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Jornal Olho nu - edição N°121 - dezembro de 2010 - Ano XI

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O Naturismo foi ao teatro?

por Pedro Ribeiro*

Img: Pedro Ribeiro

Cena da peça "As Bacantes" realizada no domingo, 14 de novembro no Rio de Janeiro

José Celso Martinez, um dos autores teatrais mais polêmicos do Brasil atual, tem realizado em diversas cidades super-produções de durações intermináveis que invariavelmente contém muitas cenas de nudez e sexo, contando com grande elenco e patrocínio generoso de órgãos oficiais de incentivo à cultura. Diz-se que geralmente convida a plateia para participar de algumas cenas, interagindo com o elenco, com beijos, apalpos, sarros e nudez. Parte da plateia também aproveita a interagir com ela própria, fazendo uso inclusive da maconha quando no palco o protagonista simula(?) também usar.

Não foi diferente quando a trupe em sua turnê nacional aportou aqui na cidade do Rio de Janeiro com oficinas para atores e apresentações de quatro obras diferentes, da série intitulada "dionísicas".

Img: Pedro Ribeiro

Cena de "As Bacantes" que representa o nascimento das mesmas.

Estimulado pela tal possibilidade de a plateia poder ficar nua enquanto assiste à peça, um grupo de naturistas, do qual eu fiz parte, decidiu que seria uma boa oportunidade de mostrar ao resto do público que a nudez é natural e não tem nada de errado. Éramos apenas cinco, mas esperávamos que nossa naturalidade estimularia outros espectadores a fazerem o mesmo. Decidimos ir no domingo, 14 de novembro, com a peça "Bacantes" e na segunda-feira, 15, com "O Banquete".

 O teatro de lona montado na tradicional Praça XI no centro da cidade tinha lugar para duas mil pessoas sentadas. Lotou no domingo e na segunda. Não seria uma tarefa fácil ficar nu diante de tamanha multidão se não houvesse realmente um "incentivo" da produção e um ambiente que possibilitasse o ato. Além disso desejávamos que outras pessoas, além de nós, tivessem também esta intenção.

Img: Pedro Ribeiro

Cena final de "As Bacantes"

Sou uma pessoa acostumada ao nudismo com pouca (ou nenhuma outra) adesão, por causa da época em que frequentava a praia da Reserva, no Rio de janeiro, com um pequeno grupo de abnegados naturistas, enquanto aguardávamos a decisão da justiça pela liberação da praia do Abricó, em meio a uma multidão de banhistas vestidos, que no verão chegava a mais de duzentos. Achei que seria fácil tirar a roupa lembrando os velhos tempos de luta. Não foi.

 Começada a peça no primeiro dia, foram dadas as informações de que as imagens seriam gravadas e usadas em um futuro DVD, que não haveria restrições a quem quisesse fotografar ou gravar o espetáculo, a não ser ao uso de flash, que as imagens poderiam ser usadas livremente por qualquer meio e quem não concordasse em ter suas imagens levadas ao ar, que se retirasse naquele momento. Ninguém saiu.

Img: Pedro Ribeiro

O senador Eduardo Suplicy prestigiou a encenação e fez discurso ao final

Mas o esperado clima propício para a nudez natural não ocorreu tão cedo. Os atores e atrizes estavam nus quase todo o tempo, ou então usavam túnicas em estilo grego sem fechamento laterais, sem nada por baixo, mas o texto levava a uma conotação mais sexual da nudez, com várias simulações de sexo inclusive.

O espetáculo começou às 18 h 30 e às 21 h terminou a primeira parte, com intervalo de 20 minutos. A segunda parte durou cerca de uma hora e meia com mais um intervalo, muito bem vindo, de 20 minutos e a terceira e última parte acabou aos vinte minutos para uma da manhã. Algumas pessoas foram embora durante os intervalos e já não havia mais lotação.

Foi somente nesta terceira parte que eu e, aos poucos, os outros do grupo resolvemos tirar a roupa, mais por nos sentirmos desafiados pelo nosso propósito inicial do que pelo ambiente pouco propício. Neste momento na peça acontecia uma espécie de grande orgia, com os atores lambuzados de um líquido viscoso, que mais tarde soube que era mel, e lama, que se jogavam uns sobre os outros. Aí a plateia foi convidada a participar e muitas outras pessoas tiraram suas roupas e se atiraram sobre aquele monte de pessoas. Do que aconteceu ali não houve nada de naturista, pois muitos se aproveitaram para cometer atos obscenos sexuais. Os atores do elenco saíram de fininho e deixaram o público interagir. No dia seguinte soube que o propósito desta cena era fazer com que as pessoas se tocassem, sem pudores, mas o público extrapolou.

Img: Jorge Barreto

O seis nudistas intrépidos  (o sexto foi quem tirou a foto) reunidos no fim do espetáculo

Finda a orgia, os participantes voltaram para seus lugares, mas todos se vestiram de novo, com exceção de nós mesmos, nosso grupo de cinco, que permaneceu nu até o final da função. E, por mais incrível que pareça, recebemos críticas por nossa nudez de alguns poucos espectadores. Nossa nudez chamou atenção até de alguns atores que fizeram alguns comentários.

