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Jornal Olho nu - edição N°191 - Outubro de 2016 - Ano XVII |
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"Sem Censura" revisitado Por Paulo Pereira*
Quando a edição de número trinta e um (31) das festejadas Olimpíadas, realizada no Rio de Janeiro, já faz parte da história, aguardando um melhor dimensionamento, que o tempo proporcionará, revisito, passados vinte e dois anos, a entrevista que dei, como presidente da Rio-Nat – Associação Naturista do Rio de Janeiro, ao programa “Sem Censura”, da TV-Educativa, em dezembro de 1994, por ocasião de uma medida liminar concedida pelo juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, proibindo a prática nudista-naturista na praia do Abricó.
Minhas palavras, firmes e contidas, certamente constituem um depoimento histórico, que enriquece a saga nudista-naturista do Brasil, sobretudo, destacando a famosa praia do Abricó e a prática nudista-naturista, repito, atividade ainda hoje nem sempre bem compreendida pelo público em geral. Recentemente, 2016, salientei, em dois artigos publicados pelo Jornal Olho Nu, sob o título de “Comandos Naturistas, 1 e 2”, a minha atuação pioneira no Grumari/Abricó, desde 1964, sempre apoiado por alguns amigos ilustres, que recordo com gratidão. É indispensável produzir seriamente a memória e acatar sempre a história.
O programa “Sem Censura” era, então, comandado, de forma segura e talentosa, pela jornalista Lúcia Leme. Eu disse, logo de início, que julgava toda aquela situação uma tempestade num copo d’água, até difícil de entender, algo meio surrealista afinal, uma vez que ocorria uma proibição formal, judicial, de uma atividade pacífica e discreta justamente numa faixa de praia deserta e escondida, fato antigo, desde 1964, pelo menos. O chamado nudismo-naturismo não havia sido inventado ou incrementado de súbito; não era rigorosamente nenhuma novidade, especialmente desde 1948/49, pela ação pioneira de Dora Vivacqua, a Luz del Fuego...
Além disso, acrescente-se, para espanto geral, que o nobre magistrado, ao proferir a sentença liminar, afirmara que a nudez na praia era ridícula. E houve até quem sugerisse a intervenção do “Comando Militar do Leste”, um disparate total.
Hoje, felizmente, a prática nudista-naturista está assegurada por lei na praia do Abricó, fato superlativo, que me conforta e estimula. Mas, durante o programa, algumas falas e colocações, dos então presentes, merecem breve registro, reafirmando energicamente que a ignorância não é virtude, e que o conhecimento mostra-se imperativo, afastando sempre crendices e tabus.
De fato, o antigo comentarista de futebol, Sergio Noronha, o popular “Seu Nonô”, insistia em falar de “impulso”, de “defensiva”, proclamando, inclusive, a “pérola” de que “natural era estar vestido e que não seria natural estar nu no elevador”... Era evidente a desinformação da maioria dos debatedores a respeito das questões nudistas-naturistas: mais uma vez o nu humano isolado, acusado, tido como algo esdrúxulo, no mínimo.
Como é do conhecimento da ciência, biologia e medicina em particular, nada mais natural do que o corpo nu, pois nascemos todos nus, conforme a natureza, que, como eu digo, não pede julgamentos... O termo “natural” origina-se do latim, do vocábulo “naturale”, o que é conforme a natureza, inato, espontâneo. Estar vestido é até habitual para muitos, costumeiro, cultural, mas a natureza nunca vestiu ninguém, muito menos por pudor ou conveniência, recordemos atentamente. E ficar nu no elevador, por exemplo, é um comportamento meio cômico, com ares até de mera transgressão ou exibição, mas é um dado extemporâneo, gratuito, que não serve para argumentação séria.
Mas é indispensável salientar concretamente que ficar nu, simplesmente ficar nu, não faz ninguém ser nudista-naturista, nem transforma ninguém em índio... A grande questão que se impõe repetidamente é uma só: por que a nudez incomoda tanto?...
