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Jornal Olho nu - edição N°233 - Abril de 2020 - Ano XX

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What Next?... (Qual é a próxima?...)

por Paulo Pereira*

Imagens sem créditos: reprodução da

revista National Geographic,

edição de agosto de 2003

Img: worthpoint.com

Capa de uma das edições da revista Sunbathing Review em 1950

Prossigo relendo, atento, algumas páginas da renomada revista inglesa “Sunbathing Review”, edições do distante 1950, que atestam a excelente prática nudista-naturista no Reino Unido do pós-guerra, afinal uma importante referência, sobretudo, para os estudiosos de sempre. Percebo, reconfortado, que o muito que tenho observado e aprendido, notadamente ao longo dessas décadas de vida intensa, proíbe em mim qualquer pouco de invencionice e de intolerância. Constato, sereno, que o perceber realista dos ensinamentos da natureza e da boa leitura rasga de fato horizontes mais amplos, desconsiderando prismas nebulosos. Faço, então, breve exame dos fundamentos e conceitos históricos, teoria e prática, do chamado Movimento, desde os textos consagrados de R. Ungewitter e nada relevante encontro que possa justificar interpretações ideológicas ou posturas eufemísticas, de resto descabidas.

E, como um subsídio valioso, considero algumas páginas do excelente livro de Cec Cinder, intitulado “The Nudist Idea”, (A Ideia Nudista), um estudo profundo e documentado do pensamento fundamental do Nudismo-Naturismo, que desqualifica, em verdade, qualquer proposta conveniente, qualquer pós-verdade oportunista. Lembro, de passagem, ao leitor interessado que pode ser feita uma consulta a respeito do referido livro de Cec Cinder no meu ensaio intitulado “Da Identidade Nua”, Jornal Olho Nu, 2015. Penso, como possível contraponto, na velha batalha entre fato e versão, entre verdades e mentiras.

Súbito, relembro, em todo o seu esplendor e sinistra beleza, a composição de R. Wagner chamada “As Valquírias” e me vem à mente a figura sombria de Goebbels, ilustre ministro de Adolf Hitler, na Alemanha nazista... Afinal, as mentiras repetidas mil vezes transformam-se em novas verdades? Podemos rasgar e distorcer impunemente a história, e a ciência, substituindo-as por mentiras cômodas e por sofismas cínicos, delirantes? Até quando? O que passa a valer é o que pensam Goebbels e seus eternos discípulos, e todo o resto significa nada? Existem, por exemplo, raças entre os humanos? Existiria, por hipótese, um Naturismo sem Nudismo, sem respaldo histórico, sem uma comunhão livre com a natureza? A nudez é sinônimo de vício, de pornografia, de vergonha e de ofensa? Desde quando?... Mostra-se oportuno lembrar, com lucidez, que, além dos judeus, dos ciganos e dos homossexuais, o nazismo procurou ignorar, e até perseguir, os nudistas, os naturistas... O cultivo dos falsos pudores é típico, de longa data, dos extremistas de direita e de esquerda, como a história comprova. É hora de pensar na verdade!

Img:mundoeducacao.com.br

Capa do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, da Editora Montecristo.

Estava eu, pois, relendo algumas páginas de “Sunbathing Review”, quando, por acaso, acabei ouvindo, pelo rádio, a notícia inquietante a respeito de uma lista de livros censurados oficialmente em Rondônia... E, entre a obras atingidas, estava a criação magistral de Machado de Assis intitulada “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, considerada uma das maiores expressões literárias da língua portuguesa, inclusive tendo sido traduzida para o inglês, em 1955, pelo meu querido mestre, e nobre amigo, o erudito professor E. Percy Ellis. O que está acontecendo com o saber e a cultura no Brasil? Será mesmo que as sombras macabras de Goebbels estão de novo escurecendo os céus azuis do nosso país? Há um retrocesso em curso?... É urgente uma reflexão cidadã, que repila energicamente o obscurantismo, e todos os falsos pudores, os posicionamentos anti-científicos, descontrutivos.

Além da literatura, por exemplo, os nossos índios isolados, sobretudo, que tem todo o direito, constitucional e humanista, de existir em paz, estão sendo ameaçados, sujeitos à ação de falsos profetas, que apenas pretendem invadir e explorar suas terras, evangelizá-los, e certamente vesti-los uniformemente, os meninos todos de azul e as meninas todas de cor-de-rosa... Isso é uma vergonha!

O que temos é o saber desprezado e a natureza ultrajada, os rios usados como esgoto direto, e os índios aculturados, domesticados como bichos rebeldes. Breve, será a vez dos nudistas-naturistas, que serão vistos como exóticos, permissivos, até indecentes, afastados de seus clubes e de suas praias como ameaças às famílias... Esse é um cenário surreal ou uma realidade perversa? Verdade ou mentira?...