De qualquer forma ficamos contentes de realizarmos nossa intenção e decidimos que no dia seguinte nos organizaríamos melhor e ficaríamos nus desde o início.

Img: Claudio Guerra

No final do primeiro dia elenco e plateia lavaram-se na pequena banheira do cenário

No entanto, a formação do cenário da peça "O Banquete" dificultou nossa organização, pois diferente do dia anterior, não conseguimos entrar juntos na sala por causa de uma performance, a cerimônia do lava-pés, realizada bem em frente à porta de entrada por alguns atores. Sentamo-nos separados em volta da grande mesa onde aconteceria o banquete e a peça. Isto dificultou nossa "coragem", com exceção de um amigo, Jorge, sentado junto com um casal de amigos, tirou as roupas completamente antes mesmo da peça começar e causou rebuliço no restante da plateia.

A peça marcada para 19 horas começou com mais de 40 minutos de atraso e terminou às 23 h 50, sem intervalos! Desta feita a apresentação era muito mais explícita do que a do dia anterior, com duas cenas de sexo explícito no decorrer. Eu estava mal acomodado. Fazia calor. Alguns homens tiraram as camisas, inclusive eu. Mas a mulher do casal que estava ao meu lado repreendeu o companheiro quando fez menção de tirar também a própria camisa, o que me inibiu a tentar uma nudez completa. Nenhuma mulher aderiu. Nudista, por enquanto somente o Jorge, lá distante.

Img: Pedro Ribeiro

Eros escolhe parceiros para demonstração de amor em O Banquete

No palco (ou mesa) Eros flechava aleatoriamente pessoas da plateia trazendo-as para a cena e para que se beijassem e demonstrassem que a flechada da paixão foi eficaz. De vez em quando alguém era arrancado da assistência para participar das cenas bem fortes com os atores. Por vezes eu duvidei que não fosse tudo combinado. Alguns poucos tiraram a roupa em cena, mas voltavam a seus lugares vestidos.

Aproveitei-me de uma cena de escuridão total para tirar o resto da roupa e também do fato que o casal com a mulher repressora, que estava ao meu lado antes, havia desistido de continuar naquele lugar. Quando a luz se acendeu novamente estava eu nuzinho e somente mais o Jorge, o bravo que estava desde o começo. Mais algum tempo, se aproximou o Cláudio, sentou-se ao meu lado e também tirou a roupa. E só! Ficamos assim até o final que ocorreu cerca de 40 minutos depois. No finalzinho juntou-se ao ínfimo grupo de nudistas um amigo do Claudio.

Img: Claudio Guerra

Até os músicos que fizeram parte da orquestra ao vivo usaram o figurino igual ao dos atores

No encerramento todos foram convidados para continuar e participar de uma festa eletrônica ali mesmo. Eu e Claudio decidimos ficar na festa e continuarmos nus, para ver se em um ambiente com menos gente talvez pudesse haver mais adesão. Mais três pessoas aderiram, Jhonas, que fazia parte do staff da peça, um ator e um outro jovem desconhecido, totalizando então sete pessoas nuas em meio a cerca de 200 que permaneceram vestidas. Nenhuma adesão feminina, nem top-less. No entanto o uso da maconha estava disseminado. Fui embora quando a festa acabou, cerca de 50 minutos depois.

Conclusão

É lógico que eu sabia que não se tratava de um evento naturista, mas podia ser um peladista, nudista ou outra denominação que estão criando por aí. Mas não era nada disso. As peças, embora com muita nudez, de corpos até esteticamente interessantes, não transmitiram sensualidade. Tudo que aconteceu no palco pareceu muito escatológico e grosseiro, com raras exceções. Foi cansativo e repetitivo assistir tudo. No entanto não fui embora, pois mesmo assim algo atraía para que eu (e os outros) permanecesse até o final. Nos intervalos ouvi muitas pessoas alardeando que não estavam gostando, mas como eu elas não foram embora.

Img: Pedro Ribeiro

Durante a festa eletrônica pose para a foto

Ficou claro que a nudez coletiva ainda é tabu para quase a totalidade das pessoas. Elas se admitem ver, serem espectadoras, mas jamais serem os atores. Justamente o instante em que houve maior adesão à nudez foi quando ela estava indiscutivelmente associada ao sexo no momento em que se formou uma orgia no centro do palco, na peça do primeiro dia em que fomos. Neste momento não se importaram em serem vistas nuas pelo restante do público, e muitos também, na mesma cena, não se importaram em serem protagonistas de cenas de sexo explícito coletivo e assistido, mas finda a encenação momentânea todas se vestiram. Como avisado, as cenas foram gravadas e poderão fazer parte do DVD que a companhia pretende lançar.

Não me arrependo de ter ido e ficado nu, pois são inexistentes oportunidades fora das áreas naturistas que se pode ficar nu de maneira natural em público, no entanto esperava maior adesão. Acredito que este tabu contra a nudez natural é que ainda prejudica o desenvolvimento do Naturismo no Brasil.

Pedro Ribeiro

pedroribeiro@jornalolhonu.com

 

Leia a crítica de Jorge Bandeira sobre as encenações dionísicas realizadas quando elas foram a Manaus

Veja mais fotos da apresentação das Bacantes no Rio de Janeiro no Orkut de Jorge Barreto


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