SEU JORNAL VIRTUAL SOBRE NATURISMO NO BRASIL E NO MUNDO
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A história do naturismo no Brasil está sendo contada em capítulos nas edições do OLHO NU. De autoria de Roberto Soares, naturista de longa data e aficionado pelo Movimento, que a relatou originalmente para ser publicado no livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo de Cristina Agostinho, Branca de Paula e Maria do Carmo Brandão (Editora Best Seller - 1994). Baseando-se no que foi publicado na imprensa em geral e em experiências e fatos vividos por ele próprio, Roberto começou sua trajetória a partir de Luz Del Fuego, que era o personagem central do livro, depois focalizou a famosa Dona Beja, e em seguida relatou as experiências difícieis para encontrar o Naturismo na época da Ditadura Militar. Nesta quinta parte, Roberto nos conta sua fascinante experiência durante viagem ao exterior, quando era ainda um jovem rapaz, onde começou a compreender o verdadeiro significado da palavra NATURISMO. Acompanhe conosco essa interessante saga. | |
"Encontro com o Paraíso" 5º capítulo Experiência internacional Por Roberto Soares*
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Em 1984, dez anos antes de hoje, quando escrevo estas reminiscências,
encontrei nas bancas um exemplar da revista Manchete, com chamada de capa
para uma reportagem assinada por Tarlis Batista, sobre o que descreviam
como a primeira e única praia de nudismo brasileira; comprei a revista e
li, era sobre a Praia do Pinho, em Balneário Camboriú, Santa Catarina. A
capa mostrava duas mulheres nuas, em cadeiras de praia, e a reportagem
falava sobre a decisão do prefeito e do secretário de turismo, de
legalizar a área.
Durante anos, julguei tratar-se de matéria sensacionalista, ainda
mais por que o texto dizia que o dono de um cabaré local levava suas
meninas a queimarem-se sem marcas na praia de difícil acesso. Lembrei de
nossa praia na Rio-Santos, que havia perdido sua condição de liberdade
pela chegada de mais pessoas, além da especulação imobiliária, que
logo tomou conta do belo local. Imaginei que o mesmo pudesse acontecer à
praia catarinense, guardei a revista e esqueci o assunto, esperando
intimamente encontrar alguma outra matéria posteriormente, que viesse
confirmar a legalização do local.
Dez anos depois de nossos últimos banhos nas duchas naturais da
praia escondida, abandonei o trabalho em engenharia, após concluir o
projeto de toda a iluminação da usina hidrelétrica de Tucuruí. Comprei
um velho boteco que servia boa comida e bebidas, além de um sensacional
caldo verde, na ex-boêmia área da Lapa, então infestada de bicheiros,
traficantes, prostitutas, travestis e ladrões. Tinha um ótimo sócio,
conseguimos juntos transformar o boteco num lugar freqüentável, que
vivia cheio de gente que vinha da Tijuca e de Copacabana.
Poucos meses depois, não foi possível resistir à tentadora
oferta que um grupo de empresários portugueses nos fez, vendemos o ponto
e desfizemos a sociedade; não queria passar o resto de meus dias escravo
de outro negócio como aquele, que tomava todo o tempo e todos os dias,
mesmo os sábados, domingos e feriados.
Arrumei uma mochila e tomei o primeiro avião para a velha Europa.
Desembarquei em Lisboa, e passei os sessenta dias seguintes rodando de
trem por inúmeros países em pleno verão, julho e agosto.
Segui para Frankfurt via Paris, para visitar uma amiga, Alice, que
estava vivendo por lá. No trem, a primeira surpresa, eu viajava numa
cabine de primeira classe, compartilhada com uma família portuguesa. Era
um comerciante de Lisboa, Manoel, homem de quarenta e poucos anos de
idade, acompanhado pela mulher, Ana, talvez uns seis ou sete anos mais moça,
e três filhos. A mais velha era Rita, com quatorze anos; mais os meninos
André, de treze, e Diogo, com doze anos de idade.
O casal era encantador, mostraram-se logo amistosos, eram finos e
bonitos, com os filhos muito bem educados; o que me chamou a atenção.
Chegaríamos a Paris no meio da tarde seguinte. Ao passar das vinte e duas
horas, decidiram que já era hora de dormir, Ana abriu uma bolsa, tirando
dela roupas de dormir para toda a família.
Todos se trocaram ali mesmo, uns diante dos outros, e de mim, um
perfeito estranho. Ana acomodou Diogo e Rita no leito improvisado a meu
lado, e André na bandeja de bagagens, que serviu de beliche , saindo
depois para o toalete. Ao regressar à cabine, conversando naturalmente
com o marido, despiu-se para vestir uma camisola, antes de desejar boa
noite a todos e apagar a luz para que dormíssemos. Era minha primeira
experiência naturista em dez anos; apaixonei-me pela família, que
visitei em Lisboa dois meses depois, antes de regressar ao Brasil.
