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Jornal Olho nu - edição N°205 - Dezembro de 2017 - Ano XVIII |
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Perfil: Verdade e Caricatura por Paulo Pereira*
Consulto novamente os meus alfarrábios e releio, muito atento, a nota inquietante sobre a morte súbita do grande ator Walmor Chagas. Ele teria dito que, na velhice, o ser humano vira uma caricatura de si mesmo e deveria retirar-se; e que, na realidade, ele estava com fastio, enojado, diante da mediocridade geral! Palavras fortes, oportunas, plenas de significados, um convite direto à reflexão.
A caricatura é um fragmento, uma distorção ou um olhar mais agudo?... Na caricatura, normalmente exageramos ou deformamos alguém ou alguma coisa para promover o ridículo? A velhice pode ser realmente percebida como algo ridículo? O ser humano vive construindo, como sabemos, muitas utopias porque não aceita seus próprios limites? São algumas das perguntas que ficam anotadas, especialmente quando falamos de interpretações e de olhares variados, especulativos, o que pode nos conduzir a pensar que o ser humano afinal possa ser a grande utopia...
Percebe-se que a humanidade, em geral, veste muitas
vezes fantasias tragicômicas, mas de fato aumenta a nossa convicção
de que a ignorância e a crescente superficialidade andam ditando
indiretamente a maioria dos comportamentos perturbadores e
persistentes, independentemente da idade dos indivíduos. A falada
pós-verdade, a imaturidade psicológica e o vício do improviso
sistemático, ao arrepio da Ciência, da História e da Sabedoria,
comandam frequentemente o nosso dia-a-dia irreverente e meio
automatizado. Então, o caminho alternativo de um retiro inteligente
muitas vezes se impõe, especialmente aos que sabem observar o bom
senso e o autorrespeito. Vivemos, de fato, num imenso mundo perverso, em crise, em grandes transformações, onde muitos desavisados, essencialmente agressivos, discutem por discutir, talvez somente para tentar ganhar a discussão, certamente para afirmar seu ego enfermo, até mesmo sem saber bem o que discutem, sem conseguir precisar o foco da dita discussão, um impulso louco, irracional, sobretudo de falsa erudição, algumas vezes até mesmo tentando aparentar um conhecimento especializado em matérias que não dominam integralmente, como no caso específico de ciências complexas e da gramática de línguas estrangeiras, um verdadeiro circo de malabarismos patéticos, ridículos, para mera exibição gratuita... Pior ainda, esses fariseus desequilibrados, inseguros, muitas vezes usam, nas discussões que provocam, um tom de voz sumariamente agressivo e não raro assumem uma postura física ameaçadora, fato que pode ser interpretado claramente como tentativa de agressão...
Essa faceta lamentável do comportamento atual de muitos encontra, por certo, campo fértil numa sociedade enferma, que teme essencialmente a liberdade, como bem observa o notável Erich Fromm em sua obra consagrada. E, no Brasil, para agravar toda essa questão psicossocial, recentes dados oficiais comprovam que pelo menos metade das crianças de 9 e 10 anos de idade não consegue escrever e ler corretamente ou mesmo interpretar o pouco que consegue ler... Configura-se inteiramente a constatação da grande precariedade de nosso sistema educacional, insuficiência que chega, inclusive, ao nível superior, até mesmo aos textos de trabalhos de graduação e pós-graduação, onde há registros comprovados de um número expressivo de inconsistências sérias.
Talvez ande em falta, quem sabe, um melhor discurso acadêmico, um
estudo mais atento de bibliografias idôneas, uma pesquisa mais rica
de dados e de teses conhecidos e afirmados, além de uma linguagem
própria em bom português, que evite meros clichês e formulações já
prontas, sobretudo de concepção e abordagem, sem esquecer os
frequentes oportunismos ideológicos descabidos. Lembremos que
educação é requisito fundamental de crescimento e de cidadania. Não
podemos, pois, incentivar a construção de caricaturas demagógicas em
vez de priorizar conhecimento, isso sem falar dos casos de plágios
recorrentes.
O Jornal “O Globo”, em 08/10/2017, na página “Opinião”, destaca um
pequeno artigo intitulado “Negligência Com Educação Explica
Desníveis Sociais”, matéria que certamente pede nosso registro
especial. O referido texto salienta que a pobreza, no período
pós-ditatura militar, tem sido combatida com algum sucesso, que
avançou-se muito, mas está claro que a principal alavanca propulsora
da melhoria da qualidade de vida da população, no sentido mais
amplo, a educação, ainda não recebeu o impulso de que necessita... O
Ensino Médio e o Ensino Superior, como anota “O Globo”, ainda
mostram estreitos gargalos, que dificultam o avanço da escolarização
do brasileiro, mas, acrescento aqui e agora, que não devemos jamais
abrir mão da qualidade e do princípio do mérito, sem confundir
quantidade e eficiência. O número de analfabetos, incluindo os
analfabetos funcionais, é assustador, e aponta, juntamente com a
falta de um bom saneamento básico no país, para o ponto nevrálgico
da questão, em linhas gerais.
