') popwin.document.close() }
Jornal Olho nu - edição N°121 - dezembro de 2010 - Ano XI |
Anuncie aqui |
|
O TEATRO OFICINA E A NUDEZ A SERVIÇO DO HEDONISMO por Jorge Bandeira* Este escrito é uma reflexão da digressão teatral DIONISÍACAS, no projeto do Teatro Oficina UZINA UZONA, sob a direção sempre polêmica do consagrado Diretor José Celso Martinez Côrrea, o Zé Celso. Assisti em Manaus, no Balneário do SESC, aos espetáculos AS BACANTES e O BANQUETE, todos inseridos no que considero como um Teatro do Hedonismo, ou do prazer a toda prova, de forma desenfreada. Aqui não analiso aspectos de preconceitos e moral, mas sim uma estética que se enquadra nesta situação do hedonismo, e como este hedonismo escapa da tradição clássica grega, o que faz com que a proposta deste mega-projeto perca-se em uma amálgama de sensações e provocações que não chegam ao ponto crucial de todo o esforço e dinheiro despendido: O Teatro. Pelo menos este Teatro que nos coloca a centelha estética da inquietação, mesmo que a sexualidade seja despejada num caldeirão de motivos extremados, o que remete, neste viés teatral, aos processos históricos da degeneração do teatro helênico pela triunfal decadência teatral romana. Isso é uma constatação ao espectador mais atento. A impressão é cabal desta forma de arena sexual romana do UZINA UZONA. Aqui começam os problemas que detectei, sem nenhum recalque pelo agressivo método do diretor, de forte impacto, mas que se fragiliza exatamente por este excesso e exacerbação das cenas. O desconforto atinge até mesmo os intérpretes, que em Manaus sentiram o baque de ter uma “casa não tão cheia” para as orgias programáticas do Teatro de Zé Celso. Foi um público frio e deslocado? Creio que o que tivemos nestas duas noites foi o resultado de uma estratégia já cansada, meio que datada, que esperava um público que entrasse de cabeça neste perigoso jogo, onde nem mesmo a juventude correspondeu na forma dionisíaca imaginada pelo Zé Celso. E Zé Celso teve, anos atrás em Manaus, um experiência deste naipe, de refletir que nem todos entram neste jogo de fazer parte de suas “viagens”. Falta de avisos não foi. Zé Celso negligenciou seu público, foi egoísta até a última gota de seu sangue libertário, mas mantido agora com ares de super-produção, com pelo menos 24 apoiadores e produtores culturais de peso na injeção de capital para sua jornada nos estádios em algumas das mais significativas capitais de norte a sul do Brasil. Primeiramente temos um longo espetáculo teatral, de seis horas de duração e com intervalos para que possamos respirar toda esta proposta de uma cena que se repercutia em telões laterais, refletores nos cantos estratégicos para focos direcionados, o que exigia atores-canhões que estavam no alto direcionado os focos para as movimentações dos inúmeros personagens, o que nem sempre se harmonizava com a movimentação dos intérpretes . Todas as situações sexuais são encenadas, inclusive a bestialidade, e a nudez é colocada a serviço única e exclusivamente ao prazer sem regras, o que remete até mesmo aos espetáculos teatrais da decadência romana, onde homens, mulheres e jovens (uma cena de fellaccio que ficou subentendida com uma jovem é o ponto de maior descalabro, pois se a questão é desregrar o boquete deveria ser feito, sem insinuações, o que tornou a cena patética!) servem como escravos deste Teatro das crueldades sexuais. Me pergunto inclusive se o gringo que foi despido para ser o “Minotaurado” não foi mais uma maquiagem desta cena que se quer chocante mais que recua quando lhe interessa (no dia seguinte, lá estava o gringo para servir de joquete deste teatro do despojamento das vestes!). Muito estranho, muita coincidência? Lembro mais uma vez que não pretendo defender ou atacar a opção homo-erótica de Zé Celso em seu trabalho. Aliás, o Zé Celso já é um paradigma de nosso Teatro, e não é por este artigo que algo irá mudar em sua trajetória triunfal. Remeto apenas ao leitor e ao espectador mais atento à cena teatral dos perigos de confusão entre esta vertente “romana” e a grega, que pensa em alargar fronteiras, mas que pode até mesmo acirrar rancores sexuais e outras formas preconceituosas. A opção sexual é livre Zé Celso, e assim como temos hoje uma homofobia perversa em nossas vidas e cotidiano , temos também a heterofobia, um fenômeno tão perigoso e calhorda como toda forma de preconceito. Não cabe em nosso mundo os extremos, sejam de onde vierem. Não há cotas para gays e heteros, todos provam do mesmo ar, habitam o mesmo planeta. A situação que se coloca é a da agressão, do que já estamos acostumados a ouvir, mas que incomoda aos que não aceitam as críticas, mesmo que sejam de um teor não agressivo, que são apenas reflexões construtivas sobre uma obra