar para os leitores do jornal OLHO NU um pouco sobre ela?

Paulo Pereira: Decorridos já quatro anos desde o lançamento do meu livro “Sem Pedir Julgamentos, Conforme a Natureza”, em 2011, e em face de muitas sugestões de amigos e leitores, ofereço agora, através do espaço virtual generoso do Jornal Olho Nu, do velho amigo Pedro Ricardo, um ensaio sob o título de “Da Identidade Nua - Uma Reflexão”, um texto enfático que está dividido em duas partes, que se complementam: a primeira, mais inspirada no conhecimento científico afirmado, focaliza referências e conceitos relacionados às origens biológicas do homem, sobretudo, como base na busca de nossa identidade natural e a segunda inteiramente voltada a breves releituras de consagrados autores naturistas, destacando fatos e argumentos datados, com vista, por acréscimo, à percepção qualificada da identidade nua, da identidade nudista-naturista. Por isso, ao apresentar aos amigos leitores esse novo texto, parece-me relevante salientar o enforque impessoal prestigiado uma vez mais por mim, procurando sempre a discussão serena de termos e de registros respaldados pela ciência, pela história inclusive. Nesses tempos apressados, e até meio superficiais, penso que um aprofundamento no conhecimento, longe de meras subjetividades, pode, afinal, contribuir para um entendimento mais exato e uma prática mais autêntica do viver natural, do nudismo-naturismo já centenário, livre de preconceitos e mitos, a nudez assumida como dado primeiro.

Olho Nu: Essa inspiração maior no conhecimento científico significa um distanciamento do Paulo Pereira do Naturismo? Como está sua relação hoje com o Naturismo?

Paulo Pereira: A prática, e certamente a filosofia, do Nudismo-Naturismo faz parte da minha vida, do meu jeito de ser, pelo menos desde 1951/1952, na minha adolescência, e não há qualquer distanciamento possível, pois seria impraticável ficar distante de mim mesmo... O hábito saudável da nudez integral é algo incorporado, vivenciado durante décadas, uma percepção que sempre me fez melhor, irmão de tudo que vive na natureza, sem véus, sem ofensas, a nudez digna dos índios a me inspirar de forma irrecusável. Eu vivo o nudismo-naturismo com simplicidade e prazer, uma história de vida conhecida por muita gente, algumas vezes um bom preço a pagar, sobretudo, porque a hipocrisia e a falsa erudição são tumores recorrentes... Minha esposa Ivette, agora num casamento que chega aos 54 anos, humanamente muito rico, as filhas Elizabeth e Mary e até os seis netos sempre estiveram ao meu lado, fato que reconheço com emoção e humildade. Tem valido a pena; o Nudismo-Naturismo com respeito e naturalidade, um elo que soma muito.

Olho NU: Como você vê a receptividade de seus livros sobre Naturismo na comunidade naturista brasileira?

Paulo Pereira: Quase todos os autores, no fundo, escrevem para si mesmo, como se fosse uma catarse, uma necessidade. Mas, como tudo na vida, se algo que se realiza parece indiferente para seu público alvo, seria melhor desistir. Escrevo para o bem do Naturismo, sobretudo. Eu escrevo meu testemunho de quase 60 anos de participação para que as pessoas possam refletir. Estou nisso por acaso, eu não escolhi. Aconteceu. Pelo que eu sei, pelo que me chega, a receptividade é muito boa, diria até surpreendentemente boa.

No momento em que vivemos existe muita superficialidade, é um fenômeno mundial. Não sou contra a tecnologia, mas o povo está ficando escravo da máquina (o computador) e a leitura diminuiu, como consequência. No entanto tenho depoimentos de até mesmo não naturistas que me procuram, através do telefone ou e-mails para comentar e até mesmo elogiar. Portanto, acho que a receptividade tem sido até muito boa. E, como sabemos, existe por parte dos brasileiros, talvez por heranças culturais, uma certa preguiça de ler. Mesmo assim todos os depoimentos vão ficar aí, e meus estudos ficarão como referência e reflexão. Não há necessidade de concordar com o Paulo, pois eu baseio quase tudo que eu escrevo, inclusive em outros autores, falo da história. Pode-se interpretar a história, porém ela não pode ser distorcida nem ignorada. Não se pode inventar alguma coisa que não existiu.

Olho Nu: E por que é importante que os naturistas leiam os livros sobre o Naturismo?

Paulo Pereira: O título dessa minha nova obra "Da Identidade Nua" ajuda a responder essa pergunta. O homem está sempre em busca de se conhecer, de descobrir sua própria identidade, não só a naturista, mas como também sua própria identidade natural, sua existência. Este trabalho é dividido em duas partes, uma mais científica, mais conceitual, falando da identidade natural, da evolução do homem e outra, da história do Naturismo, que não foi o Paulo quem escreveu.

