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Jornal Olho nu - edição N°186 - Maio de 2016 - Ano XVI |
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Comandos
Naturistas (1)
por PAULO PEREIRA* Enfatizo uma vez mais o prestígio da História, dos fatos estabelecidos, datados. Marx já nos disse, com total propriedade, que “os homens escrevem a história, mas não escrevem o que querem”... As meias verdades e os clichês muito gastos afirmam que a folha de papel em branco e as telas frias dos computadores aceitam tudo que se escreva, inclusive, acrescento eu, exatamente esse tipo de disparate conveniente. Entretanto a História, enquanto ciência e método, é, sobretudo, a narração dos fatos notáveis da vida dos povos, da Humanidade; a História é o conjunto de conhecimentos adquiridos pela tradição, o conjunto de documentos e testemunhos normalmente sobre o passado, o prestígio do fato datado e da fonte idônea. Esse conceito está anotado nos melhores dicionários da língua portuguesa, a fim de dirimir possíveis dúvidas. Repito, pois, que a História é narrada e muitas vezes interpretada, mas não deve ser jamais inventada ou desconstruída. Com certeza, não é criando casuísmos nem queimando livros, por exemplo, ou até evitando fatos e leituras, que iremos acumular os bons conhecimentos aprendendo as lições preciosas. Lembremos, de passagem, que geralmente os vândalos e os iconoclastas não consideram devidamente a História. Essa introdução que faço parece-me importante como um convite à reflexão, em particular quando desejamos narrar fatos históricos, já aqui e agora, relacionados com a antiga, rica e documentada história do Movimento Nudista-Naturista do Brasil. Nos idos de 1964, na plena vigência da ditadura militar, quando o nosso país foi mergulhado nas trevas das incertezas e dos arbítrios, tomei a iniciativa, apoiado por ilustres companheiros como Osmar Paranhos, Daniel de Brito, Terson Santos e Raul de Melo Neto, de criar os chamados “Comandos Naturistas”, uma iniciativa que se tornou efetiva, fecunda, constituindo-se numa boa semente, cujos frutos futuros são colhidos ainda hoje, notadamente no Rio de Janeiro, na praia do Grumari / Abricó, por exemplo. Naquela época, ao efetuarmos ações pioneiras nas referidas praias da Reserva, da Prainha e do Grumari / Abricó, era oportuno organizar pequenos grupos de naturistas, visando incrementar as boas práticas e a difusão serena dos fundamentos históricos. Nossa tarefa era, sobretudo, cultivar a nua liberdade, a integração concreta com a natureza, sem vestes ou máscaras, fazendo crescer e se afirmar a proclamada Verdade Nua, título inclusive histórico (1950) do livro de Luz Del Fuego, a grande pioneira nudista-naturista do Brasil.
Os nossos grupos reuniam cerca de 12 a 20 integrantes, em cada atividade programada, o que não era tarefa fácil naqueles tempos bicudos, censurados e violentos. Estabelecemos, como núcleo central, a praia do Grumari / Abricó, então quase inteiramente selvagem, preservada. Era costume igualmente visitar a Prainha, mais tarde APA – Área de Proteção Ambiental, e ponto de encontro de surfistas. Nossa efetiva atuação na Prainha está inclusive registrada, publicada, na Europa (década de 1960), fato anotado na página 63, no meu livro “Naturalmente, Um Perfil Documentado”, 2008. O artigo, em língua inglesa, chama-se “Brazilian Naturism – In Pearl Beach”, descrevendo uma ação datada dos “Comandos Naturistas”. Não havia, naquele tempo, qualquer estrada aberta ou bem sinalizada para acesso à Prainha. As visitas dos nossos grupos eram aventuras prazerosas e reconfortantes, mas a Prainha só era alcançada após uma hora de firme caminhada, desde o Pontal ou a praia da Macumba, através da montanha e sempre em direção ao mar, no rumo sul. No meu artigo, já referido, eu disse que se tratava de um paraíso escondido, natural, onde os amigos naturistas iam viver livremente, como a Natureza quer... A Prainha, por sua configuração física, ou geográfica, era (e ainda é) um sítio de rica diversidade de flora e fauna nativas, uma faixa generosa de areia branca, rochas dispersas e águas limpas e revoltas, tudo cercado pela Mata Atlântica razoavelmente preservada, uma região montanhosa, com algumas pequenas nascentes de água doce. Os nossos chamados “Comandos Naturistas” realmente puderam viver no paraíso da Prainha muitas experiências magníficas de comunhão com a natureza nua, a tribo nudista-naturista celebrando um viver pleno, especialmente naqueles dias iluminados, naqueles