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Jornal Olho nu - edição N°218 - Janeiro de 2019 - Ano XIX |
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Vida Livre: Conforme a Natureza...
Paulo Pereira
A conceituada revista naturista alemã chamada “Freies Leben”
(Vida Livre), da qual fui correspondente oficial para o Brasil em
1964, consagra precisamente a expressão “vida livre”, e acrescenta,
no seu subtítulo, que era uma publicação voltada para o naturismo e
para a reforma de vida, fato que nos deve servir de inspiração e até
de argumento, sobretudo, de referência datada.
O
consagrado biólogo evolucionista britânico, nascido no Quênia,
Richard Dawkins, observa, em um de seus premiados livros “O
Capelão do Diabo” (“The Devil’s Chaplain”) - Companhia
das letras, 2005 -, de forma respaldada, que, “se há compaixão na
natureza, ela é unicamente acidental; a natureza não é bondosa nem
cruel: é indiferente”... Então, a delicadeza e a crueldade nascem,
pois, do mesmo imperativo, colocação precisa que nos convida a uma
profunda reflexão. A nossa mãe natureza, como tenho salientado em
muitos textos, não pede julgamentos e todos os bichos-homens são
partes inseparáveis dessa mesma natureza, anotemos desde já. Por
tudo isso, precisamos, especialmente nesses tempos conturbados,
procurar perceber a essência do que se entende por “Vida Livre”,
quer dizer, vida natural, sem preconceitos, sem mitos, sem máscaras,
sem expedientes de intolerância. Saber viver livremente constitui um
longo aprendizado, uma conquista, que exige estudo, serenidade,
despojamento integral de corpo e alma, sobretudo. No cenário rico e documentado do Movimento Nudista-Naturista, da histórica vivência naturista, que valoriza fundamentalmente a noção de uma vida livre, toda nua, é pertinente, aqui e agora, recordar, ainda que de passagem, a obra histórica de Dora Vivacqua, a pioneira Luz del Fuego, 1950, intitulada “A Verdade Nua”... Essa verdade nua, tão preciosa, e tão rara nos dias aflitos que vivemos, nos lembra que é preciso, até para ser feliz, viver conforme a natureza, “as nature intended”, como nos disseram em sua obra clássica, os autores ingleses Clapham e Constable, 1982, Elysium Editions, Londres. Precisamos, mais do que nunca, tentar de fato conceituar e definir, de forma clara, a questão de nossa identidade como humanos, e como naturistas, sem concessões cômodas às subjetividades vaidosas e à mediocridade reinante, como afirmou o saudoso ator Walmor Chagas...
Ratificando
enfaticamente o que foi argumentado no meu ensaio “Da
Identidade Nua”, 2015, Jornal Olho Nu, mostra-se inadiável
voltar nosso olhar perceptivo para a nossa realidade objetiva, sem
lendas ou mitos, sem versões distorcidas, definitivamente sem o tabu
irracional da nudez, que é nosso traje de nascença. A nudez humana
não é uma simples extravagância, uma louca transgressão, e não deve
servir de pretexto para a construção esdrúxula de sofismas para
desconstruções cínicas da filosofia nudista-naturista já centenária.
A identidade e a práxis naturistas estão vinculadas, diretamente
ligadas, contextualizadas, pela história documentada do Movimento. A
práxis, em síntese, configura o exercício de uma filosofia de vida
voltada para o natural, inclusive como consagram os melhores
dicionários de várias línguas, sem exclusões pudicas ou ideológicas.
A filosofia de vida naturista, por definição e conceito, elege o
natural como princípio e fundamento. Por isso, nunca existiu, de
fato e de direito, um naturismo dito ideológico, um naturismo
religioso, um naturismo sem nudismo, que configura sua essência
doutrinária. Efetivamente, não há, pois, qualquer demasia na
repetição formal do que anotam os melhores dicionários: “Naturismo é
a valorização dos agentes da natureza, especialmente como meios
terapêuticos; filosofia de vida que recomenda um maior contato com a
natureza, e nudismo”... O estreito contato com a natureza
(indomável, indiferente e sem vestes) e a efetiva prática nudista
estão definidos e recomendados, sem colocações ideológicas, sem
julgamentos culturais mofados. Então, quem efetivamente menospreza a
força da natureza, e tenta ignorar a memória histórico-filosófica do
Movimento Naturista, desde Ungewitter, inviabiliza, de fato, seus
possíveis melhores argumentos.
