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Jornal Olho nu - edição N°208 - Março de 2018 - Ano XVIII

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INVERSÃO

(Performance teatral naturista)

de Iran Lamego

 

Personagens: Diretor
Sonoplasta
Cenógrafo
Ator - 1
Ator - 2
Assist. de Palco
Diretor Aux.
Atriz - 1
Atriz - 2
Figurantes

 

Única cena

 

* Um diretor teatral em atividade dirigindo quatro atores em cena. Ao redor uma equipe técnica de 5 pessoas: assistente de palco; diretor auxiliar; iluminador; sonoplasta; cenógrafo. Todos envolvidos em suas atividades.

 

Diretor – Estamos atrasados. Alguém saberia me informar se o sonoplasta já chegou?

 

Sonoplasta – (chegando) Já estou aqui! Desculpem-me o atraso. Som, testando...

 

Diretor – Atores em cena. E os adereços?... Cadê o assistente de palco?

 

Cenógrafo – Você disse que ele fosse ver o que estava acontecendo lá fora... Lembra?

 

Diretor – (impaciente) Mas porque demora tanto...

 

Ator 2 – Já está vindo aí...

 

* Entra o assistente de palco, esbaforido.

 

Assist. de palco – Diretor temos um problema!

 

Diretor – Não me faltam problemas nesta produção, fale mais um...!

 

Assist. de palco – Está ocorrendo uma manifestação aí em frente ao teatro.

 

Diretor – Manifestação, logo hoje na véspera da estreia! (Tira um cigarro, diretor auxiliar tira-lhe da boca). Que isso?...

 

Diretor aux. – Por força de contrato não podemos fumar nas dependências do teatro, não temos mais recursos para pagar indenizações...!

 

Diretor – (ironizando) Não pode isso, não pode aquilo...

 

Assist. de palco – E os manifestantes diretor?

 

Diretor – Tudo ao mesmo tempo. (Faz o gesto que vai acender outro cigarro e o diretor auxiliar mostra o contrato) Porque eles não vão se manifestar lá em frente à sede do governo. Não temos culpa da crise em que o país passa...

 

Assist. de palco – O protesto não é por causa do governo.
Diretor – Porque então?

 

Assist. de palco – Venha ver aqui. (vão em direção a uma janela imaginária).

 

Diretor – O que é aquilo?... (Retornando ao lugar de origem) Ficaram loucos?

 

Assist. de palco – Eles querem uma peça teatral têxtil. (Alguns apreensivos, outros indiferentes, alguns ironizam...).

 

Diretor – Como é que é?
 

Atriz 1 – Interessante...
 

Ator 2 – Diferente...
 

Diretor Aux. – Inovador...
 

Assist. de palco – Estão exigindo o direito de serem têxteis! Por isso querem uma peça que expressem suas idéias e sem censura.
 

Diretor – São loucos! (Vai novamente em direção a janela, outros acompanham). Estão no meio do povo desse jeito, não respeitam nem as crianças. Olha só todos vestidos...
 

Ator 1 – Devemos admitir... são corajosos.
 

Atriz 2 – Não vi nenhuma atitude amoral, embora não seja natural.
 

Assist. de palco – Eles insistem em falar com o senhor!
 

Diretor – Comigo? Eles têm que falar é com os políticos que elaboram as leis e fazem o que bem entendem de nosso país. Com o judiciário que sentenciam as leis contrárias aos seus direitos têxteis.
 

Assist. de palco – Está ouvindo? Diretor está ouvindo? (Vozes fora de cena conclamam o nome: Fábio! Fábio!).
 

Diretor – (Com as mãos a cabeça) Com essa loucura acabou nosso ensaio! Não quero ver um grupo de pessoas vestidas desfilando no local onde faremos nossa estreia. (irônico) E por força de contrato não seria proibido entrar no teatro com roupas...?
 

Diretor aux. – Não diz nada sobre isso. Diz que não se podem cometer atentado ao pudor, atos obscenos, erotização do corpo, desrespeitar a naturalidade do corpo...
 

Diretor – Então... Aí estão Vários motivos para não recebê-los...
 

Ator 2 - Embora não ache natural como eles vivem, mas, eles não estão infringindo a lei. Não tem nada de imoral, amoral, indecente, nem mesmo atentado ao pudor só pelo fato de serem têxteis. Acho que deveríamos recebê-los.
 

Atriz 1 – Diretor desculpe-me a intromissão, mas, pesquisei nas redes e descobri que são muito organizados, existe uma federação, estão em quase todos os estados. Encontram-se regularmente, eles têm organizações comerciais, turísticas, clubes...
 

Diretor – Como pode isso, os têxteis tem uma Federação?
 

Atriz 1 – Federação Brasileira de Têxteis! Aqueles que vivem mesmo esse movimento seguem o Código de Ética Têxtil. Acredito que seria bom recebê-los por causa da imprensa que está aí fora.
 

Diretor – Eles poluem ainda mais nosso planeta com esse monte de tralha desnecessária.
 

Atriz 2 – De fato, não entendo o porquê de se usar essas coisas o tempo todo. Aprendemos desde sempre que as roupas são para as necessidades naturais do corpo e não como troféu. Mas, assim como a gente, eles também têm o direito de viver como acharem melhor.
 

Cenógrafo – Imagine diretor o contraste: corpos naturais x corpos têxteis...
 

Diretor aux. – Seria muito bom para divulgar nosso trabalho. Além de que nosso próximo trabalho seria inovador: uma dramaturgia têxtil!
 

Cenógrafo – As cores, as formas... Seria um outro olhar sobre o corpo.
 

Ator 1 – E lembremos que amanhã será nossa estreia. Imagina esses manifestantes com todo esse barulho na hora de nossa apresentação.
 

Diretor – Muito bem, muito bem, vamos enfrentar esse problema. Uma vez que assumimos essa situação, peço no mínimo respeito de todos. Deixem entrar!
 

* Entra o grupo de manifestantes têxteis acompanhado pela policia e imprensa que estão ao natural.

 

FIM
 


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