Fala-se muito em comprometimento, conscientização. Mas somente se podem ter essas características quando se tem referência, conhecimento. Não há como se comprometer com uma ideia quando a conhece mal, que, pior, muitas vezes julga-se que sabe, que se faz uma interpretação totalmente pessoal. Aliás, temos o direito de fazer nossa próprias interpretações, mas temos que ter o discernimento e humildade para reconhecer de que elas não são verdades históricas.

São essas algumas das principais dificuldades do Naturismo no Brasil. E não são de hoje. A questão não é a quantidade e sim a qualidade dos naturistas. E qualidade não se busca numa feira qualquer, é com conhecimento, com estudo, com reflexão, sobretudo com diálogo fraterno, desarmado e humilde.

As definições até podem mudar, mas é necessário que se tenha fidelidade de conceito. A ciência é prova e contraprova. A Ciência muda, mas ela investiga. Quando se tem convicção demais, então é porque não sabe. então é importante que o naturista leia, reflita e tenha um bom exemplo, um espelho.

Olho Nu: Qual a importância de uma federação nacional de naturismo? Quais são seus objetivos?

Paulo Pereira: As federações nacionais existem há longo tempo no mundo inteiro e fazem parte da saga nudista-naturista sem qualquer dúvida, e se fazem importantes, sobretudo, como entidades ou órgãos normativos, no aconselhamento e na iniciativa legislativa das entidades ou clubes afiliados. O livro oficial da INF – International Naturist Federation, por exemplo, é claro, a exemplo do que está consagrado nos Estatutos da INF, ao registrar a definição de “naturismo”, dizendo, inclusive, que o modo de vida naturista, em harmonia com a natureza, se expressa através da nudez social... Naturismo sem Nudismo, afinal, não faz sentido, como você mesmo diz, Pedro. As federações nacionais, em princípio, pois, não são empresas complexas, mas órgãos normativos, fiscalizadores e incentivadores das atividades naturistas em seus países, e não devem se perder em excessos burocráticos nem substituir os espaços naturistas propriamente ditos, que são, na prática, as forças vivas do Movimento.

Olho Nu: O que você acha de uma nova denominação que tem surgido por aí conhecido como Naturismo Picante?

Paulo Pereira: Eu não sou contra nada nem a favor de tudo. Acho que tudo é uma questão de bom senso. Pessoalmente não há o que dizer. Cada uma faz o que quiser de sua vida. Tem seu clube de futebol, seu partido político, sua ideologia, sua orientação sexual. Ninguém tem nada com isso. Porém quando se adere a uma prática - o Naturismo não é uma ideologia, é uma forma de comportamento, um modo de vida - deve-se assumir aquilo plenamente. O que não pode é descaracterizar, mas não se pode também ter muitos preconceitos. A grande questão é, eu acho, há muita opinião e pouco conhecimento, este deve ser procurado de fontes boas, idôneas. O Naturismo não pode ser particularizado. Não há naturismo espírita, naturismo ateu, naturismo gay, isso tudo é uma bobagem que descaracteriza o Movimento. O que não quer dizer que não exista cristãos naturistas, ateus naturistas ou gays naturistas. Isto é outra coisa. Não se pode adjetivar o Naturismo porque ele fica compartimentalizado. E aí ele enfraquece, porque se fragmenta. Eu não conheço outros naturismos. O que se conhece sobre Naturismo são suas raízes históricas e filosóficas, que tem origem no século XIX, num movimento Pan-Germânico chamado Volkisch, que é citado nessa nova obra. Não tem naturismo isso ou aquilo. Há Naturismo e pronto. Fazer separações é absurdo. Separar sexos, separar casais e solteiros, tudo é absurdo.

Tudo é questão de conceituação histórica. O que as pessoas fazem fora do Naturismo não me interessa. O que importa é o que se faz dentro do grupo. É claro que todos os Movimentos sociais estão sujeitos às mudanças. Como a sociedade encara determinados comportamentos depende da época em que se vive.

Há coisas surpreendentes que eu ouço, tais como a pessoa dizer "eu sou naturista, não sou nudista" é um disparate, porque não tem respaldo histórico. Naturismo e Nudismo é a mesma coisa.

É possível encontrar bons naturistas nos meios "picantes", frequentadores e praticantes de clubes de swing, por exemplo, ou hedonistas, ou outras denominações. O que importa é no meio Naturista esta pessoa compreenda e se comporte dentro dos preceitos.

A Federação, o Movimento, tacitamente não vai aceitar esse comportamento, não vai acolher, porque são fragmentações. Quando eu defendo a participação de família, não quer dizer que será uma festinha de "Filhas de Maria", com regras do tipo "ninguém olha do ombro pra baixo", não é isso, não! O Naturismo é a Natureza. E a Natureza, como eu digo, não pede julgamentos. A nudez não é para ser julgada.