O adepto do nudismo-naturismo não é necessariamente um ser exótico, impulsivo, exibicionista ou viciado: o nudista, ou naturista, é um ser normal, alguém que valoriza a natureza e busca a comunhão com ela em estado de nudez total, natural, simples assim. William Welby, anoto novamente, afirmou que “a filosofia do nudismo (naturismo) é apenas natural”! É preciso não inventar ou complicar... Já basta de palpites vazios!
Recordo ainda, de passagem, que a famosa jornalista Edna Savaget falou em “países nórdicos”, como sendo o centro, o foco geopolítico, a localização típica do nudismo-naturismo, o que é uma afirmação generalizada e equivocada. A esse respeito, por exemplo, aconselho humildemente uma boa leitura do meu ensaio chamado “Da Identidade Nua”, 2015, publicado pelo Jornal Olho Nu, destacando, inclusive, o que eu chamei de “pensamento nu”, um estudo sumário das origens e dos desenvolvimentos histórico-filosóficos do nudismo-naturismo, no mundo e no Brasil. A jornalista confundiu um pouco as coisas.
O adjetivo “nórdico”, segundo os dicionários consagrados da língua portuguesa, significa “escandinavo”, relativo à Escandinávia, região do extremo norte da Europa. Pelo que sabemos, a Alemanha, a França, a Inglaterra, e os Estados Unidos, por exemplo, pólos importantes do nudismo-naturismo mundial, desde Ungewitter, não são países nórdicos...
E o Brasil, país latino e tropical, não teria as “características” ideais para ser um pólo nudista-naturista? O tempo mostrou bem que, ao contrário da colocação afoita da jornalista, o Brasil, graças ao trabalho de muitos pioneiros, desde 1949, já atingiu a 4a etapa de sua evolução, recebendo um Congresso Internacional em 2008, em Tambaba, em pleno nordeste, o que reafirma cabalmente o que tenho procurado demonstrar, sobretudo quando falo de história, de conhecimento, de verdade nua, como nos disse Luz del Fuego.
Desde 1994, e ainda agora no século XXI, persiste, em alguns redutos, o desconhecimento dos fatos históricos e da essência da filosofia nudista-naturista, notadamente em função do preconceito do nu. Naturismo sem nudismo não faz sentido, como nos disse o amigo Pedro Ricardo Ribeiro, com sabedoria e simplicidade.
Quem tem medo da nudez? O homem nu está ao natural e fazer nudismo-naturismo nunca foi realizar qualquer pacto com o diabo, resultado de impulsos malucos ou de vícios perigosos... É hora de buscar conhecimento em vez de divulgar disparates. Parafraseando Arnaldo Bloch, “não basta empostar a mentira em mesóclises”, pronomes e verbos intercalados para um jogo de palavras, as mentiras vestidas de meias-verdades, ou de falsas promessas ou feitos, o pudor hipócrita travestido de recato, a aflição do nu revestida por eufemismos, o natural substituído pelo cultural conveniente, o nudismo-naturismo inventado para protagonismos estéreis, tudo isso servindo para desinformação, para distorcer a história, para edificar construções de areia ou para procurar ocasionais holofotes, como mariposas afoitas.
A minha revisita ao programa “Sem Censura” me faz sentir que valeu muito o caminho percorrido, mas me faz cobrado pela responsabilidade de continuar cultivando os fatos, as verdades nuas, com coragem de índio não aculturado... Ninguém teve um impulso tresloucado e resolveu criar a prática nudista-naturista no Abricó, que tem história rica, a exemplo do próprio nudismo-naturismo centenário, desde Ungewitter na Alemanha, e desde Luz del Fuego aqui no Rio, no Brasil. A atividade nudista-naturista não configura concretamente uma ruptura social, mas deve ser, de preferência, um despojamento natural, uma integração à natureza sem véus.
