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Jornal Olho nu - edição N°231 - Fevereiro de 2020 - Ano XX

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Nu e Despido: Uma Percepção

por Paulo Pereira*

Imagens: reprodução da

revista Paradies número 16

 

Afinal, quem disse que o índio estava nu? Alguém, ao longo do tempo, nasceu vestido? Todo ser humano nu está rigorosamente despido?... São algumas perguntas que não se calam, e que merecem ser objeto de reflexão madura.

Faço, então, breves releituras de algumas páginas de autores consagrados e constato que não há propriamente nus ou vestidos na natureza. Recordemos, de passagem, as pertinentes colocações do erudito rabino Nilton Bonder a respeito da nudez humana: “Não existe, na verdade, outro nu além daquele que se percebe nu. Por definição, tanto bíblica como do bom senso, não há nudez na natureza. O ser humano se faz o mais vestido e o mais nu dos animais”... Está nu, portanto, quem se percebe nu, eis a grande questão. O fato é que muita gente se mostra nua, inclusive no meio naturista, sem estar despida, por exemplo, despida de vaidades, de ignorância, de dissimulações, de medos e fobias, de preconceitos!

A nudez é, sobretudo, nosso inapelável traje de nascença, uma definitiva verdade natural. É, pois, natural estar nu, mesmo que espante os eternos fariseus de plantão... O termo “natural” vem do termo “naturalis”, do latim, e quer dizer que é original da natureza, sem influência direta da cultura humana. A nudez natural é uma verdade que não pede julgamentos! Então, por que a nudez incomoda tanto? Por que muitos tem a necessidade obsessiva de cobrir, de ocultar o corpo? Embaixo dos panos, todos, cada ser humano está irremediavelmente nu, embora nem sempre esteja devidamente despido, integralmente em comunhão com a natureza. Pensemos bem nisso.

Recolho atentamente, da minha estante confidente, dos meus alfarrábios, um exemplar histórico da revista alemã “Paradies”, editada em meados do século XX, publicação da mesma editora de “Freies Leben”, da qual fui correspondente oficial para o Brasil, conforme credencial datada de 30/09/1964, e reproduzida no meu livro “Corpos Nus”, 2006, página 202. Os fatos dispensam argumentos...

A referida revista “Paradies” tinha por lema, ou subtítulo, a frase: “Zeitschrift Für Freie und Ästhetische Lebensform”, isto é, escrita para uma forma livre e estética da vida, a nudez muito distante de qualquer pornografia ou exibicionismo, portanto. A revista promovia a arte do nu humano, nos lembrando a colocação do notável Ferreira Gullar de que a arte existe porque a vida não basta. A natureza não é nua ou vestida; a natureza simplesmente é!...

O nu e o despido pedem uma percepção serena, lúcida, sem pruridos pudicos, pelo menos. Recordemos, aqui e agora, o que disse Anatole France, Prêmio Nobel de Literatura, salientando que muitas vezes as pessoas chamam de imoralidade a moralidade que simplesmente não é a dessas pessoas... O grande problema da maioria dos humanos não são as sombras que os cercam, mas a falta de luz desses humanos.

Quando se fala com seriedade, e respaldo histórico, do Naturismo do Brasil, é indispensável saber conjugar tradição e vanguarda, ser tradicional sem ser anacrônico e ser progressista sem inventar, sem tentar ignorar, por cegueira intelectual, os fundamentos históricos já consagrados, de domínio público, notório. E hora de somar!...

Seria oportuno observar, como a experiência nos ensina, que há certamente uma personalidade nua escondida em cada ser humano, um jeito de ser que teima muitas vezes em permanecer secreto, reservado, sublimado, e que pede respeito, consideração. A percepção serena do outro, e o sólido autoconhecimento são elementos preciosos de sabedoria e de paz.

As liberdades individuais, e a própria mãe-natureza, andam meio desprezadas, agredidas. A exemplo do que nos diz o consagrado antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, “temos que aprender a ser índios”... É importante viver como a natureza manda, sem falsa erudição científica, sem fanatismos políticos, sem falsos pudores, sem medos ou culpas, que são fortes ingredientes de violência.

É chegada a hora de pensar não com o próprio umbigo, mas com a mente, com a razão. Diálogo franco, conhecimento adequado e atitudes de não-violência, afinal, estão na ordem do dia. Podemos, e devemos, analisar os fatos, mas jamais inventar, substituir o fato pela mera versão. O Naturismo, por exemplo, sem Nudismo, é uma heresia, uma construção sem sentido, um verdadeiro tiro no pé... A correta percepção recusa descaminhos, perdas fundamentais, fragmentações. Estar nu e despido de vícios e artifícios é meta inteligente e confortadora a ser alcançada, a fim de que possamos comungar efetivamente com a natureza, sem julgamentos, sem intolerâncias, respeitando sempre os limites do outro, do diferente, e a pluralidade da vida. É mister prestigiar a sabedoria, que não tem nome, que não tem rosto, que não é feita de certezas absolutas; a sabedoria não tem CPF: é um estado de espírito!...

Janeiro 2020

* Paulo Pereira é naturista, escritor e estudioso do Naturismo no Brasil. Algumas de suas obras podem ser encontradas na loja virtual Jornal OLHO NU.

(enviado em 01/01/20 por Paulo Pereira)


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