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Jornal Olho nu - edição N°209 - Abril de 2018 - Ano XVIII

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Referências e Improvisos

por Paulo Pereira*
Abril/ 2018

Quando o céu do crepúsculo exibe surpreendentes tonalidades de mais um outono, penso em formas, cores e corpos, como sugeriu o icônico Jornal do Brasil, revivido, de volta às bancas, ao encontro dos leitores de sempre. O nosso JB é, sem dúvida, uma referência valiosa quando tratamos de assuntos relativos à imprensa. Desde os tempos da antiga sede na Avenida Rio Branco, nº 110, no Rio de Janeiro, a Rádio Jornal do Brasil, pioneira das programações em FM, sem esquecer a Rádio Imprensa, é um marco da radiofonia brasileira. Recordo, com emoção, os vários programas, que se fazem inesquecíveis, como “O Jornal do Brasil Informa”, “O Pan-Americano”, “Encontro Marcado com Dom Marcos Barbosa (OSB)”, “Em Tempo de Jazz” (com Paulo Santos), e “Som Infinito”(com Dom João Evangelista – OSB), por exemplo.

Na vida em geral, como na História, as referências são fundamentais. Ao reler as páginas do JB, percebo, feliz, nesses dias mais curtos da nova estação, que mora no ar um certo alívio, um frescor renovado, que nos faz lembrar, afinal, de muitas experiências bem vividas, hoje meio adormecidas, mas para sempre inquietantes... A leitura do JB funciona como uma porta mágica para reviver emoções do passado e, serenamente, perceber caminhos mais amplos para o hoje e para o amanhã.

Assim, num exemplar de nº 7, de março de 2018, no famoso Caderno B, o JB nos fala efetivamente do “Rio em formas, cores e corpos”, matéria assinada por Luiz Pimentel, enriquecida por várias fotografias: “O Rio de Janeiro não é só o cinza da violência, da decadência e da agonia. O plástico e o poético, felizmente, ainda se impõem em múltiplas cores”... O JB destaca o encontro artístico chamado “Moda e Movimento”, na Casa França-Brasil. Moda, teatro e dança fazem o espetáculo, proporcionando uma experiência única, “que pretende brindar a diversidade de corpos e gêneros, com modelos entre os 19 e 70 anos de idade”... Fico pensando, então, mais uma vez, na arte de William Blake, nos desenhos de Gibran, e até nas danças tribais dos Tupinambá, a nudez como explosão de vida, sem censuras prévias, o plástico e o poético, enfim, exaltados, uma referência quando se busca melhor perspectiva para entender os nossos próprios enigmas.

De fato, há sempre referências e improvisos, que pedem atenção. Consulto, de passagem, as páginas escritas por Gilbert Varet, na obra “L’ Épanouissement, La Santé et la Forme par Le Naturisme”, 1989, um texto diversificado, didático, autoral, com prefácio de Philippe Cardin, ex-presidente da Federação Francesa de Naturismo. Varet salienta que a nudez é um direito natural, que a prática naturista é bem mais do que um simples sonho, afirmando: “Le naturisme est quelque chose de simple, comme la nudité ele-même”... É, pois, importante não complicar, não cultivar preciosismos de falsa erudição. Mostra-se muito importante, quando falamos de simplicidade e de referência, citar Varet no original, sem qualquer interferência de traduções. Varet é direto e claro:

Pour le naturisme, la pratique de la nudité em commun est un point de passage obligé: on peut aimer la nature, goûter un inoubliable plaisir à passer un après-midi étendu dans l´herbe devant un beau paysage; ou encore on peut se donner pour but de défendre la nature, de la protéger, de la cultiver dans ses formes rares ou fragiles. Mais le naturiste est celui qui pousse cet amour de la nature jusqu’ à vouloir la retrouver directement dans un état de complète nudité”...