artística. O afrontamento ao público, irrompendo situações de vexame não condizem, hoje, a meu ver, com um Teatro do século XXI. Os fantasmas do Living Theatre ainda perambulam em alguns palcos, Julian Beck e Judith Malina passaram pelo Oficina há tempos, e este tempo não volta mais, neste tempo de crack, a maconha, coitada, está no jardim da infância das terríveis calamidades sociais que acabam de vez com muitos lares e felicidades. O vinho de Dionísio perdeu muito de seu sabor. Isso não é moralismo ou perseguição conservadora, é uma constatação. Mesmo com Zé Celso vestido de “camisinhas” a situação não se aclara. O que o Zé Celso pretende hoje com o seu Teatro, o Tea(to) como ele divulga? Vanguarda? Polêmica? Novidades? Nada disso pode ser esteticamente comprovado, não há novidades nos arroubos de sexo, nudez, drogas(álcool e maconha) neste Teatro do Oficina. Chega e ter ares de um passado saudosista e inerte, e se consegue pelo menos um trunfo louvável deste Teatro do Oficina em sua matiz de Uzina Uzona é fazer do machismo a vertente a ser transgredida, com alguns machões se retirando do Teatro, como presenciei junto com meu amigo Rivaldo, onde um “machão musculoso” saiu puto da vida, na primeira hora de O Banquete, pronunciando uma frase lapidar, mas ridícula como todo machão o é: eles estão tentando aflorar os nossos instintos de gay! Creio que isso é muito pouco para o histórico de Zé Celso e do Teatro Oficina! Fica uma estranha sensação de que o diretor perdeu o fio da história, e que tornou o seu Teatro, antes vigoroso, numa panacéia de descalabro, e que faz com que o público na verdade não se identifique nem com o texto e muito menos com a encenação, preferindo comprar um dvd pirata de sexo explícito nas esquinas de Manaus. A primeira lembrança que tenho é da produção da revista pornô Penthouse, o famoso Calígula, filme de estética kitsch, de atuações pífias, onde nem mesmo o grande ator Malcolm McDowell consegue salvar o filme. A lembrança não é sem propósito, basta lembrar do enorme falo colocado em cena, do figurino sem nenhum apuro, meio que jogado sobre os corpos, e até as marcações de entradas e saídas são modestas e simples, sem surpresas aos espectadores. Inclusive as cenas nas alturas da estrutura ficaram perdidas, pois as simultaneidades de cenas ocasionou uma confusão no foco dos olhares, pois as cenas são integradas, mas de difícil acompanhamento por parte do público, pelo tamanho da estrutura metálica montada no estádio. O olho do cu não enxerga, pode ser filmado “piscando”, mas não há mágica que faça um cu olhar! As Bacantes e O Banquete estão neste fio tênue, onde não se sabe mais se o que se assiste é uma representação ou o real, e sendo assim, o Teatro perde-se aos olhos dos espectadores. Não adianta um ator nu, uma atriz nua, uma relação sexual dissimulada, uma tragada de um cigarro de maconha, uma cena escondida de sexo oral ou anal, trata-se de uma proposta de teatro, e aqui a nudez é deveras castigada, banalizada e colocada numa vitrine terrível de encenações de exibicionismo. Uma grande produção, financiada por grandes conglomerados estatais e industriais, que faz sua digressão Brasil afora e no exterior. Sinto, talvez, que esta “falta de dificuldades” empacou o projeto, acomodou a mente inquieta do Zé Celso, esfriou sua relação sincera com o público. A impressão que tive, nestas apresentações que assisti em Manaus (não assisti Taniko e Cacilda!) é de uma cena forçada, não desejada, ou de um desejo que se perde em seu propósito inicial. Não choca nem escandaliza, faz rir, por exemplo, em cenas do cu filmado e “piscando” nos telões, mas que logo depois cansa o público, pela overdose de “putaria” que ocorre, a atenção no texto e nas atuações, bases fundamentais de qualquer obra teatral, perde-se na cansativa encenação do Oficina. O público saía do local de apresentação, o estádio foi se esvaziando, esvaindo, escafedendo-se, incomodado não pelas cenas ousadas, mas pelo cansaço e falta de vínculo afetivo e estético com que via em cena. Um destaque é a banda que acompanha o Uzina Uzona: Tigre de Dente de Sabre, é o que salva este jogo perdido do Zé Celso, com todo respeito, ah, falar de respeito com o Zé Celso já é um paradoxo. Zé, neste mundo tão louco de hoje não há mais lugar para escândalos, desregramento é fazer um político pronunciar uma verdade, do fundo de seu coração. Isso sim, me faria corar! *Jorge Bandeira escreve sobre atividades artísticas na atualidade de Manaus. Manaus, 15 de setembro de 2010. Obs: As fotos de Jorge Barreto foram registradas nas apresentações no Rio de Janeiro Leia o relatório das apresentações no Rio de Janeiro em NATPolêmica
(enviado em 11/11/10) |
|
Olho nu
- Copyright© 2000 / 2010
Todos os direitos reservados.