Quando falamos em ciência, em conhecimento real, é necessário
entender, por exemplo, que a ciência não é mera especulação. Então,
não cabe prestigiar especulações, ainda que muito criativas, por
exemplo, nas dissertações de mestrado e de doutorado; não se pode
confundir recurso didático com conteúdo científico, ou técnico, em
princípio. Muitas vezes constata-se a falta de rigor metodológico,
até mesmo misturando-se habilidade e imaginação com densidade
teórica, notadamente nas propostas ou formulações de tese. Essa
quase superficialidade pode comprometer eventualmente o valor do
estudo e de sua efetiva aplicação, o que favorece resultados
equivocados. A educação, em todos os níveis, pede uma atenção
especial, sobretudo quando se fala tanto em desenvolvimento
sustentável. Improviso não é ciência! Por tudo isso, nessa nossa reflexão, mostra-se preciosa a questão do chamado “silencio nobre”, como preconiza o budismo milenar. Necessitamos, mais do que nunca, procurar unir conhecimento e sabedoria. A mediocridade nojenta, denunciada por Walmor Chagas, talvez não resista por muito tempo a uma atitude firme e serena de profunda reflexão e de solidão consentida, de busca lúcida pelo saber, pelos valores mais altos da humanidade. Sem uma educação qualificada, não há progresso efetivo. Cito, de passagem, o texto bíblico: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (Timóteo 2.2)...
É importante que seja destacada a questão
da idoneidade quando se busca transmitir conhecimento. O fato é que Walmor Chagas parece que tinha mesmo razão: causa imenso fastio
nauseante ser forçado a engolir tanta asneira institucionalizada, que
se observa no nosso dia-a-dia, tanta pegadinha pobre criada muitas
vezes à guisa de verificação de conhecimento, como teria ocorrido
recentemente na proposta do tema de redação do celebrado “ENEM”,
quando um assunto basicamente técnico-científico específico, o da
surdez humana, foi guindado e jogado, quase como isca ou arapuca,
nas mãos dos candidatos... A maioria da sociedade enferma parece dançar um grande baile de máscaras, de caricaturas, ignorando sobretudo as verdades eternas e a natureza nua. O bicho-homem, o primata paradoxal, julga-se muitas vezes dono do planeta, centro do universo e, nesse cenário meio surrealista, percebe-se que o nosso dito traje de nascença, a nudez, acaba como simples acessório, embora, na realidade, acompanhe o ser humano do berço ao túmulo de forma inapelável.
Recordemos que alguns fariseus vivem imaginando até mesmo, em estranha teoria, um naturismo sem nudismo, uma invencionice pudica e hipócrita, anticientífica. Até quando? E, por tudo isso, cansado de tantas caricaturas, volto, esperançoso, aos meus estimados alfarrábios, aos textos que não morrem, para buscar um certo refúgio, talvez quem sabe uma nova luz.
Considero, muito atento, as palavras sábias do Lama Surya Das, ilustre pensador do velho Tibete. O monge nos diz, perspicaz, que muitas pessoas simplesmente não são capazes de aceitar as verdades científicas e que indagam a si mesmas como pode um planeta, sobre o qual nós caminhamos, não ser o lugar de maior importância que existe... Muita gente, por exemplo, que enche a boca com a palavra “sustentabilidade”, entendida até como modismo, não consegue distinguir, ou não quer distinguir, ambientalismo e gestão ambiental de Ecologia, de Ciência, que não pode ser constantemente banalizada. Surya Das observa que os pensamentos e o os conceitos humanos encobrem a realidade e que, quando começamos a meditar e a investigar mais profundamente as questões sutis do espírito e da verdade, os nossos conceitos sobre nós mesmos se tornam reveladores; começamos, então, a enxergar o que são as histórias que contamos a nós mesmos, reflexos diretos do “eu” de fantasias, que construímos ao longo do tempo... Surya Das acrescenta, muito preciso, que não existe rigorosamente um “eu”, ou ego, que seja fixo e eterno; tudo muda de acordo com as leis de causa e efeito e tudo faz parte de um fluxo de mudanças.