dias de índio... Os “Comandos Naturistas” atuaram também na região de Parati e da Ilha Grande. Os grupos, então, viajavam, pela rodovia Presidente Dutra, do Rio de Janeiro até Guaratinguetá, dirigindo-se em seguida, pela serra, até a pequena cidade de Cunha, São Paulo, de onde, por estrada de terra, acidentada, chegava-se a Parati, junto do mar. É interessante observar ainda que, precisamente na serra entre Guaratinguetá e Cunha, situa-se atualmente a entrada para o conhecido clube (ou vila naturista) chamado “Rincão Naturista”, surgido anos depois, o que nos mostra que a história também tem seus caprichos afirmativos... Mas, uma vez em Parati, alugávamos alguns barcos e íamos em busca de algumas ilhas desertas e acolhedoras, como a conhecida Ilha Sapeca, junto de Parati. E certa vez o grupo encontrava-se reunido, aproveitando o contato direto com a Natureza sem véus, quando surgiram dois barcos repletos de turistas, jovens na maioria. Os recém chegados perceberam tranquilamente a nossa presença e até gritaram palavras de saudação, sem demonstrar qualquer desconforto, mesmo tendo avistado três ou quatro componentes dos “Comandos” inteiramente nus. Houve, surpreendentemente, uma notável integração geral, constituindo assim uma experiência única, inesquecível para mim, uma demonstração de que, afinal, é possível que os seres humanos vivam em paz, despidos, talvez sem lenços e sem documentos, uma liberdade natural exaltada. Os mencionados turistas tiraram espontaneamente as roupas, unindo-se aos amigos naturistas numa verdadeira celebração, sem falsos pudores. Seria bom que todos os homens pudessem perceber que não é preciso pedir licença para ficar nus, nus como nascemos, a nossa identidade afirmada. Os nossos “Comandos Naturistas” são um modesto mas real exemplo das lutas que os verdadeiros pioneiros travaram para construir um caminho seguro nas terras brasileiras. Essa luta, como no meu caso em particular, tem sido diária, especialmente contra o teimoso obscurantismo, contra as intolerâncias, contra os preconceitos odiosos, contra o egoísmo, contra o protagonismo vazio e o antigo pudor hipócrita. Eu luto e luto muito, de longa data, sem rancores, com a serena coragem que tive a grande graça de aprender, ao longo da vida, com meus irmãos índios, índios de verdade. Luto porque estou vivo, como nos disse o velho xamã Kopenawa Ianomami e, por certo, lutarei ainda mais em espírito e consciência, no amanhã, convicto de ter buscado o bom caminho. Para quem possa interessar, eu não me fantasio de índio, nem costumo fazer concessões cômodas. Eu vivo a verdade nua e o amor fraterno, despojado, que o índio sempre fala em mim.
E foi com esse grande ideal que criei os chamados “Comandos Naturistas”, uma atividade concreta, um alicerce firme do edifício nu. Os “Comandos” atuaram, como foi salientado, no Grumari / Abricó, na Prainha, em Parati, na praia da Reserva, na Barra da Tijuca, na Ilha Grande, em Itatiaia, em Teresópolis e Petrópolis, como comentaremos em outro artigo brevemente. Esse meu relato modesto e desarmado é uma humilde homenagem aos nobres companheiros que encontrei pelos caminhos naturistas da vida, muitos deles hoje já no chamado plano extrafísico, homens e mulheres muito dignos que tiveram a coragem de procurar viver conforme a Natureza, inclusive sempre ressaltando a nudez como sua identidade natural. Em tempo: a atriz Letícia Spiller, em entrevista ao caderno “Ela”, de “O Globo”, nos fala também no dito “Natural”, afirmando que “sempre chega a hora de nos livrarmos de certas coisas...”. A matéria de “O Globo”, de autoria de Renata Izaal, destaca um poema do português Jorge de Sena: “Por que há então quem tema tanto a nudez dos outros? Será que teme, menos que o feio de muitos, a beleza de alguns, ou o fascínio das esplêndidas partes de uns raros?”... Façamos essa reflexão. Naturismo, pois, não rima com pudicícia nem com egoísmos persistentes. Eu perguntaria, então: quem tem medo da nudez e da liberdade? A beleza incomoda? A historicidade atrapalha? Existiria naturismo sem nudez ou naturismo sem nudismo? Pensemos bem nisso. As atividades dos “Comandos Naturistas” são, acima de tudo, uma evidência histórica de que a boa prática nudista-naturista é um grande sonho possível, desde que seja apenas natural, como demonstrou sabiamente o notável William Welby, sem invencionices. Paulo Pereira ___________ Maio, 2016
(enviado em 4/05/16 por Paulo Pereira) |
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