RECURSO ESPECIAL Nº 681.736 - RJ (2004/0129563-2)
RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE : JORGE DE OLIVEIRA BÉJA
ADVOGADO : JORGE DE OLIVEIRA BEJA (EM CAUSA PRÓPRIA)
RECORRIDO : MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
PROCURADOR : ANA TEREZA PALMIERI E OUTROS
INTERES. : ALFREDO HÉLIO SYRKIS
ADVOGADO : CARLA PIRANDA REBELLO
INTERES. : FEDERAÇÃO NATURALISTA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO - FENERJ
ADVOGADO : WANDERLEY REBELLO DE OLIVEIRA FILHO E OUTROS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESOLUÇÃO
64/94, DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, QUE AUTORIZOU
A PRÁTICA DE NATURISMO EM PRAIA DAQUELA CIDADE.
ACÓRDÃO QUE RECONHECEU A LEGITIMIDADE DO ATO,
BASEADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS. FALTA DE INTERPOSIÇÃO DE
RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. Baseando-se a decisão recorrida em fundamentos de índole
infraconstitucional e constitucional, cada qual suficiente por si só para
mantê-la, e deixando a parte vencida de interpor o correspondente
recurso extraordinário, impõe-se o não conhecimento do recurso
especial (Súmula 126-STJ).
2. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, art. 557,
caput).DECISÃO
1. Trata-se de recurso especial (fls. 637-648) interposto com fundamento nas alíneas
a e bdo permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro que, em ação popular objetivando a anulação da Resolução nº 64/94, do Secretário do
Meio Ambiente da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que autorizou a prática do
naturismo em praia daquela cidade, deu provimento aos embargos infringentes (fls. 586-591)
opostos pelo Município para julgar improcedente o pedido contido na inicial. O aresto contém
os seguintes fundamentos: (a) são cabíveis embargos infringentes quando o acórdão, após
rechaçar sentença terminativa, aprecia desde logo o mérito e reforma o
decisum de primeirograu em julgamento não-unânime (fls. 617); (b) o princípio da dignidade social "impõe ao
Estado um atuar de forma a evitar situações econômicas, culturais e morais mais degradantes,
que tornam os sujeitos indignos do tratamento social reservado à generalidade. Daí centra-se a
questão da moralidade pública" (fls. 620); (c) "a assertiva de que todos são iguais perante a lei
é insuficiente, pois o cerne do problema permanece irresolvido, qual seja, saber quem são os
iguais e quem são os desiguais, já que, em última análise, todos se diferem" (fls. 621); (d) ao
se estabelecerem locais determinados para o naturismo, confere-se a seus praticantes o direito
de igualdade naquilo que entendem razoável e lídimo, permitindo-se a coexistência pacífica
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos
recursais
(Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º)
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entre maioria e minoria (fl. 622); (e) "o ato obsceno, elemento normativo do art. 233 do CP,
será aquele que ofende o pudor público generalizado, o que não ocorre" (fls. 622). Opostos
embargos de declaração (fls. 626-629) apontando omissão do acórdão quanto à matéria
inserta no art. 10 da Lei 7.661/88, restaram providos, sem alteração do resultado, com base no
seguinte fundamento: "Exatamente porque as praias são bens de uso comum do povo é que, a
princípio, também não se pode impor restrições a seu uso" (fls. 632).
No recurso especial, a recorrente considera que, ao afirmar a legitimidade da Resolução
nº 64/94, o aresto acarretou violação aos artigos 233 do Código Penal e 10 da Lei 7.661/88.
