Desnudamentos Outonais

 

Por Paulo Pereira*

Maio/ 2020

 

Caminho lentamente ao romper as penumbras do jardim deserto e sinto o cansaço das muitas lidas medíocres, das falas vazias e barulhentas, das mentiras repetidas cinicamente, das violências covardes... Deixo-me envolver pelos silêncios preciosos da minha solidão consentida, sobretudo, a fim de ouvir melhor as vozes da natureza indomável nessa madrugada bem fresca, varrida pela brisa travessa com aroma de chuva. Afinal, percebo que alguns vestígios dos longos dias quentes desfazem-se sutilmente em desnudamentos outonais, nas folhas vestidas de vermelho dourado, nos galhos despidos dos arbustos cúmplices.

 

A vida, indiferente às subjetividades humanas, revela-se por inteiro como um reino de metamorfoses, como diria o velho Maupassant, resultando eterna nas impermanências. Camisa e short jogados ao chão umedecido, o banho das gotas da chuva amiga parece trazer de volta energias por mim negligenciadas, talvez desejos adormecidos, mas certamente uma coragem serena em vez de temores fracassados, um desprezo consciente por todas as intolerâncias, a valorização forte das verdades naturais em vez das conveniências sociais, e a exaltação dos pensamentos livres, sem censura odiosa, e sem a vulgaridade dos idiotas...

 

Consigo, revigorado, afugentar definitivamente antigos fantasmas pudicos e sentir um prazer só meu. Sou o índio todo nu que o formigueiro inacabável da branquitude, no dizer de Darcy Ribeiro, não conseguiu alcançar, enjaular... Não sou uma utopia; sou uma verdade atemporal, ainda que revestida por matéria transitória, a peregrinar em evolução, e ando, como neste múltiplo outono, a processar recomeços, renovações, reencontros essenciais, quem sabe acompanhado de perto pelo grande jaguaretê negro, pelo mestre transmutado, índio-felino, mulher-leopardo...

* Paulo Pereira é naturista, escritor e estudioso do Naturismo no Brasil. Algumas de suas obras podem ser encontradas na loja virtual Jornal OLHO NU.

(enviado em 12/05/20 por Paulo Pereira)