Rio, 09 de janeiro de 2005 | |
Abricó atrai bisbilhoteiros da nudez alheia Alessandro Soler Aviso aos freqüentadores da Praia do Abricó: vocês não estão sós. Em meio à mata que aparentemente — e apenas à primeira vista — protege de indesejáveis olhos curiosos os banhistas do único trecho da orla carioca liberado para o nudismo, um sem-número de voyeurs se embrenha todos os dias. Armados às vezes de binóculos e até lunetas, os observadores ocultos chamam a atenção de quem cruza a estrada Prainha-Grumari. Não raro vêem-se engarrafamentos de voyeurs disputando os melhores lugares num viaduto com vista panorâmica do Abricó e nas diversas picadas abertas por eles no meio da mata. Motorista fica cinco horas observando nudistas Na última segunda-feira, um belo dia de sol, e mesmo nos dias seguintes, nublados, o movimento foi intenso no estacionamento informal junto à mata, no trecho da estrada em frente à praia de nudismo. Carros com placas de todo o Grande Rio, além de Minas, São Paulo e outros estados se sucediam nas vagas. Apenas uma permaneceu ocupada das 11h às 16h, a do motorista Sandro, pioneiro com 20 anos de voyeurismo. — Depois da oficialização da praia, em 2003, o perfil dos freqüentadores mudou muito. Antes tinha muito sexo nas pedras e na areia. Não vou esconder, era muito mais excitante. Agora o clima é mais familiar. A gente tem que se contentar em ver as mulheres — contou ele, enquanto mirava o binóculo na direção da areia, equilibrando-se sobre uma pedra à beira do precipício. Sandro evita a companhia da grande maioria de curiosos que pára ali basicamente para rir dos naturistas e gritar provocações. A turma da risada também irrita o autônomo Alfredo, sete anos de bisbilhotice da nudez alheia na praia. Ele ensina ser muito fácil distinguir o verdadeiro voyeur do bloco do oba-oba: — O voyeur se excita ao observar pessoas nuas ou transando. Ele é discreto, passa horas escondido no meio da mata e geralmente leva binóculo ou luneta. Não faz barulho, só observa. O prazer dele é ver sem ser percebido. Esses que ficam xingando os banhistas são uns recalcados. Queriam estar lá embaixo. Enquanto Alfredo traçava o que considera ser o perfil dos visitantes secretos do Abricó, um grupo numeroso de banhistas da Baixada Fluminense, que voltava de Grumari, parou para ver os nudistas e fazer, em alto e bom som, piadas de mau gosto sobre os dotes físicos dos banhistas nus. Lá embaixo, estes pareciam alheios às provocações. Eis, aliás, o que os próprios naturistas definem como comportamento padrão do freqüentador daquelas areias. — Alguns ficam aborrecidos, sim, mas a grande maioria leva na esportiva. A gente sabe que os brasileiros são conservadores, não estão habituados ao nudismo — define Jorge Barreto, diretor da Associação Naturista do Abricó. — Já flagramos pessoas nos vendo e rindo, mas a maioria não é desrespeitosa. Elas só não entendem, isso não faz parte da cultura brasileira, muito influenciada pela moral da Igreja Católica, que sempre considerou a nudez dos índios um suposto traço de inferioridade. De acordo com ele, no Brasil há apenas nove praias oficiais de nudismo. Na Espanha são cerca de 500; na França, 450: — Estamos atrasados. Jorge diz que, recentemente, flagrou uma família inteira parada no viaduto que dá visão para um trecho da praia. Pai, mãe, filhos e até sogros se revezavam com o binóculo. — Eles se assustaram ao me ver. Quando os convidei para visitar a praia e contei que era aberta, logo vi as caras de decepção. Todos foram embora. Só estavam ali porque julgavam algo proibido, secreto. Essas coisas nos divertem. Pedido de plantio de arbustos para impedir visão O motorista Sandro, aquele que passou cinco horas sob o sol observando os peladões na segunda-feira e outras tantas na terça, jura que nem todos acham assim tanta graça dos curiosos. — Uma vez um deles jogou o carro em cima de mim. Eles gritam palavrões lá de baixo quando descobrem alguém olhando. Mas ninguém gosta mesmo de ter a privacidade invadida — reconhece. Jorge diz desconhecer o episódio. Mas acrescenta que a preocupação com a privacidade motivou a associação a pedir à Secretaria municipal de Meio Ambiente que faça o plantio de arbustos nas áreas onde a visão é livre. Enquanto a proteção natural não cresce, os curiosos continuam fazendo a festa. — Fiquei impressionada; até o barraqueiro fica pelado! — ria a carioca Mônica Silva, na sexta, ao parar para dar uma olhadinha ao lado do amigo mineiro Fernando Tavares. — Eu? Fazer o quê naquela pouca vergonha? — reagiu Fernando ao ser indagado sobre por que não descia até a areia para ver de perto. — Não tenho vontade de ir. Curiosos rejeitam convite para freqüentar praia Os amigos Wellington Dias, Luís Claudio Pereira e Rogério Machado, moradores de Campo Grande que afirmaram visitar há anos o observatório de nudistas do Abricó, no viaduto ou na mata, também ficaram envergonhados ao falar sobre o porquê de nunca terem tido coragem de descer. — Eu, ficar pelado? De jeito nenhum. Tem muito homem e muito gay lá. Prefiro ficar vendo daqui mesmo a mulherada se mostrar — disse Luís. O diretor da associação do Abricó afasta qualquer interpretação maliciosa da nudez dos banhistas. Para ele, naturista e exibicionista não rimam necessariamente: — Desde a oficialização da praia estamos em campanha para transformar a visão que as pessoas têm do naturismo. De fato antes havia na praia muitas gravações de filmes pornográficos, o que acabou estigmatizando o lugar. A associação do Abricó com pornografia já está no imaginário de muitos. Queremos mudar isso. Nu e erotismo são coisas bem diferentes |