') popwin.document.close() }
Jornal Olho nu - edição N°55 - abril de 2005 | |
Editorial | Cartas dos Leitores | NATClassificados | NATNotícias | NATNovidades | NATCuriosidades | NATLuta | |
NATEspecial | NATExperiência | NATInternacional | NATVariedades | NATHumor | NATCinema | NATConto | NATFotos |
Jornal Olho nu - edição N°55 - abril de 2005 - Ano V
Após anos de trabalho, com direito a pesquisa de campo e convivência com os naturistas da Colina do Sol, o antropólogo Luiz Fernando Rojo, defendeu a tese que lhe deu direito a receber o grau de doutor em Antropologia. A apresentação acadêmica aconteceu no dia 31 de março, na Universidade do estado do Rio de Janeiro, diante de uma banca de doutores examinadores e uma platéia extremamente interessada em conhecer um pouco mais da intimidade dos naturistas. OLHO NU esteve lá para conferir e conta agora tudinho que aconteceu. Naturismo na Academia por Pedro Ribeiro* A pequena sala de aula do nono andar abrigou confortavelmente a platéia, predominantemente feminina, constituída de amigos e estudantes de diversos cursos da universidade, como era o caso da jovem Márcia, estudante de comunicação social, interessada em assistir a defesa de doutorado e também em naturismo, assunto que lhe desperta muita curiosidade. A banca examinadora foi formada por cinco doutores, quatro convidados e a orientadora, que, ordenadamente argüiram o doutorando Luiz Rojo em dois grupos de perguntas. As perguntas versavam sobre detalhes técnicos do trabalho acadêmico e pedidos de detalhamento de pontos específicos, gerados por muita curiosidade pelo estilo de vida naturista e pela raridade do tema de pesquisa e dissertação. É lógico que não poderei transpor para esse espaço todas as miudezas de detalhes que estão disponíveis em seu trabalho acadêmico. Teremos todos que esperar a publicação para termos acesso ao mundo naturista da Colina do Sol sob o olhar atento de Luiz Fernando. O que veremos a seguir foram alguns destaques dados pelos examinadores e pelas respostas em seguida, feitas sob minha interpretação. A Colina do Sol É a primeira vila naturista do Brasil. Um micro espaço social com regras próprias de comportamento e de sanções. Construída em torno de lagos e praias artificiais, com áreas de lazer para prática de esportes e convívio. Como em qualquer enorme condomínio, as relações sociais deixam transparecer tensões geradas por interesses diversos nas áreas econômica e política. Todas as casas são de moradia, com exceção do hotel, e seguem todas as mesmas características de construção em relação ao material empregado e finalização. Os espaços de convivência possuem áreas de nudismo obrigatório e opcionais. atualmente há cerca de 50 pessoas residentes na vila, hegemonicamente gaúcha. Mas a população aumenta em 10 vezes nos finais de semana ensolarados com visitantes de todo país e de diversas partes do mundo. Quando começou não havia concessão à entrada de homens solteiros (ou desacompanhados de mulher). Hoje em dia já há uma relativa liberação. Um mundo de confrontos entre conceitos O olhar de Luiz percebeu confrontos em posições teóricas a respeito de alguns temas, quando conversava com moradores da Colina do Sol. Um dos casos que mais despertou curiosidade aos examinadores foi a questão do OLHAR. As respostas encontradas foram contraditórias: alguns afirmavam categoricamente "não olhamos" e outros revelavam que o "olhar do naturista é tranqüilo". A questão acima é a respeito de como o naturista deve se comportar diante da visão do corpo nu, do seu ou o do próximo. Em algumas matérias veiculadas via antiga TV Manchete, alguns naturistas afirmavam que olhavam apenas para os olhos das pessoas, revelando uma censura interna exacerbada e a falta de naturalidade de encarar o corpo humano. Parece, então, que a tranqüilidade do olhar ainda não atingiu a todos. Além disso, alguns naturistas do sexo masculino acreditam que as mulheres precisam ser protegidas dos olhares de outros homens, defendendo vigorosamente a idéia do impedimento da freqüência de homens solteiros, em um misto de sentimento de posse agravadas com pérolas como essa: "se eu estou mostrando minha mulher porque eles (os homens solteiros) também não mostram as deles?" Corroborando com esta idéia, a grande maioria das mulheres, ao saírem das áreas de nudismo obrigatório, vestiam alguma coisa para se dirigirem a outros setores da vila, comportamento raríssimo nos homens. No entanto quase não há no discurso da mulher a defesa da proibição da presença de homens solteiros. Há também o conceito das roupas morais e das roupas não morais. Por exemplo, bermudas e sungas são proibidas, assim como usar top (sutiã), pois são consideradas vestimentas que incitam ao olhar. Também a beleza estética remete à tensão. O discurso é que não há interesse pelos corpos bonitos ou cultivados em aulas de ginástica e musculação. O corpo é reconstituído em partes que podem ser olhadas e em partes que não. Há momentos em que parece que os naturistas estão vestidos da nudez.