Quando falei, no programa, de passagem, no nosso “código de ética”, mais uma vez, o debatedor Noronha tentou o repetido contraponto, mais para contradizer por contradizer, sem querer perceber que o naturismo do Brasil sempre se preocupou com o respeito ao próximo, distanciando-se de qualquer oba-oba despido, de qualquer prática permissiva. Hoje, temos até Conselhos de Ética, e as regras se não são tão diversas das regras éticas, no geral, são, inclusive com suas especificidades práticas conhecidas, uma afirmação de zelo e de atenção pela boa prática, evitando confusões e mal-entendidos. Ser nudista-naturista implica em regramentos, em conhecimento dos fundamentos histórico-filosóficos, o que tem sido o segredo para mais de cem anos da existência conhecidos consagrada de tantas associações e federações ao redor do mundo.
Igualmente importante, embora um tanto repetitiva, foi a menção à frase do dramaturgo Nelson Rodrigues, “a nudez será sempre castigada”, acrescentando-se uma explicação: castigada para não ser indiferente... Mas Nelson Rodrigues, que conheci nos antigos corredores do jornal “Última Hora”, na década dos anos 1960, certamente quis dizer que a nudez será sempre festejada, badalada, abusada, destacada, falada, consumida, até porque, como eu disse durante o programa, quem fica totalmente indiferente diante da nudez com certeza está doente, perturbado. O índio anda nu, mas jamais mostrou-se indiferente. Naturalidade não é indiferença!
O programa “Sem Censura” vale como um grande ensinamento e uma advertência. A tradição do Movimento precisa ser sempre valorizada, rejeitando-se os improvisos, as invencionices e os preciosismos, quer verbais quer de atitude ou conceito. A grandeza do nudismo-naturismo reside na naturalidade, na simplicidade, no seu caráter universal e fraterno.
Em tempo: Quando comentamos e vivenciamos recentemente as históricas Olimpíadas, é importante lembrar que a nudez é também olímpica, destacada e datada nas olimpíadas gregas da antiguidade, como saliento numa matéria publicada em “Brasil Naturista”, sob o título de “A Nossa Nudez de Sempre”, texto também publicado, na íntegra, no meu livro “Sem Pedir Julgamentos”, páginas 161 a 165. A nudez humana não é uma novidade nem um transbordamento, um mero impulso permissivo, mas nossa identidade física, a nossa cara no mundo.
O devido conhecimento dos postulados científicos, dos registros históricos e das obras de arte, enfatizo, é o melhor remédio contra o teimoso obscurantismo e a pudicícia hipócrita, inatural, que acusam a nudez de ridícula e pecaminosa, mas esquecem o poder indomável da natureza soberana, que triunfa sempre, verdade que percebo, fascinado, inclusive nos olhos dos meus grandes gatos companheiros, a exemplo dos versos imortais de William Blake:
“In what distant deeps or skies Burnt the fire of thine eyes?...”
As verdades naturais brilham no fogo dos olhos dos tigres, dos gatos sem medos e sem pudores, eloquentes nos seus silêncios inquietantes, sempre a nos recordar do belo texto do saudoso cronista Paulo Alberto: “Ode ao gato em lugar de ódio ao gato”, ao gato, aos gatos todos, esses magos da sutileza, sem bruxarias tolas ou clichês idiotas, magos sensuais e travessos, que amam livremente, sem submissão covarde, uma grande lição para a maioria dos homens racionais, vestidos demais e sábios de menos. E muitos desses homens pouco sábios pensam realmente que são deuses e alguns deles tem até mesmo certeza absoluta disso, pois se julgam eleitos pelo simples e fortuito destino, com certeza irrevogável e delirante. Mas a mãe natureza os ignora solenemente, pois eles são apenas mortais como todos nós, sem privilégios ou fatalismos comprovados. Por tudo isso, tenho preferido aprender com os meus grandes gatos: eles não se submetem covardemente, eles não se vestem nem ligam para quem usa black tie.
(enviado em 24/09/16 por Paulo Pereira) |
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