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De Olho na Mídia

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    A história do naturismo no Brasil está sendo contada em capítulos nas edições do OLHO NU. De autoria de Roberto Soares, naturista de longa data e aficionado pelo Movimento, que a relatou originalmente para ser publicado no livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo de Cristina Agostinho, Branca de Paula e Maria do Carmo Brandão (Editora Best Seller - 1994). Baseando-se no que foi publicado na imprensa em geral e em experiências e fatos vividos por ele próprio, Roberto começou sua trajetória a partir de Luz Del Fuego, que era o personagem central do livro. Nesta quarta parte, faz relato de particularidades de sua vida, quando foi para o Rio de Janeiro, suas impressões e dificuldades em adaptar-se à “cidade maravilhosa”. Era época de sua juventude que foi vivida em meio à truculência do regime militar instaurado no país e na aparente morte do Movimento Naturista no Brasil.

"Encontro com o Paraíso"

4º capítulo

O SONHO NÃO MORREU

Por Roberto Soares*

     Os anos que se seguiram, praticamente apagaram Luz del Fuego, a Ilha do Sol, e o Naturismo, da cabeça dos brasileiros. Os poucos que ainda sonhavam, trocavam cartas entre si e com Lorgus(ver capítulo anterior), e alguns chegavam a visitar campos de nudismo em suas idas ao velho continente. Em Porto Alegre, foi fundado o Solar Clube, de proposta naturista, mas que infelizmente também não vingou.

      Em sessenta e oito, a revolução estudantil desencadeada na França chegou ao Brasil, por outros motivos, com outros métodos; mas lá estávamos nós, jovens secundaristas, sendo motivados por militantes agitadores, que nos falavam de Marx e Trotsky em seus panfletos e comícios-relâmpagos, nos incitavam a bagunçar e quebrar tudo o que encontrássemos pela frente, e desapareciam como surgiam, deixando-nos a dor dos cacetetes. O que podíamos saber nós, aos quinze anos de idade, sob quatro anos de ditadura militar, sobre a "Mais Valia", ou os "Grupos de Trabalho" ?

     Mas nós "amávamos os Beatles e os Rolling Stones", acreditávamos em "Paz e Amor", curtíamos Hendrix e Joplin, sonhávamos com a liberdade de Woodstock; e tudo isso nos ajudou a encontrar o caminho para fora dos conflitos político-ideológicos.

     Em setenta, as "Feras do Saldanha", já sob o comando de Zagalo, levaram os noventa milhões de brasileiros de então ao delírio. O tri no México fez o povo esquecer até seu próprio sofrimento quotidiano, e fez os militares sentirem-se ainda mais seguros no poder. Vivíamos a época da guerrilha urbana, dos seqüestros de diplomatas, dos presos e torturados políticos, uma das fases mais negras da história do país; mas o povo preferiu fingir esquecer tudo isso, para sair às ruas, de bandeira verde e amarela nas mãos, e festejar.

     Treze de janeiro de 1973, nove da manhã, meu pai para o carro em frente à estação rodoviária de Porto Alegre, a mãe desce para me abraçar, sorriso de apoio forçado no rosto; o velho vira o rosto para esconder as lágrimas, lá vou eu em direção à plataforma do ônibus para o Rio de Janeiro, levando uma maleta, uma esperança, e duzentos e cinqüenta cruzeiros. (Para que se possa entender esta quantidade de dinheiro, posso lembrar que uma tulipa de chope no Castelinho - tradicional barzinho de Ipanema de então - Custava Cr$ 0,75).

     Nunca tinha estado no Rio antes; o ônibus entrou pela avenida Brasil quase ao meio dia de um sábado escaldante e ensolarado. A praia de Ramos fervilhava, reto em frente podia ver o Pão de Açúcar à distância, julguei tratar-se da famosa Copacabana e saudei-a em voz alta; um senhor carioca, do banco atrás do meu, retrucou:
- Copacabana o quê, meu filho! Esta nojeira é a praia de Maria Angu! - e caiu na gargalhada.

