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Jornal Olho nu - edição N°178 - Setembro de 2015 - Ano XVI |
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Revisado “O nu ao ar livre”
por Arthur Virmond de Lacerda Neto* 19.X.2014
Livros de Arnoldo Piratininga e de Laura Brunet: plágio? Naturalidade do alemão em face das revistas nudistas. Naturalidade com que a alemã noiva apresentou-se nua. Origem do nudismo: helioterapia de Rikli e os “vanderwoegel”.
Chama-se de nudismo, naturismo, gimnosofia, livre-cultura (na locução do francês Marcelo Kienné de Mongeot) ou cultura do corpo livre (“freikörperkultur”, na dicção alemã, abreviado pela sigla F.K.K.) o estilo de vida em harmonia com a natureza, mediante a nudez social, mista (ou seja, de homens e mulheres, de todas as idades, de crianças a anosos), em famílias ou de gente avulsa, destinada a incrementar o respeito por si próprio, pelo próximo e pelo ambiente.
Três livros há, na literatura do nudismo, que elicitam interrogações: “Nudismo”, “O nú ao ar livre” e “Desnudismo integral”.
Da autoria de Arnoldo Piratininga, “Nudismo. Uma viagem ao paiz da gente núa” foi publicado em São Paulo, capital, sem data, pela editora Cultura Moderna, em formato in-16, com 159 páginas e ilustrado com fotografias, em preto e branco, de nudez natural, masculina e feminina.
Do mesmo autor, “O nú ao ar livre” foi publicado pela Editorial Moderna Paulistana, na cidade de S. Paulo, em 1932, com 159 páginas em formato in-16. Contém, à guisa de prefácio, excertos de preleção de Pedro (Pierre) Vachet, proferida na conferência de nudismo (Paris, 1931).
Intitulados diferentemente e ressalvada a presença dos fragmentos de Vachet, ambos livros são idênticos no seu texto: trata-se do mesmo, que se publicou com títulos discrepantes. A ausência de data em “Nudismo” impossibilitou-me estabelecer cronologia de publicações entre ambos.
Arnoldo Piratininga redigiu, também, “Vamos praticar o nú?”, publicado pela Editoral Paulista, em que expõe diferentes aspectos da nudez social, como continuação do seu livro anterior, cujo formato repete. Contém 150 fotografias de nudez natural, masculina e feminina, tomadas em campos e bosques nudistas, tal e qual as imagens de “Nudismo” e de “O nú ao ar livre”.
Segundo o glossário de nudismo, publicado por Jornal Olho Nu, o nome Arnoldo Piratininga provavelmente ocultava, como pseudônimo, a identificação do seu autor. Quem terá sido ele ?
O livro de duplo título acha-se redigido na primeira pessoa, sob forma de relato memorialístico, cujo protagonista, brasileiro, viajou a Berlim, onde foi ciceroneado por uma alemã nudista que lhe revela, na sua prática, a cultura do corpo livre, e onde se lhe deparam os respectivos costumes, de naturalidade do desnudamento e de ausência de pudor, entendido como vergonha do corpo.
Na página 18 de “O nú ao ar livre”, o personagem sr. Kruger refere-se ao protagonista como “Sr. Paes, que além de industrial é escriptor”. Na derradeira página, trava-se diálogo entre o protagonista e a personagem Herta, em que esta se lhe dirige nominalmente: “- Com que fim, Paulo?”.
Se, efetivamente, Arnoldo Piratininga encobria o nome do autor, se a viagem que ele memora ocorreu, de fato; se a narrativa é fiel; se o nome Paulo e o sobrenome Paes correspondiam aos do protagonista, então, deduzo que Arnoldo Piratininga dissimulava o ortônimo Paulo Paes, identificação que pende por confirmar.
O livro “Desnudismo integral” foi publicado em 1931 e republicado, em 1932, pela Biblioteca Hermes, em Barcelona. Consta, a segunda edição, de 283 páginas em formato in-octavo, ilustrada com duas folhas desdobráveis e fotografias em preto e branco, de nudez natural, masculina e feminina. Constitui-se de duas partes: a primeira trata do fenômeno da nudez; a segunda reproduz as experiências de um espanhol que visita Berlim, onde descobre a cultura do corpo livre e convive com um casal de jovens nudistas.
Redigiu “Desnudismo integral” João (Juan) Sanxo Farrerons, sob o pseudônimo de Laura Brunet.