Devemos,
com toda a prioridade, prestigiar a racionalidade, o bom senso, o
conhecimento científico, a voz da natureza, em vez de devaneios
pueris. A natureza é indiferente, nunca vestiu ninguém, e não se
diga que seria arrogante por isso. Ser naturista, afinal, é viver
conforme a natureza! A identidade naturista pressupõe simplicidade,
despojamento integral, não-violência, comunhão fraterna pela nudez
social (Nudismo Social Moderno), sem quaisquer pruridos pudicos,
medievais. E, quando falamos de não-violência, é mister considerar
seu profundo e complexo significado. A propósito, no “Segundo
Caderno” de “O Globo”, 23/12/2018,
Steven Spielberg nos alerta sobre as muitas formas da violência,
da intolerância, fato que pede a consideração cidadã de todos,
notadamente dos naturistas. O tragicamente famoso “Holocausto”, o
massacre ocorrido na Segunda Guerra Mundial, não pode ser ignorado,
menosprezado, como um episódio histórico comprovado, até porque,
vale sublinhar, uma das formas piores de violência é precisamente a
distorção, ou negação, dos fatos históricos, colocação que vale
também para a nossa referida história nudista naturista documentada.
A historicidade não é uma simples questão de modo de pensar, de
opinião pessoal ou da aplicação do direito democrático de divergir,
mas apenas uma questão de fatos datados, testemunhados,
cientificamente vistos e analisados. Steven Spielberg, na matéria
publicada em “O Globo”, nos diz que “não fazemos o suficiente para
combater o ódio”... Há muita gente que vive do ódio, da pós-verdade,
da intolerância, embora dizendo-se democrata, injustiçado, meio
esquecido. O cultivo dos preconceitos constitui violência maior,
silenciosa, incontrolável. Spielberg acrescenta: “Ódio é ódio, e o
ressurgimento dele nos torna a todos responsáveis uns pelos outros.
Ninguém mais pode ser um expectador”... A liberdade sem medo pede
para ser conquistada. E não é ficando calado, aceitando a versão
fictícia no lugar do fato afirmado, que iremos realmente vivenciar
nossa libertação. Negros, gays, lésbicas, judeus, e nudistas
naturistas, acrescentemos, devem lutar irmanados para procurar viver
conforme a natureza, livremente.
O
afirmado amigo naturista Pedro Ricardo, editor do Jornal Olho Nu,
atual presidente da FBrN – Federação Brasileira de Naturismo, por
ocasião do lançamento do meu livro “Sem
Pedir Julgamentos, Conforme a Natureza”, 2011, reproduziu um
longa e esclarecedora entrevista que concedi a ele, matéria
intitulada “Paulo Pereira, A História Viva”, integralmente, na
edição 131 do Jornal Olho Nu, datada de outubro de 2011, matéria
que pode modestamente ajudar a entender melhor toda essa questão
relativa à história, teoria e prática, do Naturismo.
Necessitamos
urgentemente fazer o real resgate do natural, da natureza toda nua,
dos instintos. Viver livremente está longe de ser uma utopia, desde
que haja conscientização e comprometimento. Parece-me relevante e
oportuno, quando focalizamos a questão do natural, e em particular a
vivência naturista, definir o que preconizo, de longa data, quer
dizer, a importância da construção concreta de um novo modelo
civilizatório que una realmente homem e natureza, de forma objetiva,
tendo o natural como base ou referência. Luto pela organização e
confecção de projetos arquitetônicos voltados para um maior contato
com a natureza, incluindo ampla reforma urbanística, que compreenda,
inclusive, a construção de amplas cidades-jardins e de grandes
parques onde, especialmente pelos trabalhos de manejo, sejam
delimitadas áreas especiais destinadas à prática nudista-naturista,
com aplicação e desenvolvimento de terapias naturais e de esportes
olímpicos. Essa minha proposta está baseada, inclusive, nas obras de
Ungewitter e de seus mestres históricos, Haeckel e Bölsche do antigo
Movimento “Volkische”, no século XIX. Observemos sempre que
naturismo não é um exercício de ficção onírica, conservadora,
pudica, dogmática, mas, sobretudo, uma filosofia natural de vida
integral, sem pecado. Já o grande filósofo F. Nietzsche, por
exemplo, soube definir muito bem essa questão: “A noção de pecado
foi inventada ao mesmo tempo que o instrumento de tortura que o
completa; a noção de livre arbítrio, para confundir os instintos,
para fazer da desconfiança, em relação aos instintos, uma segunda
natureza”... A natureza é única e indomável, indiferente aos
caprichos e invencionices dos homens. A boa práxis naturista
necessita de mais espaços nobres, de mais praias e jardins
adequados, e de menos estórias intolerantes.
