por Pedro Ribeiro
Durante uma obra em sua residência no último dia 2 de abril, Alcides sofreu um acidente grave: parte da parede da casa superior à casa dele despencou sobre seu corpo e, principalmente, sua cabeça, deixando-o desacordado por alguns minutos e com ataques de tremura. Imediatamente o pedreiro que fazia a obra chamou o 192 e cerca de dez minutos depois a ambulância do Corpo de Bombeiros do estado do Rio de Janeiro estava lá para socorrê-lo. Mas aí aconteceu o inacreditável, os socorristas que o atendiam se recusaram a levá-lo para a maca e para a ambulância porque ele estava nu. Enquanto Alcides agonizava nada era feito até que alguém arranjasse uma bermuda para colocar nele, que a esta altura ainda estava desnorteado e sofrendo terrivelmente pelas dores. Somente depois de "vestido" é que a equipe de socorro socorreu a vítima.
Esta situação real e inusitada descrita acima exemplifica o comportamento das pessoas diante de um corpo nu e ilustra toda a história que vai ser contada a seguir
Alcides Nascimento, 71 anos, é um cidadão carioca que tem a nudez como forma de se exprimir e até de ganhar a vida. Ele quando mais jovem trabalhou por muitos anos como modelo vivo em cursos de artes da cidade, como no Parque Lage e na Escola de Belas Artes da UFRJ, posando totalmente nu enquanto os aspirantes a artistas o representavam nas suas pranchas. Adepto de um estilo de vida naturalista, que se recusa a ter bens materiais supérfluos e procura ter uma alimentação equilibrada e saudável. Engenheiro de formação, profissão que exercia numa grande multinacional de papel e celulose, a qual abandonou por discordar dos prejuízos que algumas obras causavam à natureza e ao meio-ambiente. Foi morar numa fazenda para montar uma comunidade macrobiótica "no meio do mato", vivia nu, juntamente com seus filhos ainda jovens.
Img: Jorge Barreto |
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Alcides também costumava fazer sua ginástica na praia do Abricó com movimentos de Ioga. |
Quando voltou a morar na cidade, o bairro Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, era considerado zona rural do município, quase deserto, com pequenas criações de gado e de outros animais, além de uma exuberante fauna que habitava a região, principalmente pássaros das mais diversas espécies, pequenos mamíferos e muitos jacarés. Foi neste cenário que encontrou seu novo lar e passou a viver praticando sua filosofia naturalista, além de Ioga como exercício físico e da nudez completa como forma de respeito ao seu próprio corpo. Na rua onde morava só existia sua propriedade e Alcides andava em casa e na rua completamente nu o tempo todo. Era conhecido de todos e ninguém se importava com seu estilo de vida, considerado exótico e sua pessoa como excêntrica. Mas as coisas começaram a mudar quando a explosão imobiliária atingiu o bairro do Recreio e em volta de sua casa foram construídos prédios de apartamentos com três andares, que deixavam seu quintal à vista para as janelas de seus vizinhos. E aí começaram os problemas.
Apesar de estar sendo cercado por novos moradores que não estavam acostumados com seu estilo de vida, Alcides não o alterou, mas essa ousadia de preservar suas convicções de vida acabou lhe custando caro em algumas ocasiões. Nem todo mundo encarou com naturalidade o hábito. Alcides conta que várias vezes já sofreu agressões, e que é comum quererem lhe bater por estar sem roupa. Já foi até ameaçado com um revólver.
Apesar de tantos contratempos, Alcides continuou a prática da nudez no seu terreno. Mas no dia 29 de setembro de 2020 uma audiência judicial acrescentou mais um revés na sua já então combalida vida. Uma denúncia de um vizinho do prédio em frente, um oficial do exército, entrou com queixa-crime contra ele. Na audiência o juiz condenou Alcides a prestar serviço comunitário por seis meses por oito horas semanais.
Desde então Alcides tem cumprido à risca sua sentença iniciada em meados de dezembro que terminará em junho, no grupamento do Corpo de Bombeiros da Barra da Tijuca.
Quem quiser se informar um pouco mais sobre este personagem único do Naturismo, Alcides já foi NATPersonagem, em 2004 do jornal OLHO NU e concedeu entrevista ao jornal O Globo em 2015.
Img: arquivo pessoal |
Img: arquivo pessoal |
É desta forma, trajando uma langota e um chaéu, que Alcides caminha pelas ruas do Recreio dos Bandeirantes, bairro onde mora no Rio de Janeiro |
Até personalidades famosas param para conversar com Alcides no Recreio e tiram selfies com ele |
(enviado em 08/04/21 por Pedro Ribeiro)
Os socorristas não quererem atender um acidentado porque ele está nu é um absurdo. Então se eu caísse no banho em minha casa eu não teria direito a ser socorrido? Isso seria omissão de socorro. E omissão de socorro é crime.
Lei Nr. 2848/40
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Ver tópico (3760 documentos)
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Andar na rua já é mais complicado de argumentar, mas se fosse em um país mais desenvolvido e menos preconceituoso talvez fosse encarado com mais naturalidade. Talvez encarassem como uma característica muito particular do indivíduo.
Sérgio Pinho
Rio de Janeiro - RJ
(enviado em 11/04/21)
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Jornal OLHO NU - edição 245 - Abril de 2021
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