Então, não basta amar a natureza, sentir prazer de estar diante de uma bela paisagem, defender a natureza e o meio ambiente, proteger a biodiversidade e as formas raras dos seres vivos. A nudez coletiva, social, é um dado obrigatório; naturista é aquele que vivencia seu amor à natureza por meio de sua nudez consciente; a prática nudista é um ponto essencial; não há naturismo sem nudismo! Como afirma Varet, inclusive, a prática da nudez social é meio fundamental, indispensável, dentro do que se define e conceitua como naturismo, um modo de vida capaz de transformar nossa concepção a respeito de nossa existência, de nossa real identidade...

Varet nos fala das vestimentas perdidas, da relação de virtude e nudez, do ar puro, das águas, do sol, dos ventos, em suma: da natureza nua! Varet ressalta, lúcido, que nudismo-naturismo não é exibicionismo ou extravagância; o naturismo bem concebido pode ser aliado do feminismo e do ambientalismo, mas evidentemente é preciso não confundir movimentos sociais com ciência pura. O texto de Gilbert Varet é mais uma referência a ser considerada especialmente quando nos defrontamos com tantos improvisos.

Num quase contraponto, revisito um folheto publicado em março de 1994, sob o sugestivo título de “Por que nudismo? Ou por que andar nu?”, pela Rio-Nat – Associação Naturista do Rio de Janeiro. O texto é de uma tradução da autoria de Cláudia Amorim Nunes, baseada num original em inglês, de J. Boone, U.S.A., um trabalho simples, impressão originada de mimeógrafo, num total de 16 páginas: por certo, uma iniciativa positiva, de divulgação da filosofia nudista-naturista, mas que exige reparos, notadamente quando valorizamos boas referências em vez de eventuais improvisos.

O texto é focalizado diretamente, sem uma introdução do editor, que certamente daria uma qualidade superior à publicação, balizando o texto dentro do contexto do leitor brasileiro. Os vários subtítulos, ou itens, a saber: “Origens do Nudismo”, “O Nudismo Chega à América”, “Regimentos Fundamentais do Nudismo”, “Princípios e Normas”, “Em que acreditamos”, “A Carta Magna do Nudismo”, “Panorama e Propostas da Moderna Cultura Nudista”, “A Plataforma do Nudismo”, “Definições de Nudista”, “Nudismo e Saúde”, “Claridade Solar e Mental”, “Nudismo e Problemas Sexuais”, “Por que Associações Nudistas?”, “Moral e Nudismo”, “Nudismo e Lei”, “Equação Pessoal do Nudismo”, “Atitude com Opositores” e conclusão são na verdade uma bela coleção de termos ricos, mas que, na prática, são tratados muito sumariamente pela autora, inclusive com uma certa pobreza histórico-filosófica, infelizmente, um texto mais voltado para o público leigo norte-americano da época.

No fim do folheto, o editor anota o seguinte: “Tradução: Cláudia Amorim Nunes; Adaptação: Sérgio de Oliveira; Março de 1994”... Lembro, de passagem, para dirimir quaisquer dúvidas, que eu só assumi a presidência da Rio-Nat em Nov./Dezembro de 1994, quando concedi a famosa entrevista ao “Sem Censura” a respeito da prática nudista-naturista na praia do Grumari/ Abricó... O mencionado registro final do folheto anota que a “adaptação” do texto foi de Sérgio de Oliveira, mas há controvérsias, sobretudo, até porque não há “adaptação” alguma. Falamos de “adaptações” quando adaptamos, por exemplo, um romance para uma série de televisão ou para o cinema, o teatro etc. O texto do folheto é de uma simples tradução, sem qualquer “adaptação”, por certo. Os melhores dicionários da língua portuguesa definem “adaptação” como acomodação, harmonização; conversão de uma obra escrita a outro meio de comunicação... Adaptar é, pois, converter, harmonizar, adequar. Ora, no caso em pauta, não ocorreu evidentemente qualquer ajuste de meio; não ocorreu conversão do texto original, mas apenas uma tradução, que, pelo que se pode constatar através de leitura atenta, mostra-se longe de ser rigorosamente profissional, além de ser um tanto pobre para não dizer improvisada, mas que merece atenção pelo esforço demonstrado.