Ora, a segunda parte de “Desnudismo integral” reproduz, quase literalmente e com alguns acréscimos, os livros de Arnoldo Piratininga “Nudismo” e “O nú ao ar livre”: nos dois casos, coincidem personagens, diálogos, ações, entrecho. Diferem a nacionalidade do protagonista (brasileiro nos livros de Arnoldo Piratininga; espanhol no de João Farrerons), o país de que viaja (Brasil e Espanha) e pormenores (como o título da revista nudista que o protagonista observa um menino adquirir: Licht-Land no brasileiro e Soma no homólogo espanhol).
Duas questões levantam-se: 1) houve plágio?; 2) caso sim, quem plagiou?
A primeira edição de “Desnudismo integral” data de 1931; a edição de “O nú ao ar livre” data de1932; “Nudismo” acha-se indatado, pelo que é possível haver sido o livro prioritário, anterior a 1931, e plagiado na versão espanhola. Ao mesmo tempo, é possível o nome Arnoldo Piratininga haver sido outro pseudônimo de João Farrerons e o seu livro haver sido publicado, em tradução, no Brasil.
Na versão espanhola omitem-se os prenome e sobrenome do protagonista, respectivamente Paulo e Paes na brasileira: terá sido por que Paulo Paes realmente existiu e redigiu o livro e Juan Farrerons plagiou-o? Ou prenome e sobrenome terão sido fictícios ?
Não notei nenhum elemento sintático do idioma espanhol na versão brasileira, nem vice-versa, tampouco nenhum espanholismo na versão brasileira nem nenhum brasileirismo na espanhola, pelo que a redação de uma e de outra não lhes descortina origem alienígena.
Facilitada pela semelhança entre os dois idiomas, a tradução (qualquer que haja sido o original) foi perfeita: o tradutor introduziu o original na língua para a qual o transportou ao invés de bem imitar o original (ao contrário do vezo de certos tradutores atuais brasileiros que, inepta e freqüentemente traduzem literalmente, palavra por palavra, o que resulta em frases deselegantes, sem sentido ou em traduções errôneas, alternativa ou conjuntamente)[1].
Enquanto o brasileiro dos anos 30 do século 20 era pudômano, submetido ao ethos da vergonha do corpo, de repressão da sexualidade (máxime em relação às mulheres) e de caretice de costumes, o alemão considerava o corpo e a nudez com naturalidade e dissociava o desnudamento da sexualidade. Do contraste de mentalidades e comportamentos do brasileiro em face dos do alemão algumas cenas do livro são características:
Um detalhe, não obstante, veio-me surprehender nas minhas gratas divagações. Na calçada fronteira havia um kiosque de jornaes e penduradas estavam umas revistas que ao longe presenti serem “pornographicas”. Seria possivel isso em Berlim? Mas, lá não se brinca com as autoridades e, não obstante, ali estavam aos olhos do publico... Acerquei-me do kiosque e me entretive um pouco, fazendo-me de distrahido, emquanto esguelhava o olhar sobre as escandalosas figuras. Nellas se viam mulheres e homens nús. Tudo mostravam, tudo... e com que caradurismo!
Dei uma ou duas voltas como se passeasse e quando notei que ninguem se avisinhava, approximei-me rapidamente do vendedor e pedi, meio suffocado, mostrando a publicação. -Dê-me isso ! -“Lachendes Leben?” – perguntou o jornaleiro. -Ya, ya.
Dobrei a revista com natural precipitação e escondi-a no bolso posterior da calça. Respirei mais livremente; accendi um cigarro e quando ia embora, fiquei perplexo, attonito. Um rapazinho de seus doze annos, acompanhado de um velhote um tanto moreno, que seria certamente seu avô,e de uma senhora de honesto e respeitavel aspecto, pedia no kiosque: -Licht-Land.
E o que o jornaleiro lhe entregara com a maior naturalidade era nada menos que uma daquelas revistas indecentes que com tanta reserva eu adquirira momentos antes. Minha estupefação não teve limites quando vi os três, muito juntos, muito interessados, folheando a revista e lançando exclamações de admiração entre aquelas figuras de mulheres e homens, todos nús, nem sequer com uma folha de parra! (“O nu ao ar livre”, p.9-10).
Achavam-se o protagonista e a sua cicerone alemã, Herta, em um campo de nudismo, despidos, quando ela exclama: -Lá vem Rodolpho, o meu noivo! Maldisse a minha falta de sorte ao escutal-a e despertei da lethargia e da dôr latente da realidade. -Que farei? – tartamudeei azarado. - Que faremos? Ella fixou-me com aquelles lindos olhos azues e tranquillos e respondeu com singelesa: -Fazer o que? Não o comprehendo. -Não quero compromettel-a, senhorita. Que dirá seu noivo se a encontrar aqui... núa e com um homem? -Mas que quer dizer o senhor com isso? -Mas estará louca, menina? Não comprehende que a nossa situação é assaz delicada? Não fez caso, e num mergulho vi-a perder-se no lago, e momentos depois chegava à orla com o noivo – presumo – de mãos dadas, ambos completamente nús [...].