Parece mesmo estar existindo, algumas vezes de forma indireta, um vasto processo deliberado, e orquestrado, de distorção e de desconstrução dos postulados científicos, especialmente relativos ao meio ambiente, à utilização sustentável dos recursos naturais, e, para espanto do bom senso, da Biologia e da Antropologia, uma aberta aculturação radical, e ideológica, dos nossos irmãos indígenas, um crime inaceitável em pleno século XXI. Os sacripantas são insones... Já em 2011, vários indigenistas alertaram a respeito dessa questão delicada, inclusive por ocasião do lançamento do livro “Além da Conquista”, de autoria de Scott Wallace, Edições Objetiva, focalizando o trabalho exemplar de Sidney Possuelo na Amazônia, que ressalta a importância da preservação ambiental e do respeito à cultura dos índios, notadamente dos isolados. Anotemos, aqui e agora, que a reportagem de Scott Wallace, que deu origem ao livro referido, foi publicada em 2003, pela National Geographic, no Brasil, sob o título de “Tribos Perdidas da Amazônia”, uma leitura que está recomendada.

Capa do livro "Além da conquista" de Sidney Possuelo

À negligência, omissão e incompetência, de vários governos anteriores, soma-se agora, de forma sinistra, a atuação demolidora de falsos eruditos, de profetas anacrônicos, medievais, que desejam inviabilizar a existência do índio na dignidade de sua nudez, como nos ensinou Darcy Ribeiro. Na obra valiosa de Scott Wallace, chamada “The Unconquered” (Além da Conquista), páginas 461 e 462, podemos ler uma “Carta Aberta” de Sidney Possuelo, datada de dezembro de 2010, em defesa dos povos indígenas isolados, um real documento histórico, incontestável, hoje mais válido do que nunca. Possuelo, então, nos diz: “Nos últimos cinco anos (2005-2010), vi interesses na transferência dos povos isolados para permitir assim a invasão de empresas petrolíferas e mineradoras; vi como se assinam decretos e outorgam concessões para explorar recursos naturais nas zonas onde vivem esses seres humanos; vi indígenas mortos ou perseguidos por defender seus direitos; percebi que continuamos a considerar a Amazônia e os indígenas um obstáculo às estratégias de desenvolvimento... Não podemos permitir que uma parte da humanidade desapareça. Eles (os índios) são nossa essência mais pura, nossa chama mais viva”... Excelente reflexão!...

É bom não esquecer, de passagem, que os nudistas-naturistas, todos, devem estar unidos na defesa da natureza indomável, do meio ambiente preservado, e do outro, do diferente, como consagra a definição oficial (INF) de Naturismo, desde 1974... É chegada a hora de prestigiar a verdade histórica, sem desculpas, sem invencionices, sem disparates de pseudo-saber, sem pudicícia descabida! Obscurantismo, jamais!

E sobre a questão ambiental e os índios, o conceituado antropólogo, professor Eduardo Viveiros de Castro, em brilhante entrevista ao jornal “O Globo” (16/02/2020), afirma: “Os missionários buscam desconectar os povos indígenas de sua cultura e existência; querem acabar com os índios no Brasil... Os grandes interesses econômicos agora se uniram ao fundamentalismo religioso; e os índios são vistos pelos fundamentalistas como um obstáculo, como algo que precisa acabar”... A cegueira intelectual, e espiritual, desses pseudo-eruditos causa nojo aos cidadãos conscientes, bem informados, que defendem a natureza, os índios livres. Possuelo, o indigenista, adverte: “Ao proteger o índio isolado, você está protegendo milhões de hectares de biodiversidade”... Observemos, em síntese, que o isolamento de grupos indígenas, em geral, proporciona a preservação de suas culturas e integridade física, constituindo-se numa fonte preciosa para estudos científicos.

Hoje, temos listas de livros censurados, edições apreendidas, índios desacatados, matas derrubadas e queimadas, e até a dita abstinência sexual eleita como método “científico” para prevenir algumas patologias e evitar a gravidez na adolescência: a velha Idade Média parece não ter ainda acabado para uma plêiade de toscos, de fragmentários, de pudicos hipócritas, que certamente acreditam em cegonha, em bruxas demoníacas, em castigos infernais, talvez em Nudismo vestido. What next?...

Pós-Escrito: Entre os vários autores censurados pelos sacripantas de Rondônia estão os nomes de Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Edgar Allan Poe, F. Kafka, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Aurélio Buarque de Holanda, Ferreira Gullar e Mário de Andrade... Dizer o quê? Só não podemos silenciar diante da mediocridade reinante, até porque os cidadãos livres não queimam árvores nem livros, não tem preguiça de ler, não acreditam em Papai Noel, e não percebem os índios como obstáculos ao progresso, à convivência inteligente...

Pessoalmente, faço deste modesto artigo o meu desagravo e a minha homenagem aos povos indígenas milenares, os legítimos donos dessas Terras Brasis, e reverencio os nomes de Noel Nutels e de Darcy Ribeiro, sem esquecer o Mestre Tuxaua (cujo nome só ele e eu conhecemos), que, sábio e incansável, me mostra o caminho, sem medos ou ódios pueris. Supysaua! Somente A Verdade!
 

Março 2020

* Paulo Pereira é naturista, escritor e estudioso do Naturismo no Brasil. Algumas de suas obras podem ser encontradas na loja virtual Jornal OLHO NU.

(enviado em 01/03/20 por Paulo Pereira)


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