Alega, em síntese, que (a) "o ato refere-se à separação de um espaço próprio e específico para
a prática do nudismo. Portanto, a Resolução separou, distinguiu, excepcionou, restringiu o
que a legislação não separa, não distingue, não excepciona nem restringe, pois os mares e
praias são bens de uso comum do povo" (fls. 641); (b) em face dessa condição jurídica das
praias, a Resolução concedeu indevidamente a um grupo de pessoas um direito que elas não
têm - qual seja, o de se exibirem nuas em público; (c) a Resolução atacada atinge os direitos
das pessoas que freqüentam a praia em comento de não se deparar com pessoas desnudas em
ambientes públicos, direito esse consubstanciado na lei penal, que implicitamente proíbe o
ultraje ao pudor público; (d) o ato constitui delito contra o sentimento coletivo de pudor.
Houve contra-razões, assinalando a falta de prequestionamento da matéria veiculada no
recurso e pugnando pela integral manutenção do aresto atacado (fls. 653-661).
2. Para afirmar a validade da Resolução nº 64/94, questionada na demanda, o acórdão
recorrido adotou distintos fundamentos, inclusive de natureza constitucional, estes suficientes
para, por si sós, para sustentar a conclusão. É o que decorre, a título ilustrativo, dos seguintes
excertos da ementa e do voto-condutor:
"
O princípio da dignidade social confere a cada homem o direito de ver respeitadassuas convicções pessoais e portar-se conforme elas, desde que não contrárias à lei e
aos bons costumes.
Nesta trilha, busca-se conferir à minoria o direito de igualdade naquilo que
entendem razoável, lídimo e legal, com o que se estará permitindo a coexistência
pacífica entre a maioria e a minoria
" (fl. 617)"
Daí centra-se a questão da moralidade pública. Se a generalidade repudia a nudezpor considerá-la imoral, não seria razoável a reserva de local para a minoria, posto
que se indaga se ela, a nudez, realmente seria imoral e atentatória ao pudor público?
O princípio de igualdade consagrado na Constituição Federal faz de todos iguais
perante a lei. Consiste em 'tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais
na medida em que eles se desigualam'.
Conforme pondera Celso Ribeiro Bastos (...) a assertiva de que todos são iguais
perante a lei é insuficiente pois o 'cerne do problema remanesce irresolvido, qual
seja, saber quem são os iguais e quem os desiguais', já que em última análise todos
se diferem. Para tanto, a solução segundo o eminente doutrinador é a busca da
finalidade da norma perante o texto constitucional. Algumas finalidades estariam
adaptadas a ele, outras lhe seriam antagônicas e algumas outras neutras. Exatamente
em relação ao terceiro grupo interessa-nos a solução dada pelo mestre, verbis:
'O deslinde da situação do tópico c é o mais difícil e aquele que envolve o exercício
de uma margem apreciável de juízo subjetivo por parte do julgador. Não que este
seja o juiz supremo dos critérios de validade ou invalidade, escolhendo-os ao seu
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talante e alvedrio. Não lhe será suficiente o manuseio do Texto Constitucional.
Far-se-á mister ir a cata dos valores dominantes e das concepções vigentes na
sociedade à época. É por este caminho que se dá a constitucionalização de certas
discriminações outrora repelidas. Da mesma forma, distinções que em épocas
pretéritas eram tidas por razoáveis perdem esta qualidade em face da evolução
axiológica do meio cultural'.
Embora estejamos tratando de ilegalidade e imoralidade e não de
inconstitucionalidade, a solução apresentada é perfeitamente aplicável a este caso
"(fl. 621)
"(...)
não a reprovo (a prática naturalista) desde que constrita a determinados locais.Exatamente nisto está em se conferir àquela minoria o direito de igualdade naquilo
que entendem razoável e lídimo, permitindo-se a coexistência pacífica entre a
maioria e minoria
" (fl. 622)Ora, a recorrente não interpôs recurso extraordinário. Assim, ainda que pudesse ser
conhecido e provido o recurso especial, o acórdão recorrido permaneceria íntegro pelos
fundamentos de natureza constitucional. Nesses termos, não merece ser conhecido o presente
recurso, ante o óbice contido na Súmula 126 desta Corte.
3. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso, nos termos do art. 557,
caput, do CPC.Intime-se.
Brasília (DF), 25 de fevereiro de 2005.
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
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