A (
quase ) primeira vez.
Por Wagner
Rotta*
Aquele era um dia especial
para Leopoldo. Depois de mais de sessenta anos de vida, ele finalmente
iria a um clube de naturismo. Não que ele não quisesse ir antes,
simplesmente as circunstâncias não deixaram.
Em sua adolescência, ouvia falar de uma tal de Luz del Fuego,
ficava impressionado e interessado pelas histórias desta mulher tão
ousada para os padrões de sua época. Ele mesmo nunca seria tão
“atirado” como ela. Mas, por mais que se interessasse pelo tema,
era um assunto proibido na escola e principalmente em casa. Às vezes
nas rodas de amigos era possível falar alguma coisa.
Mais tarde, já maior de idade, continuava sem poder falar
sobre este assunto, afinal de contas, pegava muito mal para um militar
ficar falando sobre naturismo. Veio a ditadura militar e o assunto
ficou ainda mais proibido.
Em agosto de 67, deixou as forças armadas. Viveria sua vida da
forma que quisesse, e nenhum militar iria intimidá-lo. Passaria a ser
um naturista assumido. Sua primeira parada seria na ilha de Luz del
Fuego. Mas infelizmente não conseguiu realizar seu desejo, um mês
depois de sua baixa do serviço militar, ela foi brutalmente
assassinada em sua ilha.
Leopoldo viu seu mundo desmoronar. Tudo aquilo que ele
acreditava desde sua juventude, havia sido tirado dele de uma forma
brutal. Alguma coisa tinha que ser feita. Resolveu criar um movimento
próprio de naturismo. Como ele não tinha uma situação financeira
boa o suficiente para ter a sua própria ilha, o seu refúgio
naturista seria em seu apartamento. Bom, chamar uma quitinete de
quinze metros quadrados de apartamento, é um pouco demais, mas era
assim que Leopoldo anunciava nos principais jornais do país.
Em 68 foi criado o AI-5, e até esta data, o “apartamento”
de Leopoldo não havia sido visitado por nenhum adepto do naturismo.
Provavelmente, ninguém o levou a sério, só mesmo os militares, que
o consideraram um contraventor, e ele foi exilado. Como não tinha
dinheiro, foi para a casa de um primo distante, por parte de mãe, que
morava na Patagônia. Por uma questão óbvia de temperatura muito
baixa, sua idéia de um campo de naturismo no Chile, não deu certo.
Na década de 80, o Brasil inteiro se mobilizou no projeto Diretas
Já, a anistia ampla, geral e irrestrita, finalmente chegou a
Patagônia, e Leopoldo pôde voltar ao seu ensolarado país e dar novo
fôlego a seu projeto. Afinal de contas, agora o Brasil era um país
democrático, livre da ditadura militar. Mas o inevitável aconteceu,
Leopoldo se apaixonou e casou com Marta, uma moça de família
tradicional, com nível superior, e que só ia a praia de maiô. Biquíni
de duas peças era falta de vergonha na cara para Marta. Como convencê-la
a ir a uma praia de nudismo? Tarefa impossível de ser feita.
Nos anos 90, o naturismo ganhou força em todo o país. Em
todos os cantos de norte a sul, surgiam campos, clubes, praias,
associações em luta do naturismo oficial, legalizado. E não o que
vinha sendo feito, na surdina, onde várias pessoas haviam sido presas
por atentado ao pudor. Muitos projetos de leis foram apresentados,
estudados, votados e na grande maioria das vezes, não eram aprovados
por um ou outro político, ou então, eram contestados legalmente por
advogados que só conseguiam ver pornografia naquele modo de vida.
Finalmente em 2003, Marta cansou-se de suas loucuras e o
deixou. O momento era este. Um projeto de lei de amplitude federal
estava a pleno vapor em Brasília, e logo seria aprovado. Já existiam
várias campos, praias e clubes oficiais de naturismo em todo o país,
onde as pessoas podiam ficar nuas sem serem importunadas pela polícia
ou qualquer outro órgão oficial.
Era neste estado de espírito que se encontrava Leopoldo quando
acordou naquela manhã de sábado. Abriu o armário, pegou uma mala, e
depois de algum tempo, deu boas gargalhadas, ele estava arrumando uma
enorme mala para ir a um campo de nudismo. Escolheu uma menor, colocou
uma toalha, um short, um par de chinelos, uma cueca e uma camisa. Era
mais do que suficiente para um final de semana. Tomou um banho
caprichado, fez a barba e aparou os pêlos do nariz. Afinal de contas
era sua primeira vez, precisava estar muito bem apresentado, esperou
tantos anos por isso. Tinha que ser uma ocasião especial. Pegou seu
carro e pé na estrada.
Para não se sentir totalmente constrangido, resolver ir a um
clube em que o nu não fosse obrigatório. Depois de duas horas de uma
estrada tranqüila, chegou a uma bifurcação. A placa que indicava o
caminho certo, estava caída e muito danificada para que ele tivesse
certeza se deveria virar a esquerda ou a direita. Optou pela direita e
seguiu em frente, logo depois chegou ao seu destino, tinha certeza que
havia virado para o lado certo. Chegou na portaria, se apresentou.
Achou estranho o fato de seu nome não estar na lista de reservas, mas
como a moça da recepção lhe deu a chave de um quarto, não se
preocupou mais com isso.
Foi para seu quarto, tomou um novo banho, e saiu para uma volta
de reconhecimento. Finalmente o primeiro contato com a natureza
completamente nu. Estava se sentindo ótimo, de bem com a vida, feliz,
realizando um sonho. Escutou umas vozes e caminhou-se em direção a
elas. Eram quatro senhoras que deveriam ter entre 60 e 80 anos, todas
vestidas, mas antes que pudesse chegar perto, elas começaram a gritar
e saíram correndo. Achou aquilo engraçado e continuou sua caminhada,
chegou a piscina e foi direto ao trampolim mais alto, lá de cima
acenava para todas as senhoras que estavam aos gritos ao redor da
piscina. O único pensamento que veio em sua mente foi: “Que
pessoas mais esquisitas, vem para um clube de naturismo e ninguém
tira a roupa”.
Se concentrou e pulou, nadou um pouco até a borda, e quando
chegou, deparou-se com dois pares de botinas. Eram dois policiais.
Leopoldo estava preso por atentado ao pudor. Quando tentou argumentar
sobre o clube de naturismo, os policiais lhe mostraram uma faixa que
dizia: “13° Congresso anual
das senhoras da terceira idade cardíacas de Pirapora”.
No dia seguinte, Leopoldo era manchete nos principais jornais
do país. “Senhor de 63 anos
é preso em congresso, por atentado ao pudor. Sua pena será de
trabalhos comunitários, ficando ainda, proibido de freqüentar locais
de prática de naturismo por cinco anos”.
Leopoldo
só conseguia pensar em uma coisa: “Maldita
placa”.
Terminado
em: 13 de Abril de 2003.
*wagnerrotta@uol.com.br
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