Breves apontamentos
Adão
e Eva (pintura de Tamara de Lempicka) |
Desde a origem do Homem e até ao Século XV que a
nossa nudez era encarada de forma natural. Afinal de
contas todos nascemos nus. A roupa foi criada pelo
Homem como forma de se proteger das condições
climatéricas mais desfavoráveis; só muito mais tarde
passou a constituir um fator de diferenciação social,
com toda a carga exibicionista e, até, erótica a que se
assiste hoje na exacerbação voyeurista duma sociedade
em que o culto da imagem, (especialmente a feminina,
mas crescentemente, também, a masculina), constitui
um "pilar sócio-cultural".
Deixando para trás os nossos mais remotos
antepassados, é bom lembrar que ainda hoje, em
algumas zonas do globo (atrasadas
- dirão os críticos),
vários povos vivem nus em comunidade.
Ironiza-se, a este propósito, porque é que as índias e
as negras aparecem nuas na National Geografic e as
brancas na Playboy.
Na Europa onde nos situamos, é bom lembrar que na
civilização helénica se convivia naturalmente com a
nudez, nomeadamente nas atividades de desporto e
ar livre, ou mesmo que S. Francisco de Assis se despiu
em público na presença do bispo Guido, sem ter, por
isso, sido preso. Aos nossos dias chegaram, também,
muitos relatos de banhos públicos onde a nudez de
homens e mulheres era perfeitamente natural. Mesmo
em Israel dos tempos antigos e até do Egipto, ao
tempo do faraó Akhenaton e de sua esposa Nefertiti
(adoradores de Aton – Deus Sol), nos chegam relatos
do uso da nudez em diferentes situações coletivas.
Os próprios frescos da Capela Sistina no Vaticano,
contendo figuras de José e Maria entre outros, foram
pintados exibindo a sua nudez. Só mais tarde um Papa
decidiu "vestir" aquelas figuras que, só recentemente,
readquiriram a sua beleza natural no restauro mandado
executar pelo Papa João Paulo II.
Aliás, a maior parte das figuras de Cristo crucificado que nos chegaram da antiguidade, e mesmo durante a
Renascença (Séc. XIV a XVI), apresentam-no despido,
sem que isso constituísse qualquer atentado ao pudor.
teto
da Capela Sistina no Vaticano, pintado por Michelangelo |
Este só toma conta da nossa
civilização com o
advento
do maniqueísmo.
Com ele, veio a
vergonha, a
curiosidade e a malícia. O que era puro e natural,
passou a ser perverso a ponto de gerar crimes,
discórdias, prisão física e intelectual. No reverso, a
nossa cultura apresenta-se genitalizada e hedonista, e projetada para o egoísmo, o desrespeito e até mesmo
para o uso do ser humano como mero objeto de
prazer e, mesmo, descartável.
Foi neste contexto que surgiu a procura da harmonia,
do equilíbrio, do bem estar físico e intelectual e,
também, da liberdade na assunção da nossa natureza
que, nomeadamente na Europa do final do Séc. XIX e
início do Séc. XX, surgem os primeiros registros sobre
o Naturismo a cuja filosofia está ligada a prática
nudista e o aparecimento dos primeiros clubes.
"O decoro sexual não pode, de nenhuma forma, ser
associado ao uso de vestuário, nem a vergonha com a
ausência de roupa, a total ou parcial nudez… A nudez,
enquanto tal, não deve ser equiparada ao descaramento
físico. A falta de decoro existe apenas quando a nudez
desempenha um papel negativo no que respeita ao valor
da pessoa, quando o seu papel é o de resultar em apetite
sexual, no qual a pessoa é colocada na posição de mero objeto de prazer".
João Paulo II in "Love and Responsability", quando Bispo
de Cracóvia.
Pero
Vaz de Caminha, em ilustração da revista Época |
"...
ali andavam três ou quatro moças e bem gentis, com
cabelos mui pretos e mui compridos pelas espáduas, e
suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e limpas das
suas cabeleiras que, de muito bem olharmos, não
tínhamos nenhuma vergonha. Os próprios índios não
fazem o menor caso de encobrir e mostrar as suas
vergonhas; e nisto têm tanta inocência como em mostrar o
rosto." In
"Carta a El-Rei D. Manuel" de Pêro Vaz de
Caminha (Descoberta do Brasil em 1500).