Mas há válvulas de escape para toda essa tensão quando são realizados eventos como o "A arte abunda", onde os naturistas podem pintar ou ter seus corpos pintados por outras pessoas e, por isso, pode ter todo ele examinado em detalhes.
Naturismo como filosofia X Naturismo como filosofia de vida A idealização da infância, como pura e totalmente aberta para o bem, é o que permeia a filosofia naturista. E há realmente um esforço enorme de muita gente em realizar verdadeiramente a filosofia, não apenas de maneira teórica, mas no dia a dia, na prática. Se há realmente muita tensão entre os naturistas, há também muita vontade de fazer, de acertar. No entanto, um dos examinadores explanou que também é utópica essa associação da infância com tudo que é bom e puro. A relação entre as crianças não é assim. Elas possuem vários jogos cruéis que estimulam a exclusão do escolhido da vez do convívio social, maior parte das vezes sem razão lógica aos olhos adultos. Daí os apelidos que realçam defeitos físicos e diferenças. Então essa busca pela pureza no naturismo pode ser utópica ou, pior, levar a uma busca pela sociedade ideal, um tanto fascista. Muitos naturistas se colocam como os mais bem resolvidos entre os seres humanos, os mais desenvolvidos, "os eleitos", denunciou um dos examinadores. O naturismo lhes dá o poder de ter um olhar diferenciado. Uma visão muito romântica de si próprios. Como a sociedade acredita que crianças não têm sexualidade, aparentemente há também uma rejeição do desejo sexual. Constantemente há preocupação sobre a possibilidade da ereção masculina em público ou em área pública (50% das perguntas dirigidas aos sites naturistas é justamente sobre essa ansiedade de o que fazer caso tenha uma ereção "incontrolável"). Procura negar tudo que muitos pesquisadores, entre eles Freud, declararam sobre a sexualidade humana. (Nota: Ereção também foi preocupação de Luiz Fernando quando decidiu ir para a Colina - leia em OLHO NU nº 27) Luiz, para ser aceito como morador da Colina do Sol, para poder fazer sua pesquisa, teve que passar pelo crivo do Conselho. Sua situação era um tanto desconfortável pois era não naturista assumido e solteiro. Durante o período de seu trabalho, entre uma morada e outra (ele morou durante um ano na Colina, mas foi dividida em duas etapas), ele se casou. O olhar em sua direção então se transformou. Agora ele era casado, sua sexualidade já poderia não ser mais questionada, não representava mais um pseudo perigo. Além disso, casou-se com uma sócia proprietária. Sua situação social mudou muito. Apesar de todo esse medo quanto à sexualidade do homem solteiro, há outras preocupações atuais relativas a esse tema: o swing (troca de casais), vindo justamente de onde menos se esperava. Aqui são separados os naturistas autênticos dos naturistas por interesse, aqueles que se aproveitam da situação da nudez e da facilidade de contatos para fins escusos à filosofia. Relações políticas Durante o período em que lá viveu, o casal Celso e Paula, idealizadores e fundadores da Colina do Sol eram os diretores. Quase todas as decisões tinham que passar por eles: a palavra final era deles. Então muitas vezes o Conselho se reunia mas não decidia nada enquanto não ouvisse suas colocações. Houve casos de expulsão da associação de pessoas que frontalmente se opunham a sua gestão. Mulheres Outra situação de tensão ocorre quando mulheres, alegando estarem no período menstrual, se recusam a tirar a parte de baixo do vestuário, mesmo nas áreas de nudismo obrigatório. Mais um ponto de discórdia é o uso de cangas enroladas por todo corpo com se fossem um vestido, o que na realidade é mesmo. Elas alegam que estão sem nada por baixo. Em conversa com diversas freqüentadoras ou moradoras, alegam que foram introduzidas no Naturismo pelos respectivos companheiros e que estão lá somente para acompanhá-los, jamais por vontade própria. Por isso se declaram menos à vontade para ficar sem roupas em todas as ocasiões. Conclusão
Luiz Rojo defendeu seus pontos de vista com brilhantismo e acrescentou que apesar de tantas tensões reveladas, há momentos mágicos que somente poderiam acontecer em ambientes como esse. Conta que por várias vezes, dia ou noite, esteve sozinho, em sua cabana, com crianças, de seis, sete, oito anos de idade, às vezes só uma, às vezes pequenos grupos, longe dos pais. Todos nus. Situação impensável na sociedade externa. Isto revela o grau de confiança que as pessoas têm na filosofia de vida que escolheram para viver. Acredita ser altamente positivo e até justificável toda defesa que procuram manter, como se fosse uma casca impenetrável. A banca examinadora elogiou o trabalho apresentado, tanto pela forma de abordagem de seu conteúdo, segundo ela, fluente e fácil de ler, quanto ao aspecto técnico acadêmico. Foram sugeridas algumas extensões para esta pesquisa. Uma delas seria compor um possível diálogo entre o naturismo e a Contra Cultura, dos movimentos hippies da década de 60 e 70, do século passado.
*pedroribeiro@jornalolhonu.com
|