Numa pequena carta, aqui registrada com ênfase, enviada ao saudoso
companheiro Luciano Canabrava, a pioneira Luz del Fuego, Madrinha da
Rio-Nat – Associação Naturista do Rio de Janeiro, fala com carinho e
inteira propriedade a respeito do que ela chamou de “amigos da
natureza”. Para os estudiosos, eis aqui a carta, datada de 1967,
pouco antes da trágica morte de Luz:
“Ilha do Sol, Paquetá, 10/04/1967;
Prezado Amigo da Natureza.
Escrevo-lhe por dois motivos: primeiro, para avisá-lo que você
esqueceu a sua caneta na ilha e, segundo, que não poderei recebê-lo
conforme combinamos. Motivo: aluguei a ilha a fim de conseguir
dinheiro para terminar as obras já iniciadas. Quanto ao
incorporador, você poderá mandar me escrever, caso ele se interesse,
pois o meu advogado, quando fez o contrato de locação, fez uma
ressalva nesse sentido. Mas ficou muita bonita a obra; já está
prontinha: o terraço ficou lindo, assim como os dois banheiros:
homens e senhoras.
Lamento muito sua ausência, pois você é uma pessoa alegre e adora o
Nudismo. Mas o que fazer? A necessidade é a maior inimiga do ideal,
não acha? Bem, caríssimo amigo, escreva-me sobre as ostras, sua
vida, enfim, não me esqueça.
Um abraço da Luz.”
Essa carta é um pequeno documento da saga naturista do Brasil,
iniciada em 1949, efetivamente. O texto, que fala em “amigo da
natureza”, é parte de um texto bem mais amplo, datado de 05/05/1994,
texto esse enviado pelo amigo naturista Luciano Canabrava ao amigo
Sérgio Oliveira, sob o título de “Depoimento Sobre Luz del Fuego”,
texto esse publicado pela Rio-Nat, na íntegra. Devemos sempre
prestigiar os fatos históricos inteiros, o que enriquece o Naturismo
Brasileiro.
O Jornal “O Globo” também publicou, no “Segundo Caderno”,
15/12/2018, uma extensa matéria sobre o uso e o abuso das palavras,
sob os títulos de “O Ano Se Conta Em Palavras” e “As Palavras e as
Coisas”... As palavras referidas anteriormente “amigo” e “natureza”
exigem nossa melhor percepção, mais do que nunca, até porque a
cansativa pós-verdade insiste em traduzir-se por palavras dúbias. O
artigo de “O Globo” ressalta que “além do “Zeitgeist”, que faz cada
ano poder ter um termo para chamar de seu, é preciso prestar atenção
às camadas de sentido que as palavras ganham com o tempo”... Será
que “amigo” virou “inimigo”, e que “natureza” virou “armação”, e que
“naturismo” virou “ficção pudica”?... Certamente ainda não,
felizmente.
Quando focalizo a expressão “amigo da natureza”, dirijo meu
pensamento respeitoso a inúmeros companheiros e companheiras
naturistas com quem tenho tido (ou tive) o privilégio de conviver.