     Tudo era fascínio para meus olhos. No apartamento dos primos de um amigo meu, no Bairro de Fátima, consegui pousada no quarto da empregada até que esta voltasse na manhã de segunda. Deixei minhas coisas e parti, de ônibus, para Ipanema, queria conhecer a garota do Poetinha. Lá estava o Barril; ao lado, o famosíssimo Castelinho, hoje já demolido, barzinho mais badalado do Brasil na época. Em frente, o não menos conhecido e controvertido píer de Ipanema, uma estrutura metálica que avançava uns duzentos metros para dentro do mar, durante a construção do emissário de esgotos do bairro; e que ali permaneceu por anos, servindo de trampolim de mergulhos, mas principalmente de "point" da galera.

     Nas areias, próximo ao píer, não era raro encontrar figuras como Gil, Caetano, Chico, Gal, Milton e outros; cercados por amigos, em animadas reuniões musicais em plena praia, debaixo de um sol de quarenta graus.

     Uma das diversões da garotada, era sacudir bem uma garrafa cheia de coca-cola, com o dedão tampando o gargalo, para passar correndo espirrando o refrigerante sobre as costas das garotas, que deitavam-se de bruços, com os corpetes soltos para evitar marcas quando desfilassem à noite, com decotes nas costas. Elas pulavam imediatamente, dando uma "avant-première" da era do "top less", de quase dez anos mais tarde, na mesma Ipanema.

     À noite,ia-se para o "Bem", em São Conrado, também demolido há muitos anos, ponto bastante inflamado nas noites de finais de semana. A Barra da Tijuca praticamente não existia, não passava de um deserto árido, por onde se tinha que passar, para chegar às elegantes casas de veraneio do então distante Recreio dos Bandeirantes.

     O primeiro final de semana no Rio foi muito excitante; e na manhã de segunda estava na rua, com minha maleta, os classificados do Globo de domingo, e duzentos e vinte cruzeiros. Fui direto a Botafogo, procurar a rua São Clemente, o anúncio falava de uma excelente vaga para rapaz solteiro, com telefone. Ficava numa "rua de avenida" (Nome tradicional como eram conhecidas as vilas do Rio, estreitas ruas particulares ladeadas por casas de família de classe média baixa, usuais redutos portugueses. Algo que se assemelha bastante aos atuais condomínios horizontais), a cem metros da praia, um pouco antes de onde está hoje a estação do metrô. Da calçada em frente, via-se o Cristo Redentor, majestoso, belíssimo. Eram dois quartinhos e um banheiro, no fundo do quintal da casa de um português e sua família; cada quarto tinha três beliches e um roupeiro, e havia a extensão da linha telefônica da casa, comandada por uma chave de dentro da casa principal, cada rapaz tinha direito a três ligações locais por semana. Para quem eu poderia ligar então?

     Cento e dez cruzeiros adiantados pelo primeiro mês, e só teria crédito para o segundo se trouxesse a carteira assinada. Arrumei minhas coisas na parte do armário que me cabia; minha cama seria a única livre, o andar de cima de um beliche vinte centímetros mais curto que meu corpo. Saí e tomei um ônibus para a cidade, rua do Carmo com rua da Assembléia, uma empresa paulista de engenharia pedia desenhistas técnicos. Eu tinha o curso, tirado na escola técnica, e tinha trabalhado como desenhista numa empresa de engenharia de Porto Alegre por seis meses. Apresentei os documentos, fiz uma prova escrita e outra de desenho, ganhei o emprego. Salário de setecentos e cinqüenta, mais transporte e alimentação, para trabalhar na ampliação do parque de tanques da refinaria de petróleo Duque de Caxias, da Petrobrás. Apenas um problema, o contrato iniciava em doze de fevereiro; o que significava que até o início de março, por um mês e meio, teria de sobreviver com o que tinha.