Fiz conexão em Paris para Frankfurt, onde a segunda surpresa me
esperava. Como fizesse muito calor e Alice tivesse as manhãs livres,
passei a acompanhá-la diariamente a uma piscina pública. Lá, além de
muitas mulheres, quase todas, não cobrirem os seios, havia pessoas,
homens e mulheres, que pareciam estar passando pelas proximidades do clube
quando decidiam entrar para refrescar-se. Isto porque chegavam vestidos e
despiam-se até ficar apenas com as roupas de baixo, para mergulhar e
tomar sol.
Depois voltei a Paris, para passar alguns dias. Na mesma Gare du
Nord, onde desembarquei, havia um guichê que informava e reservava
acomodações por toda a França. Optei por um "Centre de Séjours",
uma espécie de hotel de estudantes, situado junto à Mairie de Clichi, a
prefeitura de uma das cidades satélites da "Cidade Luz".
A diária era de trinta francos, com direito a café da manhã, na
verdade uma caneca de café com leite, acompanhada de um naco de "baguette"
com manteiga. O funcionário do guichê ligou, fazendo a reserva em meu
nome, em seguida, forneceu-me um mapa completo do sistema de metrô,
indicando as linhas que deveria tomar, e as estações de conexão.
Cheguei ao "Centre de Séjours Lèo Légrange" já bem
tarde, por volta das vinte e três horas, registrei-me e recebi a chave de
um quarto no sétimo andar. Subi com minha mochila; ao deixar o elevador
vi um corredor comprido em frente, com as portas dos quartos. Logo na
entrada, ainda no patamar dos elevadores, havia uma porta dupla de molas,
encimada pelo anúncio: "salle de bain".
Empurrei uma das folhas da porta e espiei para dentro; na parede
contígua à direita da entrada, havia umas oito pias, com espelhos. Na
parede seguinte, uma bateria de aparelhos mictórios; do lado oposto à
entrada, estavam os chuveiros, dispostos lado a lado, sem divisórias; e,
do lado esquerdo, os pequenos reservados com vasos sanitários.
Estava bem claro para mim, que se tratava do banheiro masculino, o
feminino talvez estivesse na outra extremidade do corredor. Segui para o
quarto indicado e entrei; logo junto à porta havia uma pia e espelho,
adiante os armários, e depois o quarto propriamente dito, com um beliche
e uma cama de solteiro. Ao fundo, uma comprida escrivaninha, ocupava toda
a extensão da parede da janela, então totalmente aberta, emoldurando uma
bela visão da torre Eiffel iluminada. Fui imediatamente saudado por meus
companheiros de quarto, que ainda estavam acordados; na parte inferior do
beliche, já estava deitado um rapaz brasileiro, a cama de solteiro era
ocupada por um jovem americano. Conversamos um pouco, mas logo tratamos de
dormir.
Saltei cedo da cama, despi a bermuda e a camiseta com as quais
dormira, enrolando minha toalha à cintura, como um sarongue, e saí em
silêncio para não acordar os outros, levando meu "necessaire".
Ao entrar no banheiro ainda vazio, coloquei o "necessaire" sobre
a bancada das pias, despi a toalha, indo pendurá-la num dos ganchos junto
às duchas. Estava louco para urinar, dirigi-me a um dos mictórios e tive
dificuldades para apontar o jato para dentro do mesmo, o que é normal
quando se está meio sonolento. Neste momento ouvi o ranger da mola da
porta de entrada atrás de mim, mas nem liguei, ocupado que estava em não
urinar na parede. Uma doce voz de menina, em indefectível sotaque francês,
despertou-me definitivamente, soando animada: - "Bon jour!"
O piso desapareceu de sob meus pés; antes de conseguir estancar o
fluxo e olhar para a moça, tive a impressão de ter cometido um terrível
engano e estar atentando ao pudor, completamente nu, urinando no banheiro
feminino, em frente a uma jovem e inocente hóspede. Apenas a presença
dos aparelhos mictórios não fazia sentido, mas devo ter ficado da cor
dos alvos azulejos. Virei-me, tentando disfarçar o volume do membro ainda
entumecido sob as mãos, para alcançar a toalha e dar o fora; neste
momento vi a menina. Ela deveria ter no máximo dezessete anos, e já
estava tão nua quanto eu próprio; também tinha deixado suas coisas na
bancada das pias, e estava abrindo a válvula de uma das duchas, sob a
qual se meteu cantarolando.
Começamos a conversar, meu susto foi passando, completei meu alívio
e fui juntar-me a ela, sob as duchas. Logo, outros jovens de ambos os
sexos foram entrando e utilizando o banheiro sem preconceitos, no mais
absoluto clima de respeito e naturalidade. Posso dizer hoje, que quase
atingi o nirvana naqueles momentos; ali estava o menino que havia sonhado
com o Naturismo por mais de vinte anos, tornando a experimentá-lo.