É fundamental considerar a impermanência dos
seres e das coisas nesse nosso planeta das águas, que chamamos de
Terra, planeta que é instável, mutante, longe de ser ele mesmo o
centro do Universo. Necessitamos, acima de tudo, de um melhor
conhecimento e de muito mais humildade. Por comodismo e vaidade,
mesmo em matérias cientificas e diante de princípios e de estudos
respaldados, comumente construímos muitas utopias, inúmeras
estatísticas criativas, projeções casuísticas, especulações
ideológicas e até ilações vazias, que não raramente nos conduzem a
convicções precipitadas, a proclamadas certezas absolutas mas de
fato descabidas.
Dessa forma, talvez seja muito válido, em várias situações, bater em
retirada para longe das extravagâncias, dos atropelos e das
superficialidades cansativas. Em vez de repetidas caricaturas, vale
sempre escolher as reais e boas autenticidades. O ser humano,
fábrica de utopias, precisa priorizar sua riqueza interior
procurando concretamente sentir a alegria sagrada de fazer parte,
ainda que modestamente, do enorme enigma multiforme do processo da
vida, que desenha, afinal, um grande ponto de interrogação nas
abismais sombras do infinito... O jornal “O Globo”, de 11/11/2017, publica duas matérias objetivas a respeito da grande desordem sonora e visual, que nos agride diariamente. Na página “Rio”, Renan Rodrigues destaca a velha questão da perturbação da ordem, do sossego, sob o título de “Durma com um barulho desses”... O barulho, que nada tem de sustentável, atormenta a cabeça de todos, e muito pouco é feito para amenizar a situação. Estamos no tempo das ditas caricaturas e da proclamada pós-verdade. Mas até quando vamos assistir a esse baile de máscaras? Observemos, então, o que Frei Betto, objetivo, nos diz na página “Sociedade” (O Globo) indo diretamente ao ponto e falando precisamente sobre a importância do silêncio: “Quem busca o silêncio? Estar só se tornou uma experiência ameaçadora... O silêncio é quebrado pela ansiedade e tememos a solidão. O silêncio constrange quem não sabe acolhe-lo. O silêncio perturba porque nos remete à desafiadora via do mergulho em nós mesmos... Desnudar-se frente ao espelho da subjetividade; desprover-se de todos os artifícios que nos convocam à permanente exposição”...
As palavras de Betto são uma advertência importante, especialmente quando vivemos numa sociedade aflita, neurótica, violenta, ruidosa, invasiva e superficial. Medo e falso pudor, enfatizo, sublinham a maioria das atitudes corriqueiras das multidões robotizadas. Mas Frei Betto, afirmativo, acrescenta: “Saber se calar é sabedoria. Só quem conhece a beleza do silêncio dentro e fora de si, é capaz de viajar por seu próprio mundo interior”...
Lembramos aqui, de
passagem, que o verdadeiro Nudismo-Naturismo, sem medos ou falsos
pudores, propõe historicamente, desde Ungewitter, um desnudamento
integral, corpo e mente, e um consciente abandono dos artifícios. A
busca serena da verdade nua e do silêncio interior constituem bases
preciosas de enriquecimento individual, requisito fundamental para o
bom entendimento da teoria e da prática do Nudismo-Naturismo,
enfatizemos sempre. É insuportável a mera leitura subjetiva das
filosofias e dos fatos, o que constitui grave descaso pela verdade,
pela história. A real identidade humana, toda nua, física e mental,
só se revela quando ousamos investigar nosso íntimo, sem fantasias,
sem ilusões ou caricaturas. A verdade nua, como proclamou a saudosa
pioneira Luz del Fuego, em lugar das hipocrisias, e somente a
verdade nua, poderá nos conduzir à verdadeira paz e à iluminação
espiritual. Procuremos, pois, essa grande verdade, de preferência no
culto do silêncio nobre, no âmago do nosso ser, onde poderemos
encontrar a chama viva da luz maior, rasgando as trevas da
ignorância e do desamor, no sublime voo da transcendente águia
libertadora... O erudito escritor Percy Ellis, sábio e afirmativo,
nos fala dessa águia libertadora e nos adverte que “a luz brilha
sobre todos; a recepção da luz depende da nossa aceitação, aceitação
e obediência consequente”... Deixemos o sol brilhar!
Cito, por oportuno, mais uma vez o texto bíblico: “A candeia do
corpo é o olho; de sorte que se o teu olho for singelo, todo o teu
corpo terá luz”(Mat 6: 22). Por tudo isso, em vez de engano,
sabedoria, e um olhar perceptivo voltado para a Verdade.
Basta de trevas, de intolerância e de discriminação! E chega de
niilismo conceitual! Em linguagem e em filosofia, por exemplo, não
se pode raciocinar como em matemática... É tempo de viver
integralmente!
(enviado em 01/12/17 por Paulo Pereira) |
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