Tratava-se, realmente do noivo de Herta. Enquanto o brasileiro sobressaltou-se com a aproximação dele, por achar-se ela nua e acompanhada de um homem, a Herta pouco se lhe deu a situação: para o alemão nudista, no caso, para a alemã nudista, estar noiva e achar-se nua em presença de um homem era perfeitamente normal, ao passo que para o brasileiro, desafeito à nudez social, constituía situação alarmante. (“O nú ao ar livre”, p. 49-50).
Outras passagens revelam a origem do nudismo na Alemanha:
Embora o nudismo, as curas de ar e sol, fossem praticadas antigamente pelos gregos, egypcios e outros povos, foi completamente abandonada durante os seculos da idade-media; mas entre 1700 e 1800, alguns medicos de nomeada fizeram uso intenso da heliotherapia com fins theurapeuticos (sic), mas não lhes foi possivel dar uma grande extensão a estas praticas. Sómente em 1850 approximadamente, um doutor allemão chamado Rikli, conseguiu methodizar a heliotherapia e fundar uma escola.
Rikli, para estabelecer seus principios fez muitas experiencias sobre si mesmo e sobre muitos pacientes. Fundou na Austria um estabelecimento de cura por meio de agentes atmosphericos em combinação com as applicações da hydrotherapia e uma alimentação bastante moderada e frugal. [...]
Obteve um resultado extraordinariamente satisfatorio, que logo chamou a attenção de milhares de doentes que accudiram ao seu sanatório em busca de cura. O resultado foi que não havia sanatório theurapeutico (sic) na Europa onde tivesse mais doentes que no do Dr. Rikli.
[...] Desde esse momento começou a divulgação na Austria e na Allemanha do nudismo, da heliotherapia, da hydrotherapia e da cultura physica e já antes da grande-guerra[2] se contavam só na Allemanha, mais de duzentos (sic) e cincoenta cidades que praticavam este regimen salutar.
Hoje em dia, além dos paizes centraes, na Inglaterra e nos estados Escandinavos a pratica do nudismo não é cousa nova, mas commum; nos paizes latinos o nudismo não é conhecido senão por um numero limitadissimo.
Por países latinos o autor refere-se a Portugal, Espanha, França e Itália. Prossegue:
A França foi o primeiro paiz que imitou a Allemanha e ha um par de annos que se fundaram em varias cidades importantes centros de nudistas e como na Allemanha publicam suas revistas mensaes e offerecem vantagens sobre (sic) o ponto de vista da regeneração da raça, como tambem para a saude. [...]
É innegavel, pois, que na França o nudismo se propague nestes momentos com grande rapidez como ha muito é intensificado na Allemanha. (P. 57 a 59).
Efetivamente, graças aos esforços de Marcelo Kienné de Mongeot, o nudismo difundiu-se na França.
O capítulo décimo-terceiro ocupa-se da Escola de Luz, mista (para rapazes e raparigas) dirigida pelo dr. Fraenzel, em que os alunos mantinham-se nus, graças ao que se beneficiavam da exposição solar. Havia aulas de anatomia, em que aprendiam a nomenclatura e a localização das partes do corpo, sem as distinguir entre decentes e indecentes, ao inverso da mentalidade pudômana.
Fraenzel esclarece ao protagonista que a guerra e o advento da república (em 1919) contribuíram para a difusão do nudismo, que, acrescenta, já se praticava, clandestinamente, antes daquela: Os primeiros praticantes foram alguns grupos de “Wandervoegel”, organização que equivale aos “boy-scouts” mundiaes. Nas excursões pelos campos e serras, gostavam de tomar banhos nos rios ou cachoeiras ou nas praias que frequentavam, e por mais de uma occasião se entregaram a esse deleite sem camisa ou calção. E isso começou pela não perda de tempo esperando que secasse a roupa. Como os grupos de “Wandervoegel” eram uni-sexuaes, alguns dos mais decididos determinaram, com certa timidez -ao principio- e por preguiça de esperar a seccagem da camisa ou da cuéca, atirarem-se na agua completamente nús adeante dos companheiros, mas logo o costume generalisou-se. Não se falava ainda em nudismo, mas os grupos se despiam para tomarem banho sem suscitar escandalo. Com o curso do tempo vieram as “girl-scouts”, vieram as excursões combinadas, vieram os excursionistas avidos pela natureza, que começaram a encontrar bem estar em permanecerem nús após o banho, e não tardaram em assim passar o dia todo no campo, na montanha ou na praia, em completa nudez. Mas a pratica chegou aos ouvidos das autoridades e os dirigentes dos grupos foram seriamente admoestados. Houve polemicas pelos jornaes, mas nada se conseguiu. O nudismo era uma pratica officialmente immoral e era praticada nas costas da lei!
