por
Arthur Virmond de
Lacerda Neto
12.XII.2015.
Em passeio de
vilegiatura, por Olinda e Recife (em dezembro de 2015),
encontrei, na primeira, à venda, inúmeros bonecos de argila, tão
próprios de Pernambuco, a exemplo da representação, em
miniatura, do boi-bandeira (boi que se recobre de manto
colorido, em festividade popular) e formas humanas, coloridas ou
não, de dimensões também pequenas. No Museu do Homem do Nordeste
(em Recife) expõe-se várias modelagens, pintadas, que
representam cenas da vida e da atividade profissional.
Em
Olinda, deparou-se-me um bufarinheiro, de nome Augusto, que, em
meio a inúmeras artesanias destinadas principalmente aos
turistas, vende bonecos singulares: fabricados com argila
tingida de preto, representam escravos nus. Dentre vários
vendedores (em praça pública e em lojas), é o único que
mercadeja bonecos nudistas. Disse-me não se envergonhar de os
revender; não me envergonhei de lhos adquirir.
Comprei-lhe as
duas duplas de bonecos nudistas que vendia naquele momento, em
que cada qual representa um casal. Em uma, ambos personagens
estão sentados; o masculino toca atabaque e a mulher, tambor. Na
outra, os dois acham-se de pé: o homem, de boné (colorido); a
mulher (de laços coloridos na cabeça), sustenta, nos braços,
criança igualmente desnuda.
Os
bonecos sentados são mais estéticos do que os seus congêneres;
em relação a estes, o masculino pode chocar os pudicos porque
expõe o respectivo pênis, órgão tradicionalmente ocultado na
arte, a partir do século 16: na escultura e na pintura, o pênis
tornou-se órgão proibido, que se oculta, hábil ou
canhestramente, contudo sempre adrede, por meio de ramagens, de
panos que descaem sobre ele, da posição do retratado, de objetos
que ele ou que algum circunstante porta ou por outros meios,
igualmente artificiais.
Trata-se de
falofobia, condicionamento cultural de origem católica, que se
entranhou nos costumes e segundo o qual é imperioso ocultar o
pênis e vergonhoso expô-lo. Ela constitui aspecto da gimnofobia
(recusa da nudez), preconceito inteiramente sem sentido e
completamente estúpido.
Observo a
falobofia nos ginásios de musculação de Curitiba (segundo
constou-me, ela se reproduz nos de São Paulo), cujos
freqüentadores evitam, absolutamente, exibir o seu pênis no
vestiário, ao ponto em que adentram a cabine do chuveiro de
cueca e de cueca dela se retiram; se saem com a cintura envolta
em toalha, vestem a cueca por debaixo dela. Considero caricato e
ridículo que procedam assim, por pudor ou por imitação.
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A
antiga estação ferroviária de Belo Horizonte contém
oito pares de mamas visíveis |
Por outro lado, em
várias cidades brasileiras, a escultura e a decoração de edifícios
públicos e de praças, dos anos 10 e 20 do século 20 apresentam
figuras femininas de mamas ao vento: assim, o antigo edifício da
prefeitura de Curitiba, em cujo topo vê-se uma mulher nestas
condições e seis crianças nuas; a antiga estação ferroviária de Belo
Horizonte contém oito pares de mamas visíveis e defronte a ela, o
monumento em homenagem aos inconfidentes apresenta uma estátua de nu
masculino, de nádegas expostas e em que a figuração de um pano
desajeitadamente encobre-lhe o pênis. Em Recife, na praça Maciel
Pinheiro, chafariz de mármore apresenta uma índia com os seios à
vista; em Olinda, pequeno boneco, em praça, representa mulher na
mesma situação; em Porto Alegre, na rua dos Andradas, em fachada de
casa vê-se boneco de avantajadas dimensões, que representa mulher
também de mamas ao vento. Em Curitiba, na praça Dezenove de
Dezembro, instalou-se casal de gigantes de pedra: homem, de pé,
estilizado, cujo pênis vagamente se nota; mulher, sentada, de mamas
salientes, que por anos permaneceu oculta, por detrás do palácio
governamental, pois o seu desnudamento escandalizava as pudibundas
curitibanas de então.
Ainda em Recife, o
admirável Instituto Ricardo Brennand possui, próximo da entrada
de um dos seus pavilhões, réplica do Davi, de Miguel Angelo (nu
em pelo e de pênis perfeitamente visível); uma das dezenas de
estátuas expostas no Instituto constitui-se de escultura
nórdica, dos anos de 1950, em que casal se beija: ambos despidos
e o homem com a sua genitália perfeitamente caracterizada e
exposta.
Segundo me constou por quem conhece capitais do nordeste
brasileiro, em Maceió, Fortaleza, Salvador, são tradicionais
bonecos de barro que representam homens e mulheres negros e nus,
em situações variadas, a exemplo de no telefone ou como banda
musical. Os masculinos de pênis à mostra, os femininos com mamas
ao vento, muitos deles com tais partes avultadas em desproporção
ao corpo, no intuito de frisar-lhes a existência, um pouco
caricaturalmente.
Nem as mamas são
vergonhosas, nem o pênis o é. Não faz sentido a censura deles na
pintura, na escultura, nas mentalidades nem nos costumes.
Josefina
Maria Castellano Biscaia, que se dedica à pintura de bonecos de
gesso, fez-me presente de figura feminina, que traz um seio
exposto. Septuagenária e curitibana, não comunga do preconceito
gimnofóbico.
Consoante Augusto (o
bufarinheiro de Olinda), alguém lhe afirmou que não exporia em
casa os bonecos nudistas, mesmo que lhe pagassem para tal;
repugnaram-no fosse pela nudez, fosse por preconceito racial,
fosse por desapreço estético, separada ou combinadamente.
Já eu paguei para
tê-los em casa: pelos sentados também por estética; pelos
quatro, mercê da sua mensagem ética.
O moleiro que os
moldou e Augusto, que mos revendeu, demonstraram abertura de
mentalidade e ausência de gimnofobia. Assim como o primeiro não
se peja de fabricar bonecos deste tipo nem o segundo, de
comerciar com eles, não me inibi eu de adquiri-los nem me pejo
de exibi-los em casa. Ao contrário. Independentemente do juízo
estético que possam merecer, eles portam juízo ético: transmitem
a mensagem do nudismo, da cultura do corpo livre de
preconceitos.
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