Faço aqui uma saudação especial para: Luz del Fuego, pioneira maior
do Naturismo Brasileiro, atriz consagrada, feminista afirmada,
naturista e mulher de coragem, autora do primeiro livro naturista do
Brasil, intitulado “A Verdade Nua”, 1950, além de “Trágico
Blackout”, fundadora do Clube Naturalista Brasileiro (Ilha do Sol) e
da revista “Naturalismo”, 1950, a famosa “bailarina do povo”, irmã
querida e saudosa, libertária; Daniel de Brito, radioamador,
tradutor, fundador da FNIB – Fraternidade Naturista Internacional do
Brasil (1960), delegado do Brasil ao Congresso Internacional de
Naturismo realizado em Koversada, 1972, juntamente com o amigo comum
Hans Frillman, morador da cidade de Colônia, Alemanha; Osmar
Paranhos, general do exército, naturista apaixonado, poeta,
frequentador da icônica Ile du Levant, amigo pessoal de Luz del
Fuego, ilustre e culto militante naturista; Jiri Glass, membro
tradicional da AANR – American Association for Nude Recreation,
vice-presidente da Rio-Nat (anos 1990), cidadão do mundo; Tácito
Antônio Heit, advogado, idealista, Secretário da ANB (1969),
organizador e redator dos Estatutos da ANB, registrados na INF;
Terson Santos, jornalista, amigo de Luz del Fuego, frequentador da
Ilha do Sol, uma camarada sereno, combativo, corajoso; Raul Renato
C. Mello Neto, advogado brilhante, apaixonado pela Praia da Reserva
e pelos irmãos índios; Sérgio K. Oliveira, engenheiro militar,
construtor de amizades, fundador e presidente da Rio-Nat, editor da
revista “Rio-É”; Antônio Cândido F. da Silveira, o Tunuca, uma
grande saudade, amigo confidente, museólogo, cidadão do mundo, amigo
fiel dos irmãos índios; Pedro Ricardo A. Ribeiro, professor,
naturista de sempre, determinado, criador e editor do “Jornal Olho
Nu” na Internet, atual presidente da FBrN – Federação Brasileira de
Naturismo, líder da Praia do Abricó, amigo confidente de longa data;
Celso Rossi, naturista dinâmico e criativo, articulador e
incentivador da A.A.P.P. – Associação dos Amigos da Praia do Pinho,
fundador da FBrN, sucessora histórica da ANB (1969), autor do livro
“Naturismo, A Redescoberta do Homem”, iniciador da terceira etapa do
Naturismo Brasileiro, após o término da ditadura militar de 1964, e
em seguida, das famosas reportagens de Tarlis Batista sobre a Praia
do Pinho, publicadas nas revistas “Manchete” e “Ele e Ela”;
Marcelo e Carina, casal naturista afirmado, fundadores e editores da revista
“Brasil Naturista, cidadãos do mundo, criativos; Augusto Carneiro,
idealista, colecionador histórico de textos relativos ao meio
ambiente e ao naturismo; Maria Luzia Almeida, professora, primeira
mulher presidente da FBrN; João Olavo Rosés, gestor competente,
naturista estudioso, diplomata entre amigos, presidente por dois
períodos da FBrN; Jorge Bandeira, historiador, dramaturgo, erudito,
tradutor, irmão-índio amazônico, autor de “Luz del Fuego, Pioneira
do Naturismo do Brasil”, apaixonado pelos textos de William Blake,
autor de um excelente índice de termos ligados ao naturismo; Evandro
Telles, amigo confidente, autor de dezenas de excelentes textos
naturistas, como “A Verdade Que As Roupas Escondem”, uma grande
liderança capixaba; Edson Medeiros, sociólogo, idealista, autor de
“Naturismo e Novas Vivências”, um texto superlativo; Elias Pereira,
gestor competente, naturista criativo, atuante, diretor do maior
espaço naturista do Brasil, em Goiás.
Os amigos da natureza, naturistas de sempre, nos lembram que o nosso
mantra do dia a dia deve ser a grande historicidade, a verdade
afirmada dos fatos, jamais a mera versão interessada, distorcida. O
naturismo é, em síntese e essência, a natural nudez codificada,
social, essência doutrinária do nudismo naturismo, que não pode
admitir releituras delirantes.
A mediocridade reinante e o analfabetismo conceitual dificultam, ou
impedem, a correta percepção da historicidade, das etapas históricas
do Naturismo Brasileiro, que se sucedem rigorosamente num processo
integrado. As diversas etapas do Naturismo Brasileiro, vivenciadas
de forma pioneira pelos amigos da natureza citados, constituem uma
só configuração histórica, contextualizada, uma sequência evidente e
anotada, que deve ser sempre prestigiada. São muitos, felizmente, os sinceros amigos da natureza, homens e mulheres que tem sabido viver naturalmente, uma esperança viva de dias melhores, longe de polêmicas vazias. No início de um novo ano, de uma nova jornada, façamos a boa reflexão com espírito cidadão, desarmado.
Paulo Pereira é biólogo, naturista fundador da ANB (Associação naturista do Brasil), jornalista e escritor, estudioso do Naturismo. Contato: pereiranat37@gmail.com
(enviado em 28/12/18) |
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