Outro personagem prossegue: -E estávamos tão fóra da lei! Pois até houve embates e pégas nas montanhas entre nudistas e anti-nudistas. Mas a peleja triumphou depois do nosso lado.
Prossegue o professor Fraenzel: -Ignoro se, por snobismo ou fervor real pela vida sem trapaças, surgiram á baila as discussões da imprensa, as “Uniões de Belleza” e as “Lojas Núas”. Mas nem sempre souberam cumprir aquellas organizações com a doutrina. Entre os nudistas de bôa fé, iam misturados os “contemplativos”, isto é, os que desejavam saciar sua luxuria olhando os corpos nús e os “exhibicionistas”, ou sejam os que apreciam o sadismo: mostrar aos demais seus orgãos sexuais. Mas, pouco a pouco as Uniões e as Lojas ficaram limpas de taes satyros, que desappareceram uns por expulsão e outros por redempção, e então o nudismo começou a ser praticado entre familias. [...] A imprensa de esquerda deixou de atacar o nudismo, e tornou-se seu paladino. Assim começou a conquista do proletariado.O nudismo já era então uma das aspirações na luta social. No congresso se levantaram vozes defensoras. [...] (P. 126 a 129).
Em conseqüência da guerra, prossegue o personagem na sua exposição, o dinheiro desvalorizou-se, o que empobreceu drasticamente a população e a impossibilitou de adquirir indumentária nova. Inúmeras famílias refugiaram-se nos campos, onde aderiram ao nudismo: “Gran número de ellas se entregaron com fervor al desnudismo. Primero obedecia la decisión a una necesidad; después fué ya una religión” (“Desnudismo integral”, p. 244, trecho cujo homólogo brasileiro omite a primeira frase).
Assustaram-se os timoratos, convictos de que haveria libertinagem, porém a experiência desmentiu-os: a influência voluptuosa do nudismo em comum anula-se em poucas horas, observa o personagem.
Simultaneamente a tais causas, influenciaram as mentalidades os livros do alemão Ricardo Ungewitter, de promoção da nudez social, populares na Alemanha antes da primeira guerra: Os homens deviam ficar nus (1903); O nudismo do ponto de vista histórico, moral e estético (1904); A nudez (1905); Nu. Um estudo crítico (1909); Cultura e nudez (1911); Nudez e cultura (1913). Após a primeira guerra, produziu também Nudez e avanço (1920) e Nudez e moral (1925).
Finda a guerra, havia já meio milhão de nudistas de ambos os sexos e de todas as idades. Surgiram associações nudistas, como a União Nacional para a Vida Plena, a União Soma, a Liga para a formação de uma vida livre, a União da República e, como principal, a União da República para o livre-culturismo. Para lá de inúmeros campos de nudismo particulares, havia, oficiais, cinqüenta (segundo o livro brasileiro, p. 132) ou cento e cinqüenta (consoante o livro espanhol, p. 246). Despontaram revistas de nudismo, a exemplo de Vida Sorridente, A Beleza, Livre Cultura, Banho Livre, Saúde do Povo, Fígaro, Nova Vida e Soma. De começo, aduz o personagem dr. Fraenzel, foram perseguidas pelas autoridades, o que rapidamente cessou; em Berlim, semanários de informação geral publicavam fotografias de nus sem nenhum escândalo. A autoridade nacional máxima da instrução pública, de então, declarou nada haver de reprovável nos princípios da livre cultura do corpo; ao contrário, reputou-os mesmo convenientes para a sã educação juvenil (“Desnudismo integral”, p. 247). [1] Alguns tradutores tencionam “respeitar o estilo do autor”, com o que imitam a sintaxe do idioma do qual traduzem, sem respeitar a do Português, ou traduzem falsos cognatos. [2] De 1914 a 1918 (nota de Arthur Virmond de Lacerda Neto).
por Arthur Lacerda 19/04/15
(enviado em 6/08/15) |
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