Olho Nu: O que pode ser feito para desenvolver mais o Naturismo no Brasil?

Paulo Pereira:  Antes de mais nada, através de diálogo sereno, que cada praticante busque sínteses inteligentes, sem invencionices, e com a boa percepção de que ninguém nasce vestido... É importante procurar as referências históricas porque o Nudismo-Naturismo tem história rica e não depende de qualquer palpite subjetivo, embora todo mundo tenha o sagrado direito de palpitar. A prática naturista no Brasil já está num estágio adulto, embora jovem, e pode ser vastamente beneficiada pela percepção mais nítida justamente de nossa identidade nua, e de iniciativas modernas, inclusive de acordo com o que acontece lá fora, na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, que tratam de integrar Naturismo e Turismo em bases efetivas, o naturismo como uma alternativa nobre de lazer e de qualidade de vida. Prestigiando nossas raízes, todas, desde 1949, com a pioneira Luz del Fuego, sem esquecer as grandes conquistas dos anos 70, 80 e 90 e agora nos anos 2000, no país inteiro, graças à ação magnífica de vários ilustres naturistas que todos nós conhecemos bem. O naturismo é um processo dinâmico e precisa conscientizar-se a esse respeito, mas sem perder integração com suas raízes; a prática nudista-naturista não pode nem deve ser particularizada, compartimentada, e aí as federações nacionais devem agir com rigor. Como nos disse William Welby, a filosofia do nudismo-naturismo é apenas natural, independente de idade, estado civil, orientação sexual, cor da pele ou crença religiosa; a filosofia naturista não é uma ideologia político-partidária, mas uma concepção de vida natural, humanista, nua...

Olho Nu: Gostaria que você citasse alguns momentos divertidos que você tenha vivido ao longo de sua vida naturista e outros tensos que se destacaram.

Paulo Pereira: Há coisas do "arco da velha". No tempo da Reserva (área da Barra da Tijuca, no RJ), fizemos um trabalho pioneiro, desde 1964. Há uma passagem deliciosa, perto do portão 13, estávamos reunidos o nosso grupo que eu chamava de Comando Naturista, um amigo, o Raul, viu se aproximar da praia um ônibus de turismo cheio de turistas japoneses, ele muito gaiato se cobriu com o pano que levava para a praia, arranjou um cajado, imitando um andarilho em frente ao ônibus, fazendo poses. Os turistas fotografaram e se divertiram e nós olhávamos e ríamos muito da situação. Uma outra passagem, já foi na praia do Abricó, na época ainda não era liberada para a prática do nudismo, quando eu e mais dois amigos, Luiz e Pedro, fomos interpelados por dois policiais militares de moto, de perneira, armados com fuzil, que se esgueiraram pelas pedras. O Pedro estava na água e eu estava na cadeira junto com o Luiz. Era um cabo e um soldado. Eles foram agressivos, ameaçaram dar tiro e criaram o maior caso. Contornei da melhor maneira possível. Tive sorte por ter tido acesso ao comando deles e esclareci o fato pela associação naturista. Mas foi uma coisa muita tensa.

Situações como essas revelam que o Tabu da nudez ainda é muito grande. E o tabu à nudez resiste até mesmo entre os praticantes, quando rejeita o termo nudista para si próprio, justamente por ter o termo nu no nome. Isso não se sustenta por qualquer ângulo. E isso não soma.

Especialmente quando avaliamos e discutimos comportamentos e identidades, na qualidade de seres humanos e de praticantes naturistas, acredito ser muito importante relativizarmos um pouco mais os nossos sentimentos de medo e de pudor, que podem frequentemente ser fontes poderosas de erros e de preconceitos. E penso igualmente que devemos dedicar uma atenção concreta aos fatos, à historicidade. Como nos disse sabiamente o grande escritor Conan Doyle, é um erro capital teorizar antes de ter os dados precisos porque começa-se a distorcer os fatos para adapta-los às teorias, em vez de fazer com que as teorias se adaptem aos fatos... Lembremos, pois, que os fatos são soberanos e que é preciso evitar os repetidos improvisos.

Esse último trabalho procura colocar tudo isso de maneira clara, é uma reflexão. Não é uma opinião do Paulo. Faço questão de dizer que tenho maior respeito, maior apreço por todo os líderes do Naturismo sem exclusão. Me relaciono muito bem com eles, convidei vários para participar do meu livro. Isto é muito importante de ser dito. O momento é de diálogo. Nós temos que convergir. Opinião eu respeito, mas tem que ter conhecimento.

Clique aqui e leia a nova obra de Paulo Pereira na íntegra.

Entrevista concedida em 13 de agosto de 2015, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

(enviado em 31/08/15 por Pedro Ribeiro)