     O dinheiro acabou em pouco tempo, mas deu para agüentar firme. Quando o trabalho começou, tinha ao menos os almoços de segunda a sexta. Veio o primeiro salário, e eu estava rico; mudei-me para um quarto, num apartamento de família na rua Bambina, também em Botafogo, onde até geladeira e uma pequena TV pude comprar. Um ano depois, estava promovido a projetista, e o salário era de três mil cruzeiros; aluguei um apartamento na Barata Ribeiro, em Copacabana, todinho para mim. Em quatorze de janeiro de 1975, estava me casando com Rosimar, na igreja de Santo Antônio, em Duque de Caxias; fomos morar num belo apartamento alugado no Guarabu, Ilha do Governador, e logo compramos nosso primeiro carro, um Corcel GT 1973. Pelas vizinhanças, começamos a fazer muitas amizades com outros casais jovens como nós; promovíamos serestas memoráveis nas casas de um ou outro, todos os finais de semana. Numa destas reuniões, alguém sugeriu a idéia de acampar; todos compramos equipamentos completos, e partimos em busca da natureza.

     Na própria primavera de setenta e cinco, descobrimos uma praia deserta, escondida sob um paredão rochoso da Rio-Santos, uns vinte quilômetros ao sul de Mambucaba. Tinha-se que sair à esquerda da rodovia, passar uma porteira de arame farpado, entrando por uma propriedade particular. Uns duzentos metros depois, virávamos à direita e seguíamos por uma trilha carroçável através de um bosque, até chegar às margens de um regato. Alguém havia disposto toras de madeira lado a lado no leito do mesmo, como uma ponte submersa, que permitia atravessá-lo de carro bem devagar, com a água quase cobrindo os pneus. Do outro lado, o bosque terminava abruptamente, e estávamos na areia muito fofa; para prosseguir, apenas um carro de cada vez tinha de ser empurrado por todos, por uns trezentos metros, até a desembocadura do regato, sob o paredão rochoso. Ali, montávamos nossas barracas.

     Naquele local nos tornamos naturistas, oito anos depois da morte de Luz del Fuego. Só que não pensávamos nisto, apenas fazíamos o que nossos corações mandavam. Na verdade, tudo começou porque nos finais dos dias tínhamos que tirar a água salgada do corpo, e nos banharmos. Como o paredão fosse repleto de olhos d'água, cravamos calhas feitas de bambus em algumas nascentes, obtendo deliciosas duchas de água doce e pura. Por volta das cinco ou seis da tarde íamos todos para as duchas, despíamos nossos calções e biquínis, e permanecíamos ali por horas até o anoitecer, brincando nus na água doce como crianças, sem o menor traço de constrangimento, maldade, ou desrespeito ao próximo.

     Freqüentemente apareciam pessoas no alto do rochedo, numa espécie de mirante, para ver o mar, e nos viam ali; tampouco dávamos a menor importância ao fato. Não me lembro de uma única vez em que tivéssemos sentado para discutir nossa nudez social, que muitas vezes já não se limitava mais àquela praia, e já acontecia também naturalmente em nossas próprias casas. Havia sim um sentimento mútuo de cumplicidade, muito difícil de tentar entender ou explicar, à época.

     Hoje se sabe que, coincidentemente por aquela época, diversos outros grupos também viveram o mesmo tipo de experiências naturistas pelo país. E igualmente não buscaram explicações, nem se organizaram.

     De qualquer forma, foi mesmo uma pena não se ter discutido o tema, quem sabe não teríamos fundado uma associação naturista há dezoito anos. Talvez, estarmos despidos socialmente já fosse um desafio grande demais, que havíamos superado naturalmente, e para discutir o assunto fosse necessário superar outro ainda maior.

     A verdade é que não pensamos nisso, os anos foram passando, vieram os filhos, a vida foi-se tornando mais difícil, devido ao agravamento da crise econômica do país; alguns casais mudaram-se para outros estados ou países, outros divorciaram-se, como nós, e nosso paraíso foi esvaziando, como a Ilha do Sol.

      Vivíamos os últimos anos da ditadura militar, e os primeiros da violenta crise inflacionária causada pelas décadas de corrupção, desmandos e captação descontrolada de empréstimos no exterior. O desemprego e a violência urbana passavam a ser a grande tônica; o país que parecera despontar no decadente cenário mundial do pós guerra, mais de trinta anos antes, e vivera um relativo esplendor durante as décadas de cinqüenta e sessenta, estava transformado num caos político, social e econômico.

 

*Naturista gerente do bar da praia de Massarandupió na Bahia.

robertoelurdes@hotmail.com

Na próxima edição, a quinta parte desta saga. O Naturismo volta a aparecer na mídia.

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