Depois, foi em Estocolmo, semanas depois; estava namorando uma
jovem norueguesa que conhecera num trem vindo de Copenhague. Era uma manhã
de sábado muito quente, estávamos passeando, eu e Bennie, por uma espécie
de parque alongado, na margem norte do canal Djurgardsbrunnsviken, parte
leste da cidade, bem em frente à ilha Skansen. Estocolmo é apelidada de
"Veneza do Norte", por seus canais, que cortam toda a cidade.
Infelizmente, por ser uma das maiores cidades industriais do mundo,
registrava altos índices de poluição nestes canais.
A prefeitura havia completado as obras de despoluição daquele
canal, e o prefeito havia escolhido aquela ensolarada manhã para a cerimônia
oficial de inauguração. Os termômetros de rua, em Estocolmo, têm
escala entre trinta graus negativos e trinta positivos; era quase meio
dia, e eles marcavam vinte e sete. Havia um palanque montado na margem,
avançando como um píer sobre o canal; o talude gramado que circunda o
local começou a encher-se de gente, homens, mulheres e crianças.
Vendedores de bolas de gás multicoloridas, sorvetes e algodão doce,
circulavam entre as pessoas que chegavam de todos os lados.
Funcionários de estações de TV montavam câmeras sobre gruas, e
havia repórteres espalhados, colhendo impressões do povo. Pelas onze e
trinta, a cerimônia começou, o palanque estava cheio de figurões
metidos em ternos com gravatas, sob aquele calor escaldante; havia também
mulheres exuberantemente vestidas. O povo se comprimia no gramado, sem
perder palavra dos discursos, que Bennie se esforçava para traduzir como
podia.
Lá pelas tantas, depois de algumas palavras mais veementes,
estrepitosamente ovacionadas pela multidão, que Bennie não teve tempo de
traduzir, o prefeito desmanchou o nó da gravata, tirou o paletó, a
camisa, os sapatos e meias, as calças e cueca. Nu como veio ao mundo,
subiu ao beiral do palanque, onde desatou uma fita azul e amarela, e
mergulhou para nadar no canal.
O mais incrível ainda, é que a imensa maioria das pessoas
presentes, quase excetuando-se apenas policiais, vendedores ambulantes e
pessoal da imprensa, do palanque e da assistência, fizeram exatamente o
mesmo. Todos os que se despiram e simplesmente deixaram suas roupas e
pertences onde estiveram, correram para a água, nadaram por algum tempo e
depois vieram confraternizar-se ao sol, secando-se para poder tornar a
vestir-se e seguir seus caminhos felizes. Bennie manteve sua calcinha,
explicando-me que os noruegueses são um pouco mais conservadores.
As piscinas públicas de Estocolmo, costumam ter áreas específicas
para o nudismo, mas a bem da verdade, as pessoas nem ligam para a nudez própria
ou alheia nas demais áreas comuns. No centro da cidade, é comum durante
o verão, que as pessoas deixem seus escritórios ao meio dia, para
despir-se ao sol no parque de Mariebergs, um quilômetro a oeste da
prefeitura, regressando ao trabalho pouco antes das duas.
Nos gramados do parque público, deitam-se nus, e comem os lanches
que trazem, geralmente frutas.
Numa ocasião, eu e Bennie fazíamos exatamente isto, apesar de
ela, como sempre, manter a calcinha. Uma velha e elegante senhora, trajada
como se fosse a uma festa, aproximou-se e falou algumas palavras sorrindo
docemente, antes de despedir-se e prosseguir seu caminho pela promenade
sobre a grama. Bennie traduziu suas palavras assim: - Como é linda a
juventude! Quisera ter hoje uns quarenta anos a menos. Divirtam-se!
Os dinamarqueses também não são tão liberais quanto os suecos;
contudo, nenhuma mulher dinamarquesa é jamais estimulada a ter vergonha
de seus seios e escondê-los. Nas piscinas públicas, todas, quase sem
exceção, os exibem sem qualquer preocupação ética ou estética
aparentes. Mesmo as que preferem ir às piscinas usando maiôs de corpo
inteiro, assim que estão ao sol, soltam as alças e os enrolam até o
ventre, ficando à vontade.
Depois disso, passei uma semana acampado na ilha de Corfú, na Grécia,
e fiz um cruzeiro turístico pelas ilhas do sul, dá para imaginar que lá
pude coroar de êxito meu reencontro com o Naturismo. |
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Na
próxima edição acompanhe a trajetória de Roberto de novo no Brasil e
sua desistência de ficar no Rio de Janeiro.
*Naturista gerente do bar
da praia de Massarandupió na Bahia. |