É importante salientar que o panfleto, o texto de J. Boone, aqui referido, fala o tempo todo em “nudismo” e “nudista”, sem qualquer preconceito, sem preciosismos descabidos, o que ratifica o que temos dito e escrito, de longa data, a respeito dessa questão cansativa, sem respaldo histórico. As associações americanas, nos seus registros, não anotam necessariamente os termos “naturista” ou “naturismo”, como está posto nas publicações oficiais da INF – International Naturist Federation, como por exemplo: ASA – American Sunbathing Association ou A.A.N.R. – American Association for Nude Recreation... É bom anotar e considerar, sem usar sofismas ou disparates. Nudismo e Naturismo não são diferentes ou opostos...

Em resumo, o texto de J. Boone, em inglês, pode enriquecer as bibliotecas dos estudiosos do nudismo-naturismo, mas penso que é necessário ressaltar que algumas obras consagradas não devem ser esquecidas, pois são uma rica referência do Movimento, como por exemplo: “Le Nudisme” de Jean Deste; “Nakedness” – versão em língua inglesa da obra clássica “Die Nacktheit”, de Ungewitter, com introdução de Cec Cinder, autor igualmente de “The Nudist Idea”, outra obra histórica, focalizada por mim no ensaio “Da Identidade Nua”, Jornal Olho Nu, 2015; e “A Verdade Nua”, de Luz del Fuego, 1950. O mais urgente é constatarmos a relevância das referências e os descaminhos e prejuízos dos improvisos repetitivos, que tanto mal nos fazem, sob várias formas, como pós-verdades, fake news, perfis falsos, impropriedades e distorções de caráter político-partidário, religioso ou ideológico. Separemos o joio do trigo, as referências nobres dos improvisos vazios, sempre. Vivamos naturalmente!

Nota: Essa questão relativa às referências e, sobretudo, aos improvisos precisa ser levada mais a sério, especialmente no Brasil. Os casuísmos, as improvisações repetidas, a falta de projetos aprofundados, a médio e longo prazos, explicam em grande parte a não continuidade de iniciativas afoitas, o fracasso da existência e da afirmação histórica, por exemplo, de organizações e associações, que se transformam, na prática, em tempestades de verão: barulhentas, inconvenientes, mas passageiras, que deixam rastros em vez de legados edificantes. O nudismo-naturismo pede ações planejadas, com base no conhecimento e na realidade e não surtos de personalismo pueril. A história mostra o caminho aos que desenvolvem um olhar perceptivo muito sério. Anotemos com serenidade: o nudismo-naturismo não é e nunca foi um modismo, uma onda do nu gratuito... A boa prática nudista-naturista exige um despojamento de corpo e mente, o nudismo social moderno percebido como fundamento, como essência doutrinária, um desnudamento psicofísico que nos conduz à abordagem da espiritualidade partindo do viés humanista, natural, existencial.

Em tempo: registro com total ênfase a recente criação da “CLANUD – Confederação Latino Americana de Nudismo” denominação, portanto, oficial, consensual, de caráter internacional. Notemos claramente que o termo “Nudismo”, mais uma vez, foi adotado oficialmente, o que evidencia e atesta não constituir qualquer antinomia, ou contradição, com o termo “Naturismo”, inclusive conforme está devidamente estabelecido pela INF – Federação Internacional, pelo menos desde o Congresso Internacional da Croácia, em 2004. O uso do termo “Nudismo” está, pois, inteiramente respaldado, é público e notório, histórico. Então, fundamentos históricos, conceitos afinados, e definições consagradas não são uma simples questão de preferência ou de opinião pessoal, mas obviamente de bom conhecimento de referência idônea. O termo “Nudismo” não é e nunca foi sinônimo de exibicionismo nem pede igualmente qualquer sansão oral justificada. Prestigiemos concretamente a verdade proclamada dos fatos.

*Biólogo, escritor, jornalista,ex-presidente da Rio-NAT

pereiranat37@gmail.com

 

(enviado em 11/04/18